Nana Caymmi ataca Chico, Gil e Caetano e diz que não vem à Bahia por causa do PT

 

por Luiz Fernando Vianna | Folhapress

Nana Caymmi ataca Chico, Gil e Caetano e diz que não vem à Bahia por causa do PT

Foto: Divulgação

Nana Caymmi não lançava CD desde 2009. Ao completar 78 anos, em 29 de abril, terá realizado mais dois —“Nana Caymmi Canta Tito Madi”, que sai agora pela Biscoito Fino, e um com músicas de Tom Jobim, acompanhada de orquestra, que ela gravará para o Sesc a partir do próximo dia 15.

Parece o reaquecimento da carreira de uma das principais intérpretes do país, mas Nana diz que não é bem assim.

“Estou fazendo uma despedida sem ir embora. Saída à francesa. A vida que me resta, de uma senhora, quero viver em paz”, afirma. “Acordei pro mundo: não tenho muito tempo. Quero ouvir o que eu não podia ouvir. Criei três filhos sozinha. O pai ficou na Venezuela, fez outra família.”

Quer ouvir óperas, prazer solitário na família, pois nem Dorival Caymmi, amante de música clássica, gostava de canto lírico. A soprano Renata Tebaldi é sua paixão maior.

“Mostrei pra Dori [seu irmão] e ele ficou de pau na mão. Falei: isso aí é que é cantar!”, anima-se, mas sem saber para quem deixará seus discos do gênero. “Minhas filhas são ignorantes em ópera. Nunca tive um marido que gostasse. Uns merdas.” Ela não confirma se foram dez maridos. Prefere dizer que “foi uma porrada”.

Em 71 minutos de entrevista à reportagem, Nana falou 89 palavrões. É o seu jeito. Não foge de nenhum assunto, nem mesmo política, em que destoa do coro dos colegas artistas. Ela votou em Jair Bolsonaro no segundo turno.

“É injusto não dar a esse homem um crédito de confiança. Um homem que estava fodido, esfaqueado, correndo pra fazer um ministério, sem noção da mutreta toda… Só de tirar PMDB e PT já é uma garantia de que a vida vai melhorar. Agora vêm dizer que os militares vão tomar conta? Isso é conversa de comunista. Gil, Caetano, Chico Buarque. Tudo chupador de pau de Lula. Então, vão pro Paraná fazer companhia a ele. Eu não me importo.”

Ela acha difícil voltar a se apresentar na Bahia, e isso também tem a ver com política. “Bahia não tem nada, é PT”. O partido está no governo do Estado há 12 anos. O pai, que morreu em 2008 aos 94 anos, já não tinha mais saudade da Bahia. “Ele ficou muito triste na última vez em que foi lá. E isso porque ainda era a época do capo, Antonio Carlos Magalhães [1927-2007]”. Nana diz que “toda a família se dava” com o ex-governador.

“Tenho medo do futuro dos meus netos e bisnetos. Pensar no Brasil não é comprar carro novo, apartamento com vista pro mar, o último celular da Apple, a última roupa do Givenchy. Fico muito triste”, lamenta.

Nos anos 2000, Nana gravou CDs cantando a obra do pai. Queria —e conseguiu— que ele ainda estivesse vivo para ouvir. E queria que não o esquecessem.

“Já esqueceram. Tenho certeza absoluta. Sabe por que não se esquecem totalmente? Porque tem aniversário de morte, tem sempre uma macumbeira que se lembra de uma música qualquer, ou se lembram em 2 de fevereiro, dia de festa no mar. Tem sempre uma merda assim.”

Suas duas netas são exemplos, a seu ver, da dificuldade de se manter obras como a de Caymmi.

“Liguei pra Denise, minha filha, e perguntei das meninas. ‘Ah, elas não tão aqui, foram assistir ao show do Belo’. Eu falei: ‘O quê?’. Não tenho nada contra a pessoa. Mas duas bisnetas de Dorival Caymmi! Eu já fazia música com quatro anos. Meti bedelho quando vivi com João Donato, com Gil, com Claudio Nucci. Quer dizer, eu comia a canção popular brasileira e fazia parceria. Na música e na cama.”

