Entenda o financiamento das eleições e conheça os fundos públicos e as fraudes comuns

No Brasil, os 33 partidos políticos e os candidatos são financiados por recursos públicos e privados. Até 2015, prevaleceu o dinheiro empresarial, vindo de grandes empreiteiras, bancos e outros pesos-pesados do PIB.

Após o STF (Supremo Tribunal Federal) proibir a doação por parte de empresas, sob o argumento principal de que desiquilibrava o jogo a favor do poderio econômico, o Congresso vitaminou a fonte pública de injeção de recursos.

Além de triplicar em 2015 o fundo partidário, até então a única fonte pública direta para campanhas, criou em 2017 o fundo eleitoral.

Após as mudanças no financiamento de campanhas a partir de 2015, com a restrição às doações de empresas e injeção de mais recursos públicos, só o fundo eleitoral distribuirá R$ 2,035 bilhões nas eleições municipais deste ano.

Entenda o caminho do dinheiro eleitoral, seu histórico, suas justificativas, o atual modelo e as denúncias de mau uso das verbas públicas.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Qual será a proporção de dinheiro público e privado nas eleições municipais de 2020?

O dinheiro público direto aos partidos, somado à estimativa de renúncia fiscal de TVs e rádios para veiculação da propaganda eleitoral, totaliza R$ 3,8 bilhões. Em relação ao dinheiro privado, não dá para saber ainda. Em 2018, ele representou R$ 1,1 bilhão, em pleito que elegeu presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais.

Quem define qual será o valor da verba pública repassada aos partidos?

O valor dos fundos partidário e eleitoral é definido pelo Congresso e o governo na discussão do Orçamento de cada ano. Cabe ao governo elaborar a proposta, e o Congresso pode modificá-la. O presidente da República pode vetar eventuais mudanças, mas o Congresso tem o poder de derrubar esse veto.

Qual a diferença entre fundo partidário e eleitoral?

O partidário é anual e, além de gastos de campanha, visa suprir o custeio dos partidos. O eleitoral é distribuído de dois em dois anos, só para as campanhas.

Por que alguns partidos recebem mais do que outros?

Em linhas gerais, as regras de distribuição dos dois fundos privilegiam as legendas com melhor desempenho nas urnas, em especial nas eleições para a Câmara dos Deputados. Siglas que tiveram baixíssimo índice de votos, por exemplo, passaram a não receber verbas do fundo partidário a partir de 2019, como foi o caso da Rede, que elegeu apenas uma deputada em 2018.

E como esse dinheiro todo chega aos candidatos?

Cabe às cúpulas partidárias definir quem vai receber a verba pública e em que montante.

As cúpulas dos partidos podem estabelecer os critérios que bem entender?

Em termos. A lei exige o repasse de ao menos 30% das verbas para candidatas mulheres. No caso do fundo partidário, há ainda verbas carimbadas para as fundações mantidas pelas siglas.

Há cota racial?

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou em agosto a divisão do fundo eleitoral de forma proporcional para candidatos brancos e negros, mas com início na eleição de 2022. Em decisão liminar (provisória) que ainda será analisada pelo plenário do STF, o ministro Ricardo Lewandowski determinou que essa divisão aconteça já na eleição deste ano.

Os candidatos só recebem dinheiro público para suas campanhas?

Não, eles podem receber doações privadas de pessoas físicas, desde que limitadas a 10% dos rendimentos do doador, podem fazer gastos eleitorais do próprio bolso, limitados a 10% do teto de gasto do cargo em disputa, e podem arrecadar fundos por meio de almoços, jantares ou outros eventos.

E as empresas, podem doar?

Não. Isso foi proibido em 2015 pelo STF sob o argumento de que o poderio econômico das grandes empreiteiras, bancos e outras companhias afetava o necessário equilíbrio de forças na disputa. Apesar disso, essa regra tem sido burlada em parte por meio de doações feitas por executivos de empresas como pessoa física.

Qual é garantia de que partidos e candidatos fazem uso correto desses recursos?

As regras eleitorais são estipuladas, em sua maioria, pelos partidos políticos no Congresso. Nas últimas décadas houve um constante movimento de enfraquecimento das regras de fiscalização, controle e punição, mas, em tese, todos os partidos e candidatos têm que apresentar prestação de contas e podem ser responsabilizados eleitoral e criminalmente.

Quem fiscaliza a lisura desse processo?

O Ministério Público e a Justiça Eleitoral, a quem cabe julgar essas prestações de contas e analisar eventuais ilícitos cometidos.

Quais são as fraudes mais comuns?

Caixa dois, candidatas laranjas (lançadas apenas para cumprir a cota de gênero) e compra de votos (troca de dinheiro, bens ou vantagens pelo voto).

A cota para os negros também poderá ser alvo de desvio, assim como ocorreu com a das mulheres?

Em tese, sim. Além de possível lançamento de candidatos fictícios e outras manobras, cabe ao político declarar a cor da pele, o que pode replicar casos ocorridos com as cotas em universidade (usadas em alguns casos por brancos para ter o ingresso facilitado).

CRONOLOGIA DO FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS NO BRASIL

Até 2015

Privado
Doações empresariais, de pessoas físicas e do próprio candidato. Bancos, empreiteiras e outros pesos-pesados do PIB se destacavam. Em 2014, doações dessas empresas somaram cerca de R$ 3 bilhões, mais de 70% das receitas das campanhas.

