Um poema para Vitória da Conquista e em sua homenagem. NOTURNO DE VITÓRIA DA CONQUISTA – 173 anos de emancipação política

Vicente Quadros Por Mozart Tanajura*

 

Aniversario de conquista

 

Vai-se avermelhando o poente E ainda bem a noite não desce, o nevoeiro cobre a serrania E na distância pontos indecisos vão sumindo. Agora, noite Miríades de lâmpadas acendem em meio a garoa que cai intermitente. Vento fino feito navalha, dilapida as carnes e os edifícios. Luzes e raios que piscam na falda do Periperi.

Serão estrelas? — São faróis na BR-116, Rio-Bahia. Companheiro em trânsito, que vais descendo serra, vindo da Bahia, ou subindo, vindo de Minas Gerais, vem ver a nossa cidade. Mas silêncio, ela vai nascer, ou a sua história.

Manhã de 9 de novembro de 1840. Do sertão de Caetité está chegando Joaquim Venâncio de Almeida. Ele vem, da parte do rei, instalar a Imperial Vila da Vitória. João Dias de Miranda, último filho vivo do Coronel João Gonçalves da Costa, conta as sagas da conquista e fundação do arraial: — Meu pai, junto a mim, no combate decisivo, quando os índios, rebelados, ameaçavam-nos vencer, fez uma promessa à Virgem: — se a vitória fôr nossa, ó Nossa Senhora da Vitória, mando fazer uma igreja onde a vossa imagem será louvada para sempre!

E naquele instante angustioso, como por milagre, os índios foram cedendo, cedendo, e a vitória ficou de nosso lado.

A capela e o povoado foram construídos. Agora, silêncio completo. Luiz Fernandes de Oliveira está assinando o Auto de Posse como primeiro presidente da Câmara.

Agora, a Vila está crescendo. Já tem barracão, casas de telhas e quitandas. Os senhores vereadores passeiam pelo terreiro da Imperial Vila da América Passam-se os anos como num romance. A cidade progride. Multiplicam-se as casas e as ruas que surgem batizadas pelo povo: Rua Grande, Boiada, Espinheiro, Muranga, Magassapo, Vargem, Sete Casas, Juazeiro, Misericórdia… Aparecem as avenidas e os bairros que crescem desordenadamente. De toda parte vem gente para ficar. gente, filho do Norte, gente, filho do Sul os nossos irmãos do Nordeste: alagoanos, sergipanos, paraibanos, pernambucanos… retirantes que fogem à seca E os sertanejos da caatinga esturricada: toda esta gente morena e máscula que tem o Brasil! E vem também do estrangeiro, que o estrangeiro é boa praça: americanos, japoneses, italianos, sírios, gregos, libaneses… É Conquista que surge. Enamorado de suas belezas e da sua história, canta o seu filho querido, poeta e cronista da cidade, Bruno Bacelar de Oliveira: “Grande, boa e hospitaleira, Conquista hospeda quem queira No seu solo trabalhar. A todos tem como filho E trata com afeto e brilho Ao que deseja lidar. É fria, quando na serra, cai a neve e cobre a terra, Algente véu de algodão, Assim de noiva vestida, A cidade preferida, Fala mais ao coração. Três sangues deram-lhe a sina: Africano o de Faustina, A nota de Mongoiós; De João Gonçalves, fremente, O português latente E caboclo o de seus avós”. Conquista agita, estremece, avança, nada a detém nesta dança do seu dinâmico destino. Nomes e numea, hoje, cantam a sua vitória: Terminal rodoviário, estádios de futebol, hospitais, rádios que levam longe o sou progresso; Rádio Clube de Conquista, líder e pioneira, Rádio Regional, a dinâmica do ar, FM e Bandeirantes, praças arborizadas, canais de televisão, feiras cobertas, centro de Abastecimento, Mercado de Artesanato onde se vende de tudo: cestas , gamelas, toalhas bordadas, bijouterias, bonecas de pano, panelas de barro, peneiras de taquara, caçuás… tudo feito pela mão de nossa gente, jornais, Centro Industrial, polo cafeeiro, colégios, universidades, edifícios re- sidenciais, centro de comércio e lazer, energia elétrica, água tratada, conjuntos de habitação popular, Casa da Cultura, museus, bibliotecas, arquivos, ateliês de artes plásticas, transportes urbanos e rural. E suas belezas naturais quem saberá decrevê-las? A Serra do Periperi, a Lagoa das Flores, a Serra da Tromba, visão edênica do poeta Maneca Grosso, o mirante da Serra do Espinhaço, o Poço Escuro com suas árvores nativas e águas cristalinas, a Cachoeira do Marçal, os pores-de-sol suaves, cor-de-rosa. lilazes, roxos sangrentos…. E o que a não do homem criou no desejo do eternizar-se? As estátuas de Cajaiba, o Cristo de Mário Cravo, a arquitetura da lª Igreja Batista, o Solar dos Fonsecas, a pintura de Egberto Aragão e Romeu Ferreira, os poemas de Camilo de Jesus Lima e Jesus Gomes dos Santos, a filosofia de Yolando Fonseca e a filologia de José de Sá Nunes. As fazendas de nomes expressivos: Quatis, São Bernardo, Graciosa, Batalha, Borda da Mata, Recruta com seus rebanhos bovinos: nelore, holandês, gir, hereford, guzerá… Êh, boi! boi que uma dia Martin Afonso de Sousa trouxe para a sua capitania e se espalhou por esse Brasil gigante. Companheiro em trânsito, vem ver a nossa cidade em seu noturno envolvida. Vem , vem comigo. Uma noite… Caminhemos juntos. Silêncio, no ouves? São as rosas desabrochando nos jardins das residências. Todas as noites eu ouço elas desabrocharem metade cheia de pétalas, metade cheia de cal, grandes rosas noturnas que crescem e se avolumam pela grande noite da conquista. As vozes das tribos mortas estão ecoando nas quebradas. — Adeus, cabanas de índios. — Adeus,filhas das florestas que tecem flores mais lindas que as orquídeas da campina. — Adeus, chefe Capivara Suas terras sero tomadas pela armas assassinas.

