por Leonardo Vieceli | Folhapress
Os preços do café moído dispararam no Brasil sob efeito do clima adverso. No acumulado de 12 meses até janeiro, a alta para o consumidor chegou a 56,87%, apontam dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o indicador oficial de inflação calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Na visão de analistas e representantes do setor, a tendência é de o produto continuar em patamar elevado em 2022, em um contexto de demanda global firme e oferta impactada pela seca e pelas geadas do ano passado no Brasil. Essa combinação de fatores vem pressionando as cotações da commodity.
Enquanto os preços não dão sinais de trégua, o consumidor tenta encontrar alternativas para manter o café na mesa, incluindo a substituição de marcas e a busca por valores mais baixos no país.
Esse é o caso da social media Lívia Neiva, 43, que afirma não viver sem a bebida. Com a alta dos preços, a moradora de Goiânia (GO) trocou o café gourmet por marcas mais populares na reta final de 2021.
“Voltei para o café tradicional. Não tenho mais fidelidade a marcas. O que define a compra agora é o preço”, conta.
Em janeiro, a inflação do café moído para o consumidor foi de 4,75% no Brasil, segundo o IPCA. Trata-se do 11º mês consecutivo de alta. Ou seja, o produto avança desde março de 2021. Nesse período, a elevação acumulada chegou a 57,24%, diz o IBGE.
Em 2021, a cultura viveu ano de bienalidade negativa, o que na prática significa produção menor. O ciclo bienal é marcado pela alternância de um ano com grande florada (2020) seguido por outro com florada menos intensa (2021).
Para complicar a situação, houve perdas em razão da seca e das geadas em estados como Minas Gerais e São Paulo no ano passado, o que impacta as cotações. O Brasil é o maior produtor mundial de café.
No dia 9 de fevereiro, a saca de 60 quilos da variedade arábica alcançou a cotação de R$ 1.555,19, segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
É o recorde nominal da série histórica da instituição, iniciada em 1996. Em termos reais –ou seja, com o desconto da inflação–, trata-se do maior valor desde dezembro de 1999.
A cotação até perdeu fôlego nos últimos dias, mas segue próxima de R$ 1.500. Ao final de fevereiro de 2021, o valor era de R$ 746,50, conforme o centro de estudos.
Renato Garcia Ribeiro, pesquisador da área de café do Cepea, avalia que a demanda pelo produto segue firme enquanto a previsão é de oferta aquém do potencial brasileiro. Assim, é possível que os preços continuem em patamar elevado em 2022, diz o especialista.
Segundo ele, outro fator que pressiona as cotações é o aumento dos custos produtivos durante a pandemia. Insumos como fertilizantes dispararam, afetando os cafeicultores.
“A safra neste ano é de bienalidade positiva, mas não vai ser tão alta quanto poderia ser. Há o reflexo da seca que estressou as plantas”, afirma Ribeiro.
Estimativa divulgada em janeiro pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) indicou que a safra brasileira de café deve atingir 55,7 milhões de sacas de 60 quilos em 2022. O número, se for confirmado, representará um acréscimo de 16,8% frente a 2021.
O aumento já era esperado porque a temporada anterior foi de bienalidade negativa para a cultura. A projeção de 2022, contudo, fica abaixo dos resultados de 2020 e 2018, os dois últimos de bienalidade positiva.
“A queda na produção neste ano, quando comparada com 2020, é reflexo das condições climáticas adversas registradas principalmente entre os meses de julho e agosto em 2021”, disse a Conab ao divulgar a projeção em janeiro.
“A estiagem e as geadas ocorridas com maior intensidade nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná impactaram nas condições fisiológicas dos cafezais”, acrescentou.
Preocupação na indústria
O aumento do café também preocupa a indústria. Segundo a Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), 82% do setor é formado por micro e pequenas empresas, que têm menos condições para lidar com o avanço dos custos produtivos.
“O capital de giro dessas indústrias é menor. Se antes compravam cem sacas, agora estão comprando menos com o aumento do café”, afirma Celírio Inácio, diretor-executivo da Abic.
A entidade ainda não fechou os dados sobre o consumo no país em 2021. A tendência, diz o diretor, é de crescimento.
Conforme Inácio, o brasileiro não deixou de comprar o produto, mas teve de adaptar o consumo para o quadro de carestia, reduzindo o desperdício e buscando mais ofertas.
“O consumidor não deixa de beber café. Ele acaba se adaptando. Fica mais exigente na hora da compra, procura não desperdiçar”, analisa.
O diretor considera que o cenário ainda é de preços elevados em 2022, com a demanda global consistente.
“O café é uma commodity. O mercado também reage a questões políticas e câmbio, por exemplo. É um mercado de oferta e procura, e a indústria sente os reflexos disso”, aponta.
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