Público
O fundo partidário era a única fonte pública de injeção de dinheiro nos partidos. Em 2014, distribuiu R$ 308 milhões, mas nem todo esse montante foi usado nas campanhas. A renúncia fiscal em favor de rádios e TVs pela veiculação da propaganda eleitoral somou R$ 840 milhões em 2014.

2015

Por 8 votos a 3, o STF proíbe o financiamento empresarial a candidatos e partidos.

2016

Primeira eleição sem o financiamento empresarial e sem ainda o fundo eleitoral. Gasto total das campanhas caiu para cerca da metade do observado quatro anos antes.

2017

Congresso cria o fundo eleitoral, verba que se junta ao fundo partidário.

2018

Primeira eleição com atual modelo de financiamento. Receita total das campanhas foi de R$ 5,9 bilhões, sendo R$ 4,8 bilhões de dinheiro público e R$ 1,1 bilhão de dinheiro privado (doações de pessoas físicas e autofinanciamento).

2020

Público
Partidos receberão R$ 959 milhões do fundo partidário (nem todo esse dinheiro é usado nas campanhas) e R$ 2 bilhões do fundo eleitoral. Além disso, é estimada uma renúncia fiscal de R$ 816 milhões em favor de rádios e TVs pela veiculação da propaganda eleitoral.

Privado
Doações de pessoas físicas (diretas ou por meio de vaquinhas virtuais, limitadas a 10% do rendimento bruto do doador), dinheiro do próprio candidato (limitado a 10% do teto de gasto do cargo em disputa) e eventos, como almoços, jantares e bazares para arrecadar fundos.

O PERCURSO DO DINHEIRO

VERBA PÚBLICA

Definição
Governo federal e Congresso definem, a cada ano, a verba a ser distribuída aos partidos para sua subsistência (fundo partidário) e para as campanhas (fundo eleitoral).

Distribuição
Grosso modo, o dinheiro é distribuído proporcionalmente ao número de votos que cada partido obteve na eleição anterior para a Câmara dos Deputados e ao peso da sigla no Congresso.

Apostas
A decisão sobre quais candidatos receberão o dinheiro e em quais quantidades é exclusiva das cúpulas partidárias, que só precisam, no caso do fundo eleitoral, informar à Justiça Eleitoral os critérios usados.

Critérios
Eles devem respeitar as cotas de gênero e raciais: aplicação de ao menos 30% das verbas para candidaturas de mulheres e, por decisão recente do STF ainda pendente de confirmação final para valer em 2020, rateio de forma proporcional aos candidatos brancos e negros que forem lançados.

Uso da verba
Recebido o dinheiro, cada candidato o utiliza de acordo com sua conveniência: contrata cabos eleitorais, produz material de campanha e impulsiona conteúdo nas redes sociais, por exemplo.

Prestação de contas
Tanto o partido quanto cada um dos candidatos devem prestar contas à Justiça Eleitoral de toda a sua movimentação de campanha (receita e despesa). Essa prestação é julgada. Em caso de falha ou irregularidade, pode haver punição nas esferas eleitoral e criminal.

VERBA PRIVADA

Sem empresas
Com doações empresariais proibidas, o dinheiro privado vem agora de pessoas físicas ou do próprio candidato.

Pessoa física
Não raro, os maiores volumes são doados por empresários ou executivos de grandes empresas via pessoa física, com limite de 10% de seus rendimentos brutos.

Distribuição
Diferentemente do dinheiro público, nesse caso o recebimento do valor depende mais da relação doador-candidato do que da decisão das cúpulas partidárias.

Uso
Como acontece com o dinheiro público, cada candidato utiliza a verba privada como desejar.

Prestação de contas
Mesmo que os recursos sejam privados, candidatos e partidos precisam fazer prestação de contas à Justiça Eleitoral, que faz o julgamento.

PRINCIPAIS FRAUDES

Caixa 2
Ocorre quando o candidato ou o partido realiza gastos eleitorais sem registrá-los em suas prestações de contas. Pode tanto ser dinheiro privado (de doador que não quer ter seu nome vinculado ao candidato, por exemplo) como dinheiro público desviado. Nos escândalos da Lava Jato e da JBS, por exemplo, vários delatores disseram ter desviado dinheiro público e direcionado a candidatos em doações oficiais ou não.

Candidatas laranjas
Lançamento de candidaturas femininas de fachada com o objetivo de cumprir a determinação legal de ter ao menos 30% de candidatas. Recursos destinados a elas acabam sendo desviados para candidaturas de homens. A Folha mostrou a proliferação da prática na campanha de 2018, em especial no PSL de Minas Gerais e de Pernambuco

Compra de votos
Uma das mais antigas fraudes, a captação ilícita de sufrágio consiste na promessa ilegal de dinheiro, bem ou outra vantagem em troca do voto do eleitor.

Doações vedadas
A proibição de que empresas financiem os candidatos é burlada de forma legal por meio de doações de executivos de empresas como pessoas físicas. Em 2018, ao menos 40 empresas tiveram dirigentes financiando, em bloco, partidos ou candidatos.

Folhapress