Origem –
O dia 8 de Março é, desde 1975, comemorado pelas Nações Unidas como Dia Internacional da Mulher. Neste dia, do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias, que recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarara um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. Em 1903, profissionais liberais norte-americanas criaram a Women´s Trade Union League. Esta associação tinha como principal objetivo ajudar todas as trabalhadoras a exigirem melhores condições de trabalho. Em 1908, mais de 14 mil mulheres marcharam nas ruas de Nova Iorque: reivindicaram o mesmo que as operárias no ano de 1857, bem como o direito de voto. Caminhavam com o slogan Pão e Rosas, em que o pão simbolizava a estabilidade econômica e as rosas uma melhor qualidade de vida. Em 1910, numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher.
Argumentos:
CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE: 8 DE MARÇO DIA INTERNACIONAL DA MULHER “desconstruindo o mito e fortalecendo a luta das mulheres trabalhadoras” (1)
A origem do Dia Internacional da Mulher não deriva de um acontecimento isolado, mas deve ser entendido em um contexto histórico e ideológico muito mais amplo.
O mito comumente aceito é de que a data é uma homenagem às operárias norte-americanas, em greve, que foram trancadas na fábrica e que morreram queimadas em um incêndio provocado pelos patrões. Ou refere-se também, a uma manifestação das operárias do setor têxtil nova-iorquino ocorrida nesse dia do ano de 1857.
O Dia Internacional da Mulher insere-se em um contexto histórico e ideológico muito concreto, cujo objetivo, em seus inícios, não foi rememorar nenhuma catástrofe que vitimou um grande número de mulheres. O texto da resolução adotada pela II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague em 1910, vem confirmar que nem se fazia alusão a nenhum acontecimento protagonizado por operárias que devesse ser comemorado com a celebração do Dia Internacional da Mulher, nem sequer se propunha uma data concreta em que esta devesse acontecer.
Sua origem tem de ser entendida no bojo da ascensão das lutas operárias de finais do século XIX e início do século XX, cujas discussões teóricas, no campo socialista, convocavam à participação política e em cujo contexto tomava corpo a luta pela libertação da mulher.
A partir de começos do século XX, essa batalha das socialistas se cruzou com a de um punhado de mulheres independentes, em suas maiorias pertencentes à classe média ou alta, que estavam em campanha pelo direito ao voto.
Desde 1901, nos Estados Unidos, logo após a criação do Partido Socialista, surge a União Socialista das Mulheres com a finalidade de reivindicar o direito de voto feminino. Entre 1904 e 1908, nascem vários clubes de Mulheres, uns intimamente ligados ao Partido Socialista, outros mais autônomos, anarquistas ou não.
Em 1908 a Federação do Clube de Mulheres Socialistas de Chicago toma a iniciativa autônoma, não ligada oficialmente ao Partido Socialista, de comemorar um Dia da Mulher. Era domingo, 3 de maio. O primeiro Dia da Mulher, nacional, assumido pelo Partido foi no ano seguinte, em Nova Iorque, em 28 de fevereiro de 1909.
Em 1910 o partido Socialista americano organiza pela segunda vez o Dia da Mulher no último domingo de fevereiro. Essa comemoração foi marcada por uma grande participação de operárias. Eram as costureiras da cidade que haviam terminado uma longa greve pelo direito de ter seu sindicato reconhecido. A greve durou de 22 de novembro de 1909 até 15 de fevereiro de 1910, quase na véspera do Dia da Mulher.
No Congresso do Partido Socialista, foi designado que o mesmo enviasse delegadas ao Congresso da Internacional, com a tarefa de propor, entre outras, que o Dia da Mulher fosse assumido pela Internacional. Esse dia deveria tornar-se o Dia Internacional da Mulher, a ser celebrado pelos socialistas, no último domingo de fevereiro.
Nesse sentido, a origem do Dia Internacional da Mulher só podia se dar, como de fato ocorreu, dentro do marco da teoria socialista. Assim, na II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague nos dias 26 e 27 de agosto de 1910, as delegadas americanas levaram a proposta apresentada por seu Partido. A proposta foi aceita e Clara Zetkin, juntamente com Käte Duncker e outras companheiras, apresentando a seguinte moção:
“De acordo com as organizações políticas e sindicais do proletariado, as mulheres socialistas de todas as nacionalidades organizarão em seus respectivos países um dia das mulheres especial, cujo principal objetivo será promover o direito a voto das mulheres sem nenhum tipo de restrição baseada no nível de riqueza, propriedade ou educação. Será necessário debater esta proposição com relação à questão da mulher numa perspectiva socialista. Esta celebração deverá revestir um caráter internacional e será necessário prepará-la com muito esmero”.
