Vírus que pode estar associado a surto de microcefalia no Brasil alastra-se pelo continente americano e pela Europa
Em abril de 2015, quando os primeiros casos foram detectados no nordeste brasileiro, o zika vírus não provocou sobressaltos. Na última quinta-feira, foi definido como uma ameaça planetária e “explosiva” pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que decidiu criar um Comitê de Emergência – a primeira reunião será nesta segunda-feira, em Genebra, na Suíça.
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Brasil tem 4.180 casos suspeitos de microcefalia ligados ao zika
A epidemia se espalha de maneira espantosa, já infectou pessoas em mais de 20 países do continente americano e pode estar associada ao crescente número de bebês brasileiros nascidos com microcefalia (o perímetro encefálico é de 32 centímetros ou menos, o que significa que o cérebro não se desenvolveu da maneira correta; entre as sequelas, estão problemas motores, de visão, de audição, retardo mental e epilepsia).
A Terra parece conspirar a favor do mosquito transmissor: nas condições climáticas decorrentes do fenômeno El Niño – umidade e altas temperaturas –, o Aedes aegypti encontra cenário perfeito de reprodução. O quadro se agrava frente à inexistência de vacina que previna a infecção ou método eficiente que garanta o diagnóstico. Quatro milhões de pessoas devem ser infectadas em 2016 nas Américas, estima a OMS.
O alarme soou com atraso, consideram autoridades e cientistas dos EUA.
OMS estima que quatro milhões de pessoas terão zika em 2016
Em artigo publicado na revista da Sociedade Americana de Medicina, nesta semana, pesquisadores destacam que “as dimensões globais do zika estão claras” e que a aproximação da Olimpíada do Rio pede “medidas urgentes”. O jornal The New York Times puxou orelhas em editorial: “É imperativo que a OMS não repita sua resposta lenta à crise do ebola e atue urgentemente para mobilizar a ação internacional”.
O presidente da Sociedade de Infectologia do Rio de Janeiro, Alberto Chebabo, vê exagero nas críticas. Ele diz que as medidas tomadas pelas autoridades brasileiras e pela OMS foram rápidas, uma vez que partiram de evidências e que o processo de notificação é “burocrático”. Para o médico, houve um “grande e desnecessário” alarde internacional em relação às viagens para o país.
– As gestantes devem ser bem orientadas, esse é o grupo de risco. Fora isso, não há porque se temer a doença (que não mata os infectados). Em relação à Olimpíada, há de se considerar que agosto é um mês seco e com temperaturas não tão altas quanto agora. A população de mosquitos será menor – afirma o infectologista.
– OMS, governos, todos falharam ao permitir a expansão do mosquito, que também transmite a dengue, muito mais letal. Não existiu um planejamento eficaz e contínuo de combate. Essa é uma preocupação que se deveria ter antes. E que agora, com a questão da microcefalia, se torna ainda mais importante.
Calamidade causada por zika vírus é preço pago por negligência em relação ao Aedes aegypti
Membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Universidade Federal de Santa Maria, Alexandre Schwarzbold diz que foi subestimado o impacto da doença. Para ele, o alerta da OMS é “coerente” e vai além da questão da microcefalia:
– A preocupação não é só com gestantes. O zika tem ação neurotrópica, pode desencadear problemas neurológicos que talvez ainda não estejam associados ao vírus. Há casos de bebês com microcefalia que também têm retardo neuropsicomotor e problemas de audição e visão. E também tivemos adultos com suspeita de zika que mais tarde tiveram perda visual ou auditiva. A associação ainda não é evidente, mas pode ser.
270 casos de microcefalia confirmados no Brasil
Os sintomas do zika vírus são febre alta, dor de cabeça e no corpo, manchas avermelhadas, dores musculares e nas articulações. Os mesmos da dengue, só que mais brandos. Diferentemente da “febre prima”, o zika não mata os infectados – em 80% dos casos, eles nem percebem estar com a doença. Mas o vírus assusta, e muito, pela probabilidade de estar associado a casos de microcefalia. No Brasil, 270 casos de má-formação congênita foram confirmados nos últimos meses – seis deles têm relação comprovada com o zika –, e mais de 3,4 mil casos suspeitos de microcefalia ainda estão sob investigação.
Olimpíada do Rio ameaça reexportar o zika
Casos de pacientes que contraíram o zika em viagens para o Brasil e outros países da América Latina começam a pipocar na Europa, em Israel e nos EUA, onde um bebê com microcefalia nasceu no Havaí – quando grávida, a mãe esteve no Brasil e foi infectada pelo vírus. O presidente norte-americano, Barack Obama, recomendou que gestantes evitem viajar aos países afetados. Algumas companhias aéreas têm permitido remarcar passagens e até mesmo efetuam o reembolso em caso de desistência.
Organizações de saúde europeias estão atentas ao avanço do vírus pelo continente, principalmente a partir da metade do ano, quando o frio se despede e o clima fica mais favorável à presença de mosquitos na Europa. Procurado por ZH, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) afirmou estar em alerta. Ainda que o Aedes aegypti esteja presente somente em ilhas europeias, o continente tem outro mosquito “potencialmente hábil” para transmitir a doença, o Aedes albopictus.
Dois casos sugerem possível transmissão sexual do zika
Para o médico e virologista alemão Jonas Schmidt-Chanasit, do Instituto Bernhard Nocht de Medicina Tropical, os países mais atingidos devem ser os do Mar Mediterrâneo (como Portugal, Espanha e Itália), mais quentes e úmidos. Mas ele pondera:
– Aqui temos estações bem definidas. Se tivermos casos de transmissão no verão, eles logo cessarão no inverno, quando a população de mosquitos fica praticamente zerada.
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