Relator do mensalão culpa integrantes do PP, reafirma tese de que o mensalão existiu e indica que vai pedir a condenação de petistas graduados por envolvimento no maior escândalo de corrupção da era Lula
O mensalão existiu. É essa a análise feita pelo relator do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do escândalo de corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF). Cinco réus foram considerados culpados por Barbosa pelos crimes de corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Após atestar a existência do esquema de compra de apoio político com propinas oriundas de desvios de verba pública, Barbosa julgou ontem apenas as acusações que recaíam sobre membros do Partido Progressista (PP) e seus associados.
Foram considerados culpados o então presidente do PP, o deputado federal cassado Pedro Corrêa, o então líder do partido na Câmara, Pedro Henry, o ex-assessor do deputado José Janene, João Cláudio Genu, além dos sócios da corretora Bônus Banval Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg. Embora tenha morrido em 2010, o ex-deputado José Janene, vice-líder do PP, também foi considerado culpado pelo relator.
Além da ala do PP, o item 6 da denúncia irá julgar outros 18 réus, dos quais oito são políticos. Estão na lista José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e seus sócios, o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP), os ex-deputados do PTB Roberto Jefferson, presidente nacional do partido, e Romeu Queiroz, e os também ex-deputados Bispo Rodrigues (do extinto PL) e José Borba (PMDB).
Compra de voto
Até então, a principal dúvida da defesa dos réus era se os ministros acolheriam a tese da Procuradoria-Geral da República, de que os repasses aos parlamentares e partidos eram para compra de apoio político em votações de interesse do governo na Câmara.
Os advogados, em consonância, defenderam a versão de que o esquema visava distribuir dinheiro para pagar dívidas de campanha, sem a devida contabilização (o famoso caixa 2), o que seria apenas crime eleitoral. “Não há qualquer dúvida sobre o esquema de compra de votos a esta altura do julgamento. Há várias provas de reuniões mantidas entre os interessados. Não vislumbro qualquer deficiência probatória quanto a esse crime”, disse Barbosa.
Em sua argumentação, o relator chegou a citar depoimentos de Corrêa, no qual ele admite a participação do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu (apontado pela acusação como o grande líder do esquema), nos acordos entre PT e PP que originaram o pagamento das propinas. Segundo o pepista, as negociações ocorreram entre ele, Henry e Janene pelo PP, com o então presidente do PT, José Genoíno, e Dirceu.
Para consolidar a existência do mensalão, Barbosa destacou que, em depoimento, os próprios deputados Arlindo Chinaglia (PT), então líder do governo na Câmara, e o ex-deputado Aldo Rabelo (PCdoB), atual ministro dos Esportes, já tinham ouvido falar dos pagamentos. Citou ainda votações no Congresso, como as reformas Tributária e Previdenciária. Nesta segunda, em 27 de agosto de 2003, os líderes dos partidos beneficiados orientaram suas bancadas para votar junto ao governo.
“Todos os deputados do PL que participaram da sessão votaram a favor. Dos 50 do PTB, apenas sete votaram contra. Dos 46 do PP, 14 votaram contra. Dos 60 do PMDB, 18 votaram contra. Foram 163 votos. A demonstrar a relevância do apoio, cito Aldo Rabelo, que disse que em alguns itens a vitória foi por poucos votos”, recordou. Barbosa lembrou ainda que o tema era polêmico e antipopular, de forma que parlamentares do PT chegaram a votar contra o governo, e foram punidos.
O ministro relator destacou ainda que o PP não apoiou Lula na eleição de 2002, mas o seu adversário, José Serra (PSDB), e o PT não teria, portanto, motivo para pagar as despesas de campanha do PP, conforme sustentou a defesa. Não houve, também, compromissos firmados para a eleição de 2004, quando os dois partidos se mantiveram como adversários em todo o país.
“Não existia qualquer outro motivo para que o PT auxiliasse o PP naquele momento, se não o voto de seus parlamentares”, ponderou. Ele citou o fato de o PP ter iniciado o ano de 2003 votando contra o governo, postura que mudou somente com o início do pagamento das propinas. “Não houve aliança política, os dois partidos eram antípodas, sempre foram, opositores ideologicamente”, sustentou.
Lavagem de dinheiro
O mecanismo usado pelos parlamentares do PP para ocultar a origem da propina foi condenado ontem por Barbosa. Ele relata que a lavagem de dinheiro ocorreu de duas formas. Primeiro, membros do partido aceitaram o esquema oferecido pela empresa de Marcos Valério. Nesta versão, Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, indicava a Valério quem deveria ser beneficiado.
Valério acionava sua equipe de apoio – as funcionárias Geiza Dias e Simone Vasconcelos. Simone procurava o indicado para o recebimento do valor. Ela ia até a agência do Banco Rural em Brasília para sacar a quantia em dinheiro, com cheques que tinham como pagador e recebedor a própria agência de Valério, a SMP&B.
