A Guerra de Canudos

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Benjamin Nunes Pereira*

O fato aconteceu nos anos de 1896 e 1897, tendo como término 05 de outubro de 1897, já são 113 anos e o governo federal empenhou-se, na destruição do arraial de Canudos, onde se desenvolvia um movimento messiânico coordenado por Antonio Vicente Mendes Maciel, chamado popularmente Antonio Conselheiro. Em várias regiões mais atrasadas do Brasil, principalmente no sertão nordestino, ocorreram movimentos místicos que envolveram um número considerável de pessoas. Desesperados com a miséria e com a fome que existiam nessas áreas, os habitantes com freqüência seguiam os beatos e outros pregadores, que prometiam um mundo melhor por meio de práticas religiosas e de uma vida dedicada à comunidade messiânica. Alguns desses movimentos, na medida em que aglutinavam milhares de pessoas que passavam a viver à margem da sociedade estabelecida, atraíram as iras dos donos da terra, dos políticos e do clero, que viam neles uma subversão da ordem estabelecida. Canudos foi, talvez, o exemplo extremo desse fenômeno.

Foi na década de 1870, que Antonio Vicente Mendes Maciel, assumindo a condição de beato começou a percorrer os sertões. O seu nascimento ocorreu em Quixeramobim, Ceará, em 1823, filho de um comerciante que pretendia fazer um padre. Com esse propósito foi posto pelo pai em um curso de português, latim e Francês. Entretanto, as circunstâncias de vida familiar prenderam o futuro Conselheiro ao balcão do armazém paterno, frustrando-se desse modo essas aspirações. Com a morte do pai, em 1855, viu-se à frente dos negócios e, principalmente, às voltas com as dívidas herdadas.

Há muito tempo que Antonio Conselheiro mantinha a idéia de fundar uma comunidade igualitária. Talvez nesse tempo já tivesse lido a Utopia, de Thomas More. Depois do combate de masseté, seguiu para o Norte em longa e penosa caminhada. Foi ele quem escolheu o local, onde deveria estabelecer-se com sua gente. Ao chegar a Canudos, na Fazenda Velha, lançando a sua vista de levante ao poente que abrangia todo o horizonte cercado de serras, dissera tranquilamente: “E aqui”. E seus adeptos prorromperam num canto triunfal, louvando a fundação de Belo Monte.

Canudos era uma velha fazenda abandonada com palhoça de pau-a-pique, à margem do Vasa Barris ou Irapiranga, quando Antonio Conselheiro aí chegou em 1893.

A origem do nome é simples e pitoresca. Anteriormente, ali se aglomerava uma população estanha e perigosa, “armada até os dentes” e “cuja ocupação quase exclusiva consistia em beber aguardente e pitar uns estranhos cachimbos de barro em canudos de metro de extensão” – segundo as informações do vigário de Ipú. Os tubos eram naturalmente – esclarecia Euclides da Cunha – formados pelas salonáceas (Canudos de Pito), vicejantemente em grande cópia à beira do rio. O curioso é que os longos cachimbos apreciados por esta gente simples e anônima iriam dar o nome à cidade de Canudos que deixou uma legenda tão heróica.

Antonio Conselheiro, conhecendo bem o sertão soube escolher o lugar adequando para a fundação do arraial de Belo Monte.

Segundo Euclides da Cunha, com o advento da República e especialmente após 1893, Conselheiro apresenta “uma feição combatente inteiramente nova”. Refere-se à pregação anti-republicana de Antonio Conselheiro e ao episódio ocorrido em Bom Conselho, quando o beato reunindo o povo num dia de feira, mandou queimar numa fogueira as tábuas com os editais para a cobrança de impostos. Seu envolvimento mais explícito na política sem dúvida constitui uma das chaves para explicar os ulteriores desdobramentos que resultaram na formação do arraial de Canudos e a hostilidade que a República lhe devotou.

