Artigo – A roda da insensatez humana

O homem para se evoluir precisa resgatar a harmonia do passado para recuperar seu sentido de viver. As tecnologias de hoje nos agridem, embaçam nossas vistas, nos iludem com o mágico falso, com deuses de ouro e com o mito de que somos uma raça superior e civilizada.
Não entendo patativa de arquitetura e engenharia, mas nossas cidades, cheias de edifícios, viadutos por todos os lados, arranha-céus, asfaltos escaldantes, concretagens, carros buzinando e soltando gás carbônico de suas descargas, são feias e desumanas. Não inspiram poesia, felicidade e paz de espírito. Evaporam estresse e são sufocantes.
Somos imbecis de nós mesmos e cretinos que pensam que somos evoluídos porque algum “pensador” disse isso em alguma aula ou palestra. Na insensatez do inconsciente, nos achamos inteligentes porque sabemos citar alguns filósofos gregos, tiranos e césares imperadores.
Vivemos num mundo e num Brasil esbagaçado, com “líderes” da pior espécie que estão roubando o fio da esperança que nos ligaria a um humanismo mais real, justo e igualitário. Como no tempo dos Selêucidas de Antíaco IV, em Judá e Israel (168 anos A.C.) estão cortando nossas liberdades e nos impondo severos castigos.
Dentro do nosso consciente inconsciente, entendemos que somos livres só porque podemos xingá-los e avacalhá-los depois de umas cervejas na mesa de um bar. Após o porre, saímos todos felizes por, aparentemente, termos dados nosso recado retórico e esboçado reação.
Cada um em seu quadrado arrota, esbanja e disputa sabedoria. Depois se recolhe ao insignificante de sempre à sociedade dominadora que endeusa o consumismo e aniquila o ser. Tudo fazemos para sermos integrantes comportados desse sistema perverso, colocando nossos espíritos a serviço do diabo.
Curtimos, nos embebedamos em festas de comes e bebes. É só alegria, prazer e badalação nas redes sociais, mas, no outro dia, na labuta imperiosa da sobrevivência, a cidade feia continua intragável, sem alma e desumana como sempre. A rotina da família e das obrigações do dia a dia vão criando uma crosta cinzenta no córtice do nosso cérebro. É o sinal de alerta, mas seguimos em frente!
Com o passar do tempo, a vida vai ficando sem arte, perdendo seu brilho, sem sentimento e sem humanismo. Mesmo assim, ela tem que continuar por entre esta selva de pedras. Bem que esta cidade poderia virar ruínas e de seus escombros nascer um templo habitável de convivência humana. De tanto consumir lixo não mais nos incomodamos, e seguimos os preceitos e as leis, acreditando que só isso nos basta.
Vejo pessoas passando pra lá e pra cá para resolver burocracias com montes de papéis nas pastas, apressadas para seus monótonos trabalhos de vender, comprar, advogar, contar, calcular, edificar, medicar, comunicar e muitos à procura de uma cura para seus males espirituais e corporais advindos dessa estrutura que só causa angústia.
Outros acolá, nos centros e nas periferias, levantam piquetes e passeatas contra a violência, os preços altos do transporte sucateado, a falta de teto, de terra com tanta terra, a falta de água nas torneiras, de creche, de atendimento médico, de uma escola em seu bairro ou porque a criança morreu de bala perdida. Afinal, vivemos em cidades amedrontadas.
Existem estatutos para crianças e adolescente, para os idosos, mas não passam de enganos, pouco funcionam. Vive-se de remendos e na base do faz de conta de que estas pessoas estão sendo cuidadas. É assim e nada se pode fazer. É o que temos para oferecer.
Acostumamo-nos com o pouco e a viver na vala dos desvalidos até a hora antecipada de atravessar a outra margem desse rio. O barqueiro ainda cobra uma moeda para nos levar para o outro lado. Os “líderes” também vão, mas com muita gala e pompa, depois de ter nos deixado aos trapos.
Vejo policiais despreparados, brutalizados e truculentos como sempre que já saem dos quarteis dando porrada em toda gente, matando e limpando a área. Os “jornalistas” dos microfones malditos enchem seus sacos de espetáculo e sensacionalismo para saciar a agonia frustrante do povo ávido por justiça, de preferencia com as próprias mãos.
O ciclo vicioso continua e os crápulas são os mesmo eleitos, de pai para filho, com a regra máxima de juntar e juntar mais cabedal através das propinas corruptas. Não importa a desgraça, o clamor e o rastro de sangue que vão deixando em suas passagens de pés grandes de monstros diabólicos. O círculo da esperança nunca se fecha.
Vejo pessoas fazendo caridade e doações aos mais necessitados e miseráveis. Sopa e cobertores para os moradores de ruas, desabrigados das chuvas ou expulsos de seus casebres. Vejo a compaixão, a misericórdia e até a alienação, mas não vejo a solução através das esmolas. Só acredito nas ações do ensinar a pescar.
A mídia corre para também fazer sua média melosa e piedosa de audiência. O povo aplaude e faz coro! Cada dia aparece na tela mais gente passando fome e necessitando urgentemente de mais tratamentos e medicamentos para se salvar. Acode-se um, mas existem milhares e milhares na mesma precariedade. O Estado nem toma conhecimento.
Vejo a legião de pedintes e excluídos aumentar. O governo passa com sua caravana de lobos e nada vê. Sua preocupação maior é utilizar o dinheiro público para manter-se no poder. Cá comigo, penso que tudo está errado, já que a desigualdade social só faz crescer, e as esmolas não dão mais conta da demanda. É o ciclo da esmola e da miséria que não tem fim.
Só unguentos! Nada é feito de radical e revolucionário para extrair de vez o tumor do corpo. Temos mentalidade atrasada, mas nos achamos bondosos, generosos, gentis, solidários, sábios e humanos. Tendemos a fazer o mais fácil e simples e fugimos do complicado.
Na verdade, dentro de muitos de nós existe uma coisa que nos trai e que se chama culpa pelo medo de enfrentar o real e arriscar a vida contra as injustiças. Dar esmola é mais fácil, cômodo e ainda enche o ego. Diz-se que é bom para a autoestima coletiva e individual. Ganha ainda a recompensa do céu.
A questão não é só arrotar mestrado, doutorado e conhecimento físico e metafísico, mas perceber que estamos todos enroscados nesta teia do civilismo tacanho e falso de que os satélites e foguetes lançados no universo nos dão o aval de supremacia. Enquanto isso, milhões passam fome e as tecnologias modernas só estão ao alcance de poucos privilegiados.
Volto à mesa do bar, do restaurante ou do almoço familiar. Comemos, bebemos com aqueles mesmos discursos de ética e moral, com graças e piadas, algumas de mau gosto. Seguimos com os mesmos sintomas. No outro dia, começa tudo de novo, na cidade feia, ingrata e desumana. Somos enfadonhos e repetitivos.
Com ressaca, ou não, lá estamos a lidar com a mesmice do trânsito, dos engarrafamentos, dos colegas malas e insossos, com o trabalho monótono e estafante e com a aula sem arte, contando as horas e os dias para o próximo final de semana. E assim roda, roda a roda da insensatez e da agonia