No caso do PP, quem recebia esta quantia em mãos era João Cláudio Genu, a mando de Janene ou Corrêa. “Geralmente (Genu) se encontrava com Simone na sede do Banco Rural em Brasília e entregavam a ela uma pasta do tipo 007, que a mesma colocava em seu interior a quantia a ser entregue, não conferia o valor e não se lembra quantas vezes recebeu quantias de Simone no interior da agência do Banco Rural em Brasília”, disse Barbosa, citando o depoimento de Genu. “Milhares de reais puderam ser livremente utilizados para a satisfação de seus interesses privados, já que jamais prestaram conta”, salientou.
Em janeiro de 2004, o PP mudou a forma de receber propinas. Por sugestão dos três parlamentares que comandavam o partido, pediram para receber através da corretora Bônus Banval, e uma das clientes da Banval, a empresa Natimar. Neste novo esquema, Valério transferia os recursos dos empréstimos simulados e dos desvios de recursos públicos de contratos com a Câmara e com o Banco do Brasil para a Banval.
“Enivaldo Quadrado recebia os recursos em mãos e, a partir daí, prosseguia a distribuição aos beneficiários”, completou o relator. “Não havia mais necessidade de Genu se encontrar com Simone Vasconcelos. Ou seja, houve uma certa sofisticação”, disse. Amanhã, Barbosa prosseguirá o voto do item ligado ao núcleo político. As acusações contra os líderes petistas estão no final do capítulo.
Procurador pede ‘cautela’ sobre declarações de Valério à revista
Tratando Marcos Valério como um “jogador”, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou ontem que é preciso ter “muito cuidado” com as declarações atribuídas ao empresário pela revista Veja. Contudo, ressaltou que elas são “importantes” e devem ser analisadas.
Segundo a reportagem publicada no fim de semana, Valério afirmou que o esquema do mensalão desviou R$ 350 milhões – quase o triplo do que consta na denúncia – e era comandado pelo ex-presidente Lula, junto com o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil).
“As declarações dele no momento têm que ser sempre tomadas com cautela. Não se sabe exatamente que tipo de jogo está sendo feito. Marcos Valério é uma pessoa que, ao longo de todo esse processo, deixou muito claro que é jogador”, disse Gurgel, para quem a prioridade atual do Ministério Público (MP) é a conclusão do julgamento.
“A gente tem esse tipo de declaração no momento em que, aparentemente, (Valério) se ressente das condenações que já sofreu”, afirmou. O Supremo já condenou Valério por corrupção ativa, peculato (desvio de recursos públicos) e lavagem de dinheiro. Já a oposição pensa diferente de Gurgel. Ontem, o PSDB elaborou uma minuta de representação contra Lula para ser encaminhada ao MP, com o objetivo de pedir para que as denúncias da Veja sejam averiguadas.
O partido, no entanto, espera o aval do DEM e do PPS pera decidir se formaliza o pedido. Já para o presidente do PPS, Roberto Freire, a oposição precisa ter cautela antes de enviar a representação ao MP. “A base fundamental para pedir a investigação é comprovar as declarações de Marcos Valério. A reportagem é verossímil, mas é melhor ter segurança para apresentar o pedido”, disse Freire. PPS e PSDB vão discutir hoje com o presidente do DEM, Agripino Maia, uma estratégia conjunta para decidir o que fazer com as revelação de Valério sobre Lula.
Zé Dirceu nega que vá fugir do país
O ex-ministro da Casa Civil no governo Lula José Dirceu (PT) negou que fugirá do Brasil caso seja condenado no julgamento do mensalão. “O PT tem defeitos. Mas se tem algo que não conhecemos no PT é a palavra covardia. A chance de eu fugir do Brasil é nenhuma. Zero”, disse. Pela primeira vez após o início do julgamento, o ex-ministro da Casa Civil falou à imprensa.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, disse estar “preparado para qualquer resultado”, mas enfatizou sua inocência: “Confio na Justiça”. Ele afirma que o ex-presidente Lula lhe liga a cada dois dias para saber como está. Disse ainda receber uma média de três visitas de amigos diariamente. Entre eles, o escritor Fernando Morais, o produtor de cinema Luiz Carlos Barreto e o líder do MST, João Pedro Stédile.
“Se alguém tem a ilusão de que, me condenando, vai me derrubar, pode tirar o cavalinho da chuva”, afirmou. O deputado cassado foi qualificado como o “chefe do mensalão” pelo Ministério Público. As penas máximas para os crimes de que é acusado chegam a 15 anos. “Não é que não tem prova no processo contra mim. Eu fiz a contraprova”, argumentou
Das agências
[email protected]
Deixe seu comentário