Suas críticas ao novo regime, ao contrário do que se acreditou na época, não derivaram de sua preferência pela monarquia, mas restrições que fazia às modificações que vieram no bojo da República. Conselheiro procurava defender a antiga jurisdição da Igreja-Estado imposta pelos republicanos. O primeiro código penal da República definia como crime do celebrante a realização do casamento religioso anteriormente ao civil e impunha penalidades aos vigários que assim procedessem; outras medidas impostas, hostis à Igreja diziam respeito à jurisdição civil sobre os cemitérios e a tentativa de proscrição da Companhia de Jesus. Nesta época não se sabe exatamente qual o teor das críticas do Conselheiro, porém mais tarde, já em Canudos, ele assim se dirigia aos fiéis: “É importante o poder humano para acabar com a religião. O Presidente da República, porém, movido pela incredulidade que tem atraído sobre ele toda a sorte de ilusões, entende que pode governar o Brasil como se fora um monarca legitimamente constituído por Deus; tanta injustiça os católicos contemplam amargurado. Oh! É necessário que se sustente a fé da Igreja. A religião santifica tudo e não destrói coisa alguma, exceto o pecado. Daqui se vê que o casamento civil ocasiona a dualidade do casamento, conforme manda a santa madre Igreja de Roma, contra a disposição mais clara do seu ensino.

A partir de então, as tensões se agravaram, registrando-se incidentes vários, dos quais o mais grave ocorreu em 1893. Já em plena República, rebelou-se Antonio Vicente contra a cobrança de impostos municipais em Bom Conselho Bahia e, em dia de feira, com seus seguidores e sob o espocar de foguetes, queimou as tábuas em que estavam afixados os editais. A seguir, põe-se em marcha com seu povo, sendo alcançados em Masseté pela perseguição de uma tropa de polícia. Travando o combate, as forças da ordem foram desbaratadas.

A fixação em Canudos, fazenda abandonada, junto ao Vaza-Barris – fizeram-se por esta época vindo a alcançar o arraial em seu curto período de existência, dimensões inusitadas no sertão. Para lá afluíram sertanejos de vários Estados que, desfazendo-se de seus haveres, abandonavam os lugares de origem e iam engrossar as fileiras daquele que, então, já era o Conselheiro.

Com base no relato que Euclides nos legou são apresentados a seguir, os principais momentos de ação repressiva.

Na escaramuça de Masseté, os jagunços do Conselheiro foram atacados por trinta praças de polícia. Mais tarde já estabelecidos em Canudos, houve o episódio da compra de madeirame para a construção da Igreja. O material de construção foi adquirido em Juazeiro Bahia, apesar de pago adiantadamente, não foi entregue, numa ruptura de trato que Euclides sugere ter sido uma provocação deliberada. Seja como for, o fato é que os jagunços anunciaram a disposição de arrebatar à força a mercadoria. Não era preciso mais; contra eles foram enviados 104 soldados e 03 oficiais do 9º Batalhão de Infantaria. O reencontro deu-se em Uauá, repetindo-se, em ponto maior, o desastre de Masseté. Desde então, definidos como perigosos rebeldes, não era mais preciso encontrar motivos imediatos. Assim, para destruí-los seguiu o Major Febrônio, que lutando em Cambaio e Tabulerinhos, sofreu fragorosa derrota, apesar de dispor de 543 praças, 14 oficiais combatentes, três médicos, dois canhões Krupp e duas metralhadoras.

Ao investir sobre Canudos, diz Euclides, “começou a esboçar-se o perigo único e gravíssimo: os pelotões dissolviam-se”. Os grupos de soldados adentravam o arraial à procura do inimigo e, sem que percebessem, tornavam-se presa fácil para aqueles que habitavam a cidadela de Canudos. Moreira Cesar que mobilizava a terceira expedição, juntamente com seus homens caiu numa cilada. A luta estava irremediavelmente perdida. Logo foi ferido o Coronel Moreira Cesar. Sem comando cada um lutava a seu modo.  A retirada se impunha, ainda que de forma caótica. Euclides descreve-a não como uma operação tática, mas como “fuga” e “debandada”. “Oitocentos homens desapareceram em fuga – escreve – “abandonando as espingardas; arriando as padiolas, em que se torciam os feridos; jogando fora as peças de equipamentos; desarmando-se; desapertando os cinturões para a carreira desafogada; e correndo, correndo ao acaso, correndo em grupos, em bandos erradios”. E o grito de guerra dos jagunços acabara de se impor com realidade: “a força do governo era agora realmente a fraqueza do governo, denominação irônica destinada a permanecer por todo o curso da campanha”

