A Gente Diz – Documento sobre ditadura de Geisel ‘carimba’ suspeitas da Comissão da Verdade

Documento sobre ditadura de Geisel 'carimba' suspeitas da Comissão da Verdade

Foto: Presidência da República

Coordenador da Comissão Nacional da Verdade na Bahia (CNV-BA), o jornalista Carlos Navarro acredita que a divulgação do documento que expõe o papel de líder de execuções assumido pelo presidente Ernesto Geisel (1974-1979), no período da ditadura, confirma os indícios que os pesquisadores do regime já apontavam. O arquivo, disseminado nesta quinta-feira (10) pelo professor Matias Spektor, é datado de 1974 e foi tornado público em 2015 pelo governo dos Estados Unidos. No memorando, o então chefe da CIA, William Colby, afirma que Geisel aprovou “execuções sumárias” de adversários na ditadura militar, levando as decisões diretamente para o Palácio do Planalto. O brasileiro também teria orientado seu chefe de Serviço Nacional de Informações (SNI), que posteriormente o sucedeu na Presidência, João Baptista Figueiredo (1979-1985), a autorizar pessoalmente os assassinatos. “Pra nós, da Comissão da Verdade, para as pessoas que tiveram qualquer tipo de militância naquela época, isso não é novidade. Mas ainda hoje há incautos, achando que a ditadura foi uma coisa boa. (…) Então, a divulgação desse documento meio que carimba, formaliza as suspeitas que nós já tínhamos”, pontua Navarro, em entrevista ao Bahia Notícias. O jornalista lembra que para muitas pessoas, Geisel era visto como “um cara liberal”. Havia a imagem de que o presidente ditador não apoiava torturas, diferente de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), que é conhecido como o ditador “mais duro”, por exemplo. “Tinha gente que não sabia sequer que os americanos estavam por trás do golpe militar, apoiando os militares brasileiros. No caso específico de Geisel, caiu a máscara porque pra muita gente, ele era o cara que promoveu a abertura, lenta e gradual, e a gente sabe que ele não promoveu nada. O povo na rua é que enfraqueceu a ditadura. Eles tiveram que parar o que já não podia mais conduzir”, frisa Navarro.

 

Coordenador da Comissão da Verdade na Bahia, o jornalista Carlos Navarro | Foto: Divulgação

 

Apesar da revolução, o jornalista não acredita que o Exército se pronuncie e assuma que os assassinatos eram institucionalizados pelo regime e não casos isolados. Em nota enviada à Folha de S. Paulo, o Comando do Exército afirmou apenas que os documentos sigilosos, que “eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados, foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época – Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS) – em suas diferentes edições”. O jornalista também é descrente quanto à possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) rever a Lei de Anistia. Uma das críticas à legislação é que ela é válida também para casos de tortura e outros crimes cometidos por civis e agentes do Estado durante o regime ditatorial. “O nosso Supremo Tribunal é muito acovardado. O Supremo Tribunal age de acordo com as denúncias, com os denunciados, tem um medo terrível da imprensa, então eu não sei se o Supremo Tribunal teria peito. Já pedimos diversas vezes e ele sequer avaliou”, lamenta o jornalista. A reunião registrada no documento teria acontecido no dia 30 de março de 1974, no início do mandato de Geisel. No encontro, também estavam presentes o comandante do Centro de Informações do Exército (CIE), o general Milton Tavares, Figueiredo e o general que iria assumir o CIE, Confúcio Danton de Paula Avelino. Na oportunidade, Tavares destacou o trabalho já realizado pelo centro “contra alvos da subversão interna” durante o governo Médici. “Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça terrorista e subversiva, e disse que métodos extra-legais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. Sobre isso, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pelo CIE até agora. Figueiredo apoiou essa política e instou a sua continuidade”. Com isso, Geisel teria pedido um tempo para refletir sobre a seriedade e os prejuízos dessa política. Dois dias depois, ele informou a Figueiredo sua decisão. “Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que grandes precauções deveriam ser tomadas para assegurar que apenas subversivos perigosos sejam executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE apreende uma pessoa que pode estar nessa categoria, o chefe do CIE vai consultar o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes de a pessoa ser executada”, diz outro trecho do documento. Disponível no site do Departamento de Estado americano, o memorando não explicita como Colby teve acesso a essas informações (leia a versão original aqui).

 

 

 

 

 

 

https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99?platform=hootsuite