Artigo: Bahia sem coronéis

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Houve um tempo na política baiana em que todo o cenário eleitoral era perfeitamente desenhado dentro de um gabinete, o do todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães. Tempo em que o coronel de plantão se orgulhava de afirmar que, na Bahia, ele seria capaz de eleger um poste. E elegia, de fato. Mas claro que na base do chicote e do dinheiro. E não se trata de figura de linguagem, nem quanto ao chicote nem quanto ao dinheiro. Utilizavam-se métodos bastante arcaicos de “convencimento”, sendo o mais conhecido de todos o dos “dossiês”, os temidos dossiês, que tanta gente calou, que tanta gente intimidou, que a tantos aniquilou. E era com vaidade patológica que ele exibia a todos os seus derrotados políticos. Era com satisfação quase demoníaca que ACM contabilizava aqueles aos quais havia jogado na lixeira política, que haviam sucumbido ante sua ira. Daí a alcunha “Toninho Malvadeza”.

Neste tempo, era fácil “adivinhar” quem seria o próximo governador da Bahia, o próximo senador, e até prefeitos eram sumariamente decididos ali, no Palácio do Coronel. Foi um tempo de violências absurdas, de falácias, de uso do aparato do Estado para enriquecimento de poucas famílias; tempo de domínio do Executivo, do Legislativo e até do Judiciário por um grupo político. Sim, o Judiciário estava também subjugado às ordens do todo-poderoso. Acovardado e incapaz de atuar com liberdade, era a manifestação mais evidente da debilidade de um Estado marcado por uma corrupção sistêmica. A Bahia deve ter sido, por isso mesmo, o último Estado brasileiro a livrar-se da Ditadura, praticada aqui com requintes de crueldade.

Hoje, assisto com espanto a inquietação dos vários grupos políticos baianos por não conseguirem ver definido o quadro sucessório para 2014. De fato, talvez pela primeira vez nos últimos 50 anos a sucessão ao Palácio de Ondina é uma incógnita capaz de sobressaltar o mais dedicado cientista político. Como bem diz a canção: “pode acontecer tudo, inclusive nada”. Isso mesmo. Vejamos: o governador Jaques Wagner simplesmente não consegue um nome de consenso em seu próprio partido para sucede-lo; sua aposta principal, o chefe de gabinete Rui Costa, não decola; derrapam as pretensões do secretário de Planejamento, José Sérgio Gabrielli, e o senador Walter Pinheiro usa a estratégia do silêncio para se consolidar; com a entrada no cenário do prefeito de Vitória da Conquista, Guilherme Menezes, dono de invejável biografia política e eleitoral, a coisa ficou ainda mais complexa. Há quem diga, pro outro lado que, do grupo governista, o candidato natural seria o vice-governador Otto Alencar, do PSD, único que consegue ter preferência inclusive de muitos petistas; por seu turno, o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Nilo (PDT), emite sinais claros de interesse na disputa.

Enquanto isso, a oposição está à espera de um milagre. O único nome com alguma densidade eleitoral para a disputa é o do prefeito de Salvador, neto do Todo-Poderoso, que, para concorrer, teria que tomar um dos remédios mais amargos: renunciar ao cargo que ocupa para uma disputa que já se mostra inglória. Geddel Vieira Lima não enfileira cinco pessoas em sua defesa e seria derrotado no primeiro turno até mesmo pelo mais fraco oponente governista, fosse este quem fosse. Paulo Souto sumiu do cenário político e negou-se a assumir o que seria um sopro de vida eleitoral: uma secretaria no governo de ACM Neto em Salvador. O prefeito de Feira de Santana José Ronaldo, para não ser lembrado, nem toca no assunto, inteligentemente se esconde já que sua fartura eleitoral tem território delimitado.

Desta maneira, a Bahia vivencia momentos de profunda aflição pré-eleitoral: do lado governista porque há mesa farta; do lado da oposição porque, à mesa, falta. E que sintoma é este senão das profundas transformações políticas experimentadas pelos baianos nos últimos seis anos, com o fim de um modelo atrasado, violento e deseducador, que impedia a livre manifestação e que asfixiava o debate? A meu ver, estamos vivenciando um momento rico no qual é possível desenhar cenários e possibilidades. Mais que isso, é um momento em que, por mais que não seja ainda o modelo democrático de escolha dos candidatos, já sinaliza para uma concepção de sociedade na qual coronéis não governem mais, uma sociedade política com o mínimo de alienação e com o máximo de debates e propostas.