Nesta alusão não é citado nenhum acontecimento destacado nem relevante para a história das mulheres que pudesse ser comemorado com a celebração desse dia dedicado a elas da mesma maneira não fica definida uma data precisa para tal comemoração.
Nestes primeiros anos, o Dia Internacional da Mulher era festejado em datas diferentes, segundo os países. A data escolhida pelas socialistas alemãs para essa primeira comemoração foi 19 de março de 1911, data carregada de significado para o proletariado alemão.
Também houve comemorações na Dinamarca, Suécia e em Viena, as mulheres marcharam em volta do Reichstag portando bandeiras vermelhas e lembrando as vítimas da Comuna de Paris. Outras nações europeias, também comemoraram. Nos Estados Unidos a tradição de realizar o Dia da Mulher no último domingo de fevereiro se manteve até 1913.
O Dia Internacional da Mulher na Rússia foi realizado pela primeira vez em 23 de fevereiro de 1013 (8 de março do calendário ocidental). Para comemorá-lo, Kollontai mobilizava as trabalhadoras através de um artigo publicado no Pravda, estimulando a organização de manifestações de protesto pela falta de direitos políticos e econômicos em que viviam. A principal atividade consiste numa manifestação que acabou sendo dissolvida pela polícia e com algumas prisões. Em razão do êxito da comemoração, o Partido Bolchevique decidiu criar uma revista especial dedicada à formação e mobilização das operárias e esposas de operários. Nascia assim a Rabonitsa (Mulher Operária), cujo lançamento do primeiro número coincidiu com as comemorações do 23 de fevereiro de 1914.
O Dia Internacional da Mulher, e se converteu num símbolo do Partido Bolchevique. E por indicação de Alexandra Kollontai em 1914, passou a ser comemorado em 19 de março. Também na Alemanha e Suécia seguindo a mesma orientação o Dia Internacional da Mulher foi comemorado pela primeira vez em 8 de Março do mesmo ano.
O êxito da comemoração do Dia Internacional da Mulher superou todas as expectativas. Revelou-se um excelente método de mobilização e conscientização política entre as trabalhadoras, além de ter sido uma magnífica ocasião para fortalecer os laços de solidariedade entre as trabalhadoras de todo o mundo.
Os acontecimentos de 23 de fevereiro de 1917 foram importantes não só porque deram origem à revolução Russa e porque foram protagonizados por mulheres, mas sim, porque segundo tudo parece indicar, foram esses fatos os que fizeram que o Dia Internacional da Mulher passasse a ser comemorado, sem mais mudanças até nossos dias, em 8 de março.
Os fatos começaram quando os operários de uma fábrica de armamentos de Putilov encontraram a fábrica fechada no momento que tentavam entrar para começar sua jornada de trabalho. As mulheres de Petrogrado, que haviam se transformado em chefes de família enquanto os homens estavam nas frentes de batalha, cansadas da escassez de alimentos e do alto custo de vida, foram às ruas em manifestação por pão e paz.
Essa manifestação foi o estopim do começo da primeira fase da Revolução Russa, conhecida depois como a Revolução de Fevereiro. Kollontai assim se refere a esse episódio: “O dia das operárias, 8 de Março foi uma data memorável na história. Nesse dia as mulheres russas levantaram a tocha da revolução”.
Em 1921, realizou-se em Moscou, na URSS, a Conferência das Mulheres Comunistas que adota o dia 8 de março como data unificada do Dia Internacional das Operárias. A partir dessa Conferência, a III Internacional, recém-criada, espalhará a data 8 de Março como data das comemorações da luta das mulheres.
Nos últimos anos da década de 20 e, sobretudo nos anos 30, o Dia Internacional da Mulher, seja comunista ou socialista, se perderá na tormenta que se abateu sobre o mundo. A ascensão do nazismo na Alemanha, o triunfo do stalinismo na URSS e o declínio da social-democracia na Europa e o vendaval da 2ª Guerra Mundial enterram as manifestações do Dia das Mulheres.