As derrotas da expedição Moreira César, bem como a morte de seu prestigiado comandante repercutiram como grande comoção nacional. Aquilo parecia uma hipótese jamais cogitada, a evidência mais do que clara de que Canudos não era apenas um arraial de rebelde, mas, sim, a ponta de lança de uma grande conspiração restauradora tramada contra as instituições republicanas. Já não restavam dúvidas. A República estava em perigo. Era necessário, a qualquer preço salvá-la.

Para a Bahia convergiam, agora, as tropas de todos os Estados para comporem a quarta expedição, aquela destinada a redimir a “honra nacional”. O comandante desta quarta expedição foi o general do exército: Arthur Oscar de Andrade Guimarães, comandando mais de cinco mil homens. À luz das falhas das expedições anteriores, imenso tempo foi gasto na preparação da expedição no tocante a suprimento de víveres e comunicações. Somente em junho de 1897 estava a tropa pronta para a investida.

Para o combate a tropa foi dividida em duas colunas que seguiram por caminhos diferentes; uma sob o comando do general João da Silva Barbosa e outra do General Carlos do Amaral Salvaget, tendo as duas colunas como comandante geral o General Arthur Oscar.

Este combate foi um verdadeiro revés para as tropas governistas. A demonstração de que enfrentava um adversário que sabia lutar e não temia a superioridade do inimigo quebrara-lhes o ânimo. De qualquer forma, a quarta expedição viera para exterminar Canudos e tinha, atrás de si, imensa estrutura mobilizada que permitia que mesmo as perdas e baixas nas tropas governistas fossem compensadas como novos reforços em prol da missão de extermínio.

Antonio Conselheiro viu-se obrigado a mudar de plano. Pretendia derrotar cada uma das colunas separadamente. Agora teria de lutar com as duas reunidas que contavam com cerca de cinco mil homens e dispunha de vários canhões. O primeiro combate verificou-se em Cocorobó, a 25 de junho de 1897, dois dias depois a expedição chegou a Canudos. Após enorme resistência dos jagunços e empregando uma luta de extermínios, os soldados conseguiram entrar em Canudos. Após a morte de Antonio Conselheiro em 22 de setembro de 1897, um último reduto resistia na praça central. Finalmente, em 05 de outubro de 1897, dá-se o último combate entre os rebeldes e as forças governistas. Sobre ele assim se manifestou Euclides da Cunha: “Canudos não se rendeu… resistiu até o esmagamento completo. Expugnando palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 05 ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, à frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.

Sobre as cinzas da aldeia sagrada de Canudos a República, finalmente estava salva e consolidada, pois, no dia 06 de outubro de 1897, quando o arraial foi arrasado e incendiado, o Exército registrou ter contado 5.200 casebres.

REFERÊNCIAS:

FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira (Org). Vol. III – O Brasil Republicano, Ed. Difel, SP. 1977.

MENDES JR. Antonio e MARANHÃO, Ricardo. Brasil História – Texto Consulta – vol 3 República Velha, Brasiliense, SP. 1979.

MONIZ Edmundo. Canudos: A Luta pela Terra. 3ª Global Editora SP. 1984.

SOARES. Henrique D. Estrada de Macedo. A Guerra de Canudos, 3ª Ed. Brasília, 1935.

*Benjamin NUNES Pereira, é bancário, diretor do Sindicato dos Bancários de Vitória da Conquista e Região, membro da Academia Conquistense de Letras, membro da Casa da Cultura de Vitória da Conquista, Jornalista, graduado em História, pós-graduado em Programação e Orçamento Público Pela UFBA e pós-graduado em Antropologia com ênfase na cultura afro-brasileira pela UESB e Acadêmico de Direito da Fainor.

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