— Não peguem nestas roupas envenenadas. — Não comam destas comidas triçoeiras. — Fechem as portas de suas cabanas — Escondam bem os seus arcos, olhem que vão cortar suas cordas. O coro das senzalas, envolto nas vozes dos grilos, vão se ensurdecendo nas últimas esquinas. — Foge, Leocádia, foge Eói, foge Joaquim, escravos do Coronel Felisberto Pereira de Oliveira. — Fogem negros mocambados. Lá vem Capitão-do-mato trazendo correntes, gargantilhas, açoites e uma tropa de 400 cartuchos para exterminá-los de vez.

Maurícia, linda mucama, matriculada na Intendência, está comprando a liberdade por 400 mil réis. Sorte igual no teve a pobre Inês… Deu tudo que tinha: suor, amor , economia. Empenhou jóias, ouro, prata, mudou de dono e senhor e não teve a sua alforria. Companheiro em trânsito, que nesse silêncio da noite, meus passos seguem em visita veja quem vem de longe nesta romaria esquisita: São cavaleiros embuçados que vão deslizando como sombras pela grande noite da terra. São jagunços apressados que disparam pela Rua Grande onde Meletes e Peduros digladiam sem cessar. Tibúcio foi baleado, Teotônio morreu, Neca Andrade não se sabe para onde foi Maneca Moreira correu e o juiz subiu a serra montado num boi. Êta Conquista de morte! Mal cessa a guerra dos Meletes, Olimpinho, numa coorte, vem dar o troco do fogo acontecido em Verruga. Conquista, desprotegida, não sabe como fazer. — Reunam-se os homens de bem, — Toquem os sinos em debandada, Olimpinho é de tremer. Dino salta na frente, a jagunçada o acompanha, põe o valente a correr. Vão-se os jagunços, ficam os letrados com seus jornais. Escrevem, discutem, brigam, iluminam porém as chamas se levantam no ar em espirrais. Há gritos, vaias, falação. — Queimaram O Avante, o órgao da revolução. Fala toda a imprensa do atentado sem perdão deste do Avante e de outros que virão.

O coro dos mortos se confunde com os ventos da madrugada: — Nesta terra da Conquista mata-se por dem-reis-coados e por-dê-cá – aquela-palha Mata-se no claro dia, no escuro das valas ou na noite enluarada. Mata-se por empreitada, por tal preço combinado, a domicílio ou no mato, a prestaço ou fiado. Mas a voz do poeta, que vem da celeste altura, abafa os rumores da noite: —“Conquista, tesouro imenso, o mais belo da Bahia. Tem mais brilho aqui o sol, tem mais amores em teus lares que luzes o arrebol”… Companheiro em trânsito, Adeus! podes seguir teu caminho. As rosas desabrocharam no silêncio da noite. O nascente tinge-se de ouro e a névoa deixa a serrania. Agora, dia. Conquista se veste de esperança para a festa da manhã Já se ouve carros que roncam no asfalto, ferros que malham nas oficinas, portas que rangem e abrem, caminhões que descarregam, ônibus que partem, came1ôs que apregoam carregadores que suam, bóias-frias que vão para os cafezais, carroceiros que gritam apressados, estudantes que vão às aulas, gente que busca o trabalho: homens, mulheres, crianças.

Do barburinho da rua, tecida no afã de cada dia, com ferro suor e argamassa, está surgindo a Grande Conquista