De Alice, filha de Danilo que foi para o lado pop, ela fala com um pouco de tristeza, embora reconheça que a sobrinha tem ótima voz. “Eu tinha muita esperança de que ela fosse pro meu caminho. Achei que Alice ia dar mel, mas não deu.”

Nana queria lançar o CD dedicado à obra de Tito Madi com o compositor ainda vivo. Não deu tempo: ele morreu em 26 de setembro de 2018, aos 89 anos. Ela gravou em abril do ano passado, mas o produtor José Milton não conseguiu concluir o trabalho a tempo.

“É você fazer a festa sem o aniversariante. Mas ele ouviu, porque o Zé Milton mostrou. Ele sabia que um dia ia sair”, emociona-se ela. “A gente se falava muito pelo telefone. Eu percebi a estrela indo pro céu. Sabia que eu estava falando com alguém que estava se despedindo.”

Ela realiza algo que Tito Madi acreditava que Roberto Carlos faria. O cantor, segundo Madi, teria falado em gravar um disco dedicado à sua obra. Nana diz que também ouviu essa história. (“Ah, manda um CD para aquele rei sem trono”, aproveita para gritar à assessora de imprensa.) A Folha procurou a assessoria de Roberto, mas ele está em turnê nos EUA e não foi possível consultá-lo.

Tito Madi foi uma das primeiras paixões musicais de Nana. São as canções de sua “memória afetiva”, como diz, que predominam no repertório de 11 faixas. Sete foram compostas nos anos 1950, como “Cansei de Ilusões”, “Chove Lá Fora” e “Não Diga Não”. Esta é a única que ele já gravara: em 1983, no disco “Voz e Suor”, ao lado do pianista Cesar Camargo Mariano.

“O Cesar estudava todas aquelas músicas”, recorda. “Eu dizia: ‘Você quer parar de estudar essa merda? Vou escolher uma música pra você tocar no susto, na urina. Bateu, valeu. Deu, comeu’. Era ‘Não Diga Não’. Achei que ia botar no rabo dele com farinha, mas ele arrasou comigo. Fui cantando, ele acompanhando. É a música mais bonita do disco.”

Ela optou agora por uma interpretação mais contida. Diz que não queria competir com a versão muito forte feita ao lado de Cesar. “É como aquela pessoa que vai à cozinha e come à beça. Aí chega na hora da refeição e come um bifinho: ‘Tô de dieta’.” A nova versão é diet, portanto.

Mas tem uma canção mais suingada, “Balanço Zona Sul”, exceção na obra de Madi e no estilo de Nana. Foi um grande sucesso de Wilson Simonal nos anos 1960.

“Acho que Tito estava numa fase de ficar na praia vendo bunda de mulher. E a música é boa pra cacete. Simonal deve ter tirado um troco. Agora, Simonal é referência pra alguém? Conheci a arrogância dele, andava com escolta. Era muito vaidoso. Vi isso na Elis [Regina] também. Achavam que Elis era toda aquela santidade. Santidade era Clara Nunes, boníssima, uma pessoa que não tinha medo de quem fizesse sucesso. Elis não podia ver uma cantora nova que se arrepiava.”

Assim como o repertório de Dolores Duran, que Nana registrou em CD em 1994, o de Tito Madi ficou associado à ideia de fossa, palavra que ele acabou assumindo.

“Eu não tô nem aí pra expressão. Quer nome mais escroto do que bossa nova? O que a gente vai fazer contra a ignorância?”, ignora Nana, amante de sambas-canção e outras músicas que tocavam em boates. “Eu era boateira, dançava que nem uma filha da puta. Saía com as amigas pra pegar homem.”

Foi saindo na noite que ela conheceu Emílio Santiago, então um crooner. O cantor tinha decidido gravar um CD com músicas de Tito Madi quando morreu, em 2013, aos 66 anos, após um acidente vascular cerebral. Homenagear o amigo motivou Nana a voltar aos estúdios.

“Eu era cama e mesa com Emílio. Se a bicha não fosse bicha, eu estava casada com ela. E não teria morrido, porque eu ia levar para o médico a porrada. Comia feijoada à noite, achava que não existia colesterol. Ia jantar depois dos shows e comia verdadeiras bundas de vaca. Foi uma perda pra mim fodida.”

