Abortos no Brasil, embora ilegais, são comuns

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Não deveria ser tão surpreendente que, no Brasil, o país com o maior número de católicos (73% da população, ou cerca de 140 milhões de pessoas), o aborto é ilegal, exceto em casos de estupro, quando a vida da mãe está em perigo ou quando o feto apresenta graves anomalias genéticas. De fato, a proibição do aborto é um ponto estático nas plataformas políticas das campanhas dos dois principais candidatos às próximas eleições presidenciais no Brasil. No entanto, um estudo recente revelou que 1 em cada 5 mulheres brasileiras em idade fértil interrompeu uma gravidez, e as estatísticas do Ministério da Saúde mostram que 200 mil mulheres por ano são hospitalizadas devido a complicações decorrentes de abortos inseguros.

O estudo tem chocado médicos, que foram surpreendidos com o quão comum são os procedimentos ilegais. “Acho que a grande conclusão que tiramos disso é que a mulher que fez um aborto é uma típica mulher brasileira”, diz Marcelo Medeiros, economista e sociólogo que coordenou o estudo financiado pelo governo. “Ela poderia ser sua prima, sua mãe, sua irmã ou seu vizinho. Toda a evidência mostra que este é um problema grave e que não está sendo discutido abertamente.”

O presidente em final de mandato Luiz Inácio Lula da Silva, que diz ser pessoalmente contra o aborto, tem chamado publicamente o Estado a discutir o assunto como questão de saúde pública, e não como uma questão moral. O popular presidente, no entanto, pouco tem feito para fomentar qualquer debate mais amplo sobre a legalização do procedimento, e seu governo não conseguiu reduzir a mortalidade materna – que está amarrado ao aborto inseguro – uma de suas metas na área de saúde. Os dois principais candidatos a substituí-lo na eleição presidencial de outubro adotaram uma postura semelhante e ambos dizem que não têm planos de mudar a lei atual. Apenas Marina Silva, do Partido Verde, a outsider na corrida, disse que defende a liberalização das regras atuais em torno do aborto. Mas mesmo Marina Silva nunca sustentou que defende a legalização definitiva.

Na realidade, o Congresso brasileiro está discutindo um aperto na legislação, em vez de uma flexibilização. Um projeto de lei em comissão propõe criminalizar qualquer ato destinado a danificar deliberadamente o feto e proíbe quaisquer declarações que promovam mesmo o aborto legal, um movimento que o Centro de Direitos Reprodutivos sediado em Nova Iorque diz que “ignora totalmente a saúde e a vida da mulher.” Os profissionais de saúde dizem esperar que o projeto morra com o fim da atual legislatura e estão esperançosos que o novo Congresso do próximo ano seja mais progressista.

Os defensores do controle da natalidade estão consternados com o fato de que a Igreja Católica ainda exerça um poder considerável. O Brasil foi recentemente palco de uma polêmica envolvendo a excomunhão dos médicos que realizaram um aborto em uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto. Bispos, no mês passado, recomendaram claramente eleitores a votar em um candidato presidenciável “comprometido com o respeito incondicional pela vida.”
E se os resultados do estudo estão corretos, o aborto é alarmante generalizado dado o seu status. Embora os números exatos sejam impossíveis de determinar, especialistas acreditam que entre 500.000 e 1 milhão de gestações são interrompidas no Brasil a cada ano. Cerca de metade delas são induzidas pelo uso de um coquetel de drogas e o restante é realizado em clínicas clandestinas. O número de mulheres internadas por complicações decorrentes de abortos ilegais caiu cerca de 40 mil entre 2003 e o ano passado. No entanto, 200 mil mulheres ainda dão entrada a cada ano, diz Adson França, o assessor especial do ministro da Saúde.

França diz que o governo federal oferece tudo, de preservativos e pílulas anticoncepcionais a vasectomias – tudo gratuitamente – em cada um dos 5.565 municípios do país. O governo aumentou em sete vezes o orçamento para as medidas contraceptivas desde 2003. Mas, apesar disso, e por todo o inegável progresso do Brasil em outras áreas da saúde, a mortalidade materna manteve-se estável por 15 anos, fato que os pesquisadores dizem que está intimamente ligado à falta de abortos seguros. Especialistas temem que, ao menos que a questão seja tratada mais como um problema de saúde do que moral, as estatísticas não mudarão. “O Ministério da Saúde tem dito todo o tempo que este é um problema de saúde pública”, diz França. “A mulher deve ter o direito de decidir quantos filhos ter.”
FONTE: www.time.com (Por Andrew Downie)
TRADUÇÃO: Luciana Carvalho

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