Juízes têm autorizado aborto de feto anencéfalo

O  juiz da 1ª Vara do Júri do Rio Grande do Sul, Leandro Raul Klippel, autorizou a  interrupção de gravidez de feto anencéfalo. Na sua decisão, do dia 26 de setembro, ele afirmou que, embora o assunto seja polêmico, “não são os presentes autos o foro adequado para discussões religiosas, éticas ou morais acerca de tal tema, devendo ser levado em consideração apenas aspectos médico-científicos e jurídicos”. Baseado em exames e atestados médicos, o juiz concluiu que é certa a morte do feto após o nascimento, “bem como a intervenção se faz necessária a fim de preservar a saúde física e psicológica da gestante”. A decisão foi baseada em exames que indicaram que o feto tem má formação do crânio e defeito de fechamento da parede abdominal, deixando expostos o fígado e partes do intestino e do coração.

Na avaliação do julgador, no caso presente não se pode falar em aborto (tipificado como crime pelo Código Penal), pois esse pressupõe a presença de feto com viabilidade de vida. “Parece lógico que o legislador pretendeu reprimir a interrupção da gravidez (…) que tenha efetivamente potencial para gerar vida, assim considerado a existência autônoma de um ser independentemente daquele que lhe deu origem, no caso, a mãe”.

Em outro caso noticiado pela revista Consultor Jurídico, o juiz José Pedro de Oliveira Eckert, da 2ª Vara Criminal e Infância e Juventude de Alvorada, na Grande Porto Alegre autorizou a interrupção de gestação de feto sem calota craniana. Para o juiz gaúcho, como não havia possibilidade de vida fora do útero para o feto, deve-se preservar a saúde da gestante, inclusive a psíquica.

O polêmico assunto acabou por ensejar a propositura da ação que está na pauta do Plenário do Supremo Tribunal Federal ainda para este semestre, mas corre o risco de não ser julgado caso a presidente ainda não tenho escolhido ministro que ocupará o lugar da ministra Ellen Gracie.

Trata-se da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que versa sobre a possibilidade de interrupção da gestação em caso de gravidez de feto anencefálico (sem cérebro). O ministro Marco Aurélio é o relator do caso. Ele já concluiu seu voto e liberou o processo para julgamento. O tema envolve a questão do aborto e traz a reboque aspectos científicos, morais e religiosos, sobre os quais ainda não há suficiente consenso na sociedade.

Proposta em 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, a ação pleiteia interpretação conforme a Constituição para os artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, declarando inconstitucional a interpretação de tais dispositivos como impeditivos da “antecipação terapêutica do parto” em caso de gravidez de feto anencefálico, afastando-se, portanto, da ideia de “autorização para o aborto”.

Com isso, busca a CNTS possibilitar que, em casos de anencefalia, seja possível à gestante interromper a gravidez sem a necessidade de autorização judicial ou qualquer outra forma específica de permissão do Estado, o que garantirá, por consequência, a integridade dos profissionais envolvidos na execução de tais procedimentos.

Audiência pública
A audiência pública sobre o assunto, no Supremo, durou quatro dias. Foi conduzida pelo ministro Marco Aurélio. Defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos puderam apresentar seus argumentos e opiniões, assim como aqueles que acreditam ser a vida  intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro. Foram ouvidos representantes de 25 diferentes instituições, ministros de Estado e cientistas, entre outros, cujos argumentos servem de subsídio para a análise do caso por parte dos ministros do STF.

Nos quatro dias em que foram feitas as audiências públicas, a sociedade se fez representar por 22 instituições, cujo critério de seleção, em sua maioria, foi o pedido de ingresso como amicus curiae. Em relação à pretensão da ação, o estudo das instituições participantes revela que cerca de 60% se manifestaram a favor e 30% contra, com o Poder Legislativo apresentando argumentos nos dois sentidos. Durante a audiência pública, em diversos momentos o ministro Marco Aurélio buscou deixar claro que o objetivo do procedimento não era o debate, evitando o contraditório.

 

 

ABORTO DE ANACÉFALOS É LIBERADO EM 54% DOS CASOS

Foto: Foto Ilustrativa

Entre 2001 e 2006, os tribunais de Justiça do País receberam 46 pedidos de interrupção da gravidez de anencéfalos. Em 54% dos casos, a decisão foi favorável à mulher, permitindo o procedimento. Em outros 35% o pedido foi negado. Nas demandas restantes, o tempo para decisão foi tão longo que o feto morreu antes. Os dados são de estudo inédito realizado pelo Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva (Prosare), ligado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Além de mapear os casos nas segundas instâncias da Justiça, no Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), o estudo analisou sentenças de desembargadores e ministros. A conclusão foi que nos pedidos negados a decisão foi embasada em argumentos religiosos. Já os juízes que autorizaram a interrupção usaram explicações médicas, afirmando a possibilidade do diagnóstico seguro e o fato de que o anencéfalo é considerado natimorto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). São justificativas que mencionam preocupação com a saúde das mulheres.

A análise das decisões mostra também as diferenças regionais. Sul e Sudeste lideram as autorizações e Norte e Nordeste são os campeões em pedidos negados. No Centro-Oeste, há equivalência nas ações julgadas procedentes e improcedentes. Mas é no Norte e Nordeste que os pedidos para interrupção em casos de anencefalia são maiores proporcionalmente, chegando a representar 20% de todas as ações referentes a aborto.

Atualmente, nos países da América do Norte, Europa e parte da Ásia é permitido o aborto em todos os casos de malformações incompatíveis com a vida. Desde 2003, a Argentina tem lei semelhante. A proibição permanece em países muçulmanos, em parte da África e da América Latina, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na semana passada, o STF realizou duas audiências públicas para ouvir representantes da sociedade sobre o tema. Na próxima quinta-feira, outras instituições debaterão o assunto e, até o fim do ano, a ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS) deverá ter o mérito julgado.

Fonte: Agência Estado