Em dezembro passado, perdeu outra pessoa querida, a cantora Miúcha, que também não cuidava da saúde, segundo Nana. “Essa filha da puta… Não parava de fumar”, diz, com tristeza.

A tristeza e o cansaço também estão ligados à situação de seu filho João Gilberto. Em 16 de dezembro de 1989, ele sofreu acidente de moto que lhe deixou sequelas neurológicas graves. Está com 51 anos. “Eu sou a companhia dele, dou vida a ele. Ele adora ver o Datena, e eu tenho que ver também.”

Nana quer vender o apartamento onde mora, no Alto Leblon, e se dividir entre o apartamento de Copacabana onde seus pais passaram o final da vida e o sítio da família em Pequeri (MG).

“Não aguento mais ficar de Rapunzel”, diz, referindo-se ao Alto Leblon. “Vou vender e torrar o dinheiro. Até eu morrer torro essa porra toda. Minhas filhas que se fodam. Eu não aturei elas? Não estou há 30 anos com esse acidentado? Ele vai ter Pequeri. É onde eu quero que ele fique. É a única maneira de ele ter vida saudável. “

Foi o filho quem a apresentou ao pop de George Michael, Madonna, Bee Gees e outros de quem ela gosta. Em Pequeri ouve mais suas óperas.

“Chego lá e é uma revolução. Os pássaros ficam putos, porque eu canto as óperas junto com os discos.”

Embora tenha optado pela contenção ao interpretar Tito Madi agora, ela demonstra segurança quanto à própria voz.

“Não fiquei preocupada. Tô vendo meus colegas cantores todos fodidos aí. Dori e Cristovão Bastos [arranjadores do CD] dizem que eu estou uma beleza. Não sei se é só pra me agradar.”

A voz será posta à prova no trabalho dedicado a Tom Jobim. Serão músicas adequadas a orquestras, como “As Praias Desertas”, “Derradeira Primavera” e “Janelas Abertas”. “Não é pra qualquer um. Se eu morrer, não estou vendo cantora que faça isso.”

Ela diz que não tem paciência para turnês, aeroportos etc. Mas adora estúdios.

“Coisa mais gostosa de fazer é gravar. Todo cantor que se preza gosta mais de estúdio.” Alertada de que o ex-marido Gilberto Gil já disse preferir palcos, ela minimiza. “Gil é maluco, adora aparecer. Se pudesse, dormia no palco. E ele tá cansado. Chega, está cantando há séculos e aos gritos. Eu falei: ‘Gil, não grita’, ‘Gil, não grita’. Mas conselho não se dá. Por que Caetano tem a voz que tem, a mesma desde que nasceu entre as pernas de dona Canô? Não há possibilidade de ele dar um grito. Só dá grito quando ele tá furioso com a Paula [Lavigne] ou se é pra falar de jornalista.”

Ela pensa em fazer poucos shows com o repertório de Tito Madi, de preferência nos lugares em que se apresentar com o de Tom. São Paulo, por exemplo. Mas preferiu gravar o CD com canções de Tom no Rio, perto de casa. “Se fosse pra gravar em São Paulo, eu ia limpar o rabo com o contrato.”

Cogita abrir uma exceção: apresentar-se em Belém, cidade onde ela diz ser maravilhosamente recebida. Mas, para evitar escala em Brasília, teria que pegar um voo às 9h, horário que não a agrada. “Às 9 da manhã eu não sou mulher, eu sou veado.”

Apesar do desalento, ela não descarta fazer mais um disco de inéditas, que poderia ser o seu último.

“Se você noticiar que eu vou fazer um disco de inéditas, estou fodida. Na mesma hora recebo um caminhão de discos. É uma responsabilidade que eu não quero pegar, uma esperança que não quero dar. Se eu resolver fazer, aviso com antecedência.”

Gravando ou não um CD de despedida, ela diz já ter cumprido sua missão na música. “Já dei régua e compasso. Agora, é como diz meu ex-marido: Aquele abraço!”

NANA CAYMMI CANTA TITO MADI