ACADEMIA DO PAPO – Se fosse só na Dinamarca…

 

                    paulo-pires                                                                                                                                          Paulo Pires

 

 

            No terraço do Palácio Elsinore, Reino da Dinamarca, teatralmente no Quarto Quadro do primeiro ato da tragédia Hamlet, uma das obras primas de Shakespeare, o personagem Marcellus diz para Horácio com a desilusão que o momento exigia: “Há algo de podre no Reino da Dinamarca”. A podridão por ele aludida relacionava-se com a morte do Rei Hamlet, assassinado pelo próprio irmão [Cláudio]. Este, além de matar o irmão para se apossar do Reino, apressadamente casou-se com a cunhada [Gertrudes, viúva de Hamlet] provocando um eclipse mental na cabeça do jovem príncipe Hamlet.

            Shakespeare escreveu essa obra entre 1600 a 1602 [há controvérsias sobre a data]. Não importa. O que importa mesmo é que a ambição desmedida, mola propulsora para muitos males da humanidade, fica no espírito de quem assiste ou lê a peça como uma emblemática advertência – nos referimos a quem não tem caráter – que a desgraça recai sobre o ser humano, quando ele não calcula moral e eticamente o tamanho de suas cobiças.  O desejo frenético de possuir ou alcançar posições e bens materiais, em muitos casos chega a ser constrangedor. Todos devem sonhar, lutar por dias e condições melhores. Mas, cabe o alerta: Triste daquele que, sem medir o tamanho das suas ambições, se entrega a empreitada de conseguir vitórias a qualquer custo. Esse sujeito, o arrivista, passa a ser um perigo para a sociedade. E a sociedade logo descobre nele esse vício.

            Platão, outro gênio da humanidade, ao falar do seu interesse pela Política, diz que só aos cinqüenta anos sentiu-se preparado para ingressar no maravilhoso campo dessa atividade. É quase inacreditável, mas um homem raro como ele, do alto de sua humildade e de modo surpreendente, só se sentiu apto para entrar na política a partir de sua quinta década de existência. Em carta para amigos e familiares disse o filósofo: “Outrora, na minha juventude experimentei o que tantos jovens experimentaram. Tinha o projeto de, no dia em que pudesse dispor de mim próprio, imediatamente intervir na política”. E entrou.

            Depois de observar os passos do grande filósofo, e já ultrapassando a faixa dos cinqüenta anos, também me senti seduzido por ingressar em uma agremiação partidária. Dizem os mais precavidos que entrar em política  é meio complicado, portanto  deve-se pensar muitas vezes antes de fazê-lo. Todo mundo diz isso. Mas há um fato interessante a ser comentado: Quem entra nela, na política, não sai assim tão fácil. E eu, resoluto, munido das precauções necessárias, mas sem esquecer as advertências, fui ao Partido dos Trabalhadores e coloquei meu nome à disposição. Inicialmente, senti não haver nenhuma rejeição a ele. O Presidente Rivaldo Gusmão me acolheu com muita discrição e gentileza. Meu acompanhante, introdutor diplomático e membro antigo da agremiação [não estou autorizado a mencionar o nome] cuidou de fazer as apresentações e justificou meu interesse para  ingressar na Legenda. A secretária, Cris é muito simpática, e cuidou do preenchimento dos formulários. Saí da sede do Partido convicto de que fiz uma boa ação para meu itinerário. Não sei se o Partido terá a mesma percepção com a minha chegada.

            Mas a Política realmente é encantadora. Quando exercida para fins nobres e por pessoa nobres, poucas atividades humanas alcançam seu enlevo. Há mais de 25 anos ouvi um discurso monumental de um dos grandes mestres da política brasileira: Ulisses Guimarães. No discurso o astuto Ulisses teorizou sobre a Política e o Poder. Foram duas abordagens feitas com uma maestria excepcional.

            O grande Ulisses nos fez passear com grandes teóricos [clássicos e contemporâneos] da Política e, sem esconder o viés do Poder que as pessoas alcançam pela Política, assinalou que realmente é dentro da Política que o Poder mais se legitima. E acrescentou: “Principalmente se esse poder for emanado pelo Povo, em eleição livre, num contexto democrático”. Quem há de contestar alguém que foi eleito legitimamente pelo seu povo? Ninguém. Ninguém.

            Quem foi eleito pelo povo merece respeito. A eleição foi limpa? O povo assim decidiu? Então que o eleito seja respeitado pela escolha que o Povo fez.

            Cabe a pergunta. E se um governante não estiver correspondendo ao que prometeu em campanha? Ele merece ou não que lhe dirijam críticas? Sim. Desde que esses comentários sejam feitos no espaço neutro da Probidade Crítica. E o que é Probidade Crítica? O que é probidade? O que é crítica? Cláudio, quando matou Hamlet foi probo? Infelizmente acontecimentos como aquele não ocorre apenas no Reino da Dinamarca.