A humanidade só voltará a falar do Dia da Mulher, no final dos anos 60. Nesse lapso de tempo, o 8 de Março, data da greve das operárias de Petrogrado, de 1917 foi esquecido.
Em 1966 a Federação das Mulheres comunistas retomou o Dia da Mulher, e o fizeram de forma confusa e fantasiosa, inventando datas e detalhes. O mito acabado de ser criado no Leste Europeu começou a ser divulgado e foi depois enriquecido fartamente, nos Estados Unidos do final dos anos 60 e em todo mundo ocidental.
8 DE MARÇO NO BRASIL “e a controvérsia da classe operária”
As mulheres brasileiras repetem a cada ano a associação entre o Dia Internacional da Mulher e o incêndio na Triangle, quando na verdade Clara Zetkin o tenha proposto em 1910, um ano antes do incêndio. Há uma clara demonstração de que o sacrifício das trabalhadoras da Triangle tenha se incorporado ao imaginário coletivo da luta das mulheres.
Nas primeiras décadas do século XX, o grande tema político foi a reivindicação do direito ao voto feminino. Berta Lutz, a grande líder sufragista brasileira, aglutinou um grupo e mulheres da burguesia para divulgar a demanda do direito ao voto feminino, concedido em 1933 por Getúlio Vargas e garantido na Constituição de 1934. Mas só veio a ser posto em prática com a queda da ditadura getulista e as mulheres brasileiras votou pela primeira vez em 1945, completando 83 anos agora em 2015.
As militantes das classes mais altas desqualificavam o operariado feminino: partilhavam a imagem generalizada de que operárias eram mulheres ignorantes e incapazes de produzir alguma forma de manifestação política. Como as anarquistas americanas e europeias, as brasileiras (imigrantes ou não) defendiam a luta de classes, mas também o divórcio e o amor livre.
A distinção entre anarquistas e comunistas foi fatal para uma eventual aliança: enquanto as comunistas lutavam pela implantação da “ditadura do proletariado”, as anarquistas acreditavam que o sistema partidário reproduziria as relações de poder, social e sexualmente hierarquizadas.
No PCB a diferenciação de gênero continuava marcante: as mulheres se encarregavam das tarefas ‘femininas’ na vida quotidiana do Partido. Extremamente ativas, desenvolveram ações externas de organização sem ocupar qualquer cargo importante na hierarquia partidária. Zuleika Alembert, a primeira mulher a fazer parte da alta hierarquia do PC, eleita deputada estadual por São Paulo em 1945, foi expulsa do Partido quando fez críticas feministas denunciando a sujeição da mulher em seu próprio partido.
Em 1945 o PCB cria a União Feminina contra a carestia. Em 1947 o 8 de Março é comemorado pela primeira vez no Brasil. Porém, em 1948 com o PCB na ilegalidade, a passeata do 8 de Março é proibida no Rio.
O feminismo dos anos 60 e 70 veio abalar a hierarquia de gênero dentro da esquerda. A luta das mulheres contra a ditadura de 1964, uniu provisoriamente, as feministas e as que se autodenominavam membros do ‘movimento de mulheres’. A uni-las, contra os militares, havia uma convergência: o 8 de Março. A comemoração ocorria através da luta pelo retorno da democracia, de denúncias sobre prisões arbitrárias, desaparecimentos presos políticos.
A consagração do direito de manifestação pública veio com o apoio internacional da ONU que instituiu, em 1975, o 8 de Março como o Dia Internacional da Mulher.
É evidente que o movimento feminista brasileiro entrou em uma nova etapa. Mas velhos preconceitos permaneceram. Um deles talvez seja a confusa história propalada do 8 de Março, em que um anti-americanismo apagava a luta de tantas mulheres, obscurecendo seu importante papel enquanto protagonistas das lutas por igualdades de direitos nas relações de gênero.
Derrubar o mito de origem da data de 8 de Março não implica desvalorizar o significado histórico que este adquiriu. Muito pelo contrário. Significa enriquecer a comemoração desse dia com a retomada de seu sentido original.(1) Madallena Noronha – Presidenta do Conselho Municipal da Mulher (CMM); Pesquisadora em Gênero e Raça
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