Fluminense campeão: o desfecho mais bonito que a Libertadores poderia ter
Quando se chega a decisões cercadas por tanta ansiedade, partidas que põem em jogo taças tão cobiçadas e importantes, é natural que cada time, cada torcida entenda merecer mais do que o rival. Cada um sabe de sua trajetória, de suas angústias, de suas razões para querer tanto um título. Talvez esteja aí a singularidade da edição da Libertadores encerrada neste sábado, num Maracanã que pulsava. Era difícil olhar para a festa do Fluminense no gramado do Maracanã e não pensar que aquele era o desfecho mais bonito possível para o torneio.
E por razões que vão além da campanha do Boca Juniors, um time que não venceu um jogo sequer após a fase de grupos. Muito menos por sua proposta mais conservadora de jogar futebol, afinal o time mostrou caráter competitivo, cresceu ao longo da final, a ponto de parecer até um time melhor do que foi em sua caminhada. Mas olhemos para o lado do Fluminense e as tantas histórias fascinantes construídas em torno dessa conquista. O futebol não garante finais felizes a ninguém, mas o mesmo jogo que sabe ser cruel, por vezes apresenta suas recompensas.
Fernando Diniz voltou ao Fluminense em abril passado. Neste um ano e meio, ainda que não tivesse conquistado os títulos mais importantes em disputa – ao menos até o último sábado -, os tricolores conseguiram algo que talvez seja muito mais importante: construíram memórias, despertaram boas sensações no público. Que outro time brasileiro, em seus melhores momentos, foi capaz de entreter, de encantar com a frequência do Fluminense? O tricolor se tornou o time que muita gente, torcedores neutros inclusive, tinham vontade de ver jogar. Há um sabor especial quando estética e resultados se encontram. Renovam-se esperanças, enquanto caem as teses de que prazer e beleza são incompatíveis com a competição.
Este Fluminense fez algo mais. Seu jogo de aproximações em torno da bola, mobilidade, passes curtos, tabelas e infiltrações, está muito ligado a um imaginário do que seria uma “escola brasileira”. Seja esta uma constatação correta ou um a teoria que ignora diferenças regionais ou transformações naturais ao longo do tempo, é fato que o futebol globalizado fez das ideias e dos modelos aplicados na elite europeia os padrões replicados mundo afora. Inclusive no Brasil. Diniz, ao dobrar a aposta nas aproximações, ao radicalizar na proposta de juntar jogadores ao redor da bola, ignorar simetrias num campo de futebol e dar a seus comandados liberdade para que se expressem, tem criado o roteiro inverso: analistas de várias partes do mundo estudam este Fluminense.
Mas enquanto construía sua trajetória, Diniz foi tratado por excêntrico, um vaidoso descompromissado dos resultados, usando times de futebol para provar suas teses. Tudo isso porque, diziam, não era capaz de ganhar títulos. Pois neste sábado ele respondeu com a maior taça da América do Sul. A Libertadores inédita para o Fluminense, clube de onde saíra em 2019 após resultados muito modestos, mas que lhe oferecera uma segunda chance.
A história tricolor rumo ao topo da América termina numa final com diversos elementos: um domínio inicial, a dificuldade para criar chances, o gol que parecia abrir caminhos, o crescimento do adversário, uma prorrogação que remetia inevitavelmente ao drama vivido por aquela mesma torcida, e naquele mesmo estádio, 15 anos antes. Até o gol de John Kennedy.
Pois há mais elementos que tornam a vitória do Fluminense o mais bonito dos desfechos desta Libertadores. Primeiro, porque este time com uma identidade tão marcada, com um DNA tão próprio, construiu seus dois gols à sua forma, com os seus conceitos. Os dois pontas próximos, do mesmo lado do campo; Marcelo saindo da lateral e virando um meia direita no gol de Cano; as combinações entre jogadores; a personalidade de Kennedy, impulsionada por um encorajamento típico do trabalho de Diniz. No Fluminense, jogar não é tratado como risco. Seja na saída de bola bem perto do gol de Fábio, seja nas proximidades do gol adversário.
Este Fluminense inscreveu, de forma definitiva, pelo menos um nome que não poderá mais ser excluído da história do clube: Cano, autor do primeiro gol num movimento tipicamente seu. Um símbolo deste time.
Sobre Kennedy, eis outro personagem riquíssimo. O mais fácil seria rotulá-lo como um “jogador problema”, um “caso perdido”. Muita gente achava graça quando Fernando Diniz dizia que as relações humanas eram a base para construir seu sistema de jogo, seu modelo tático. Kennedy talvez seja a personificação de uma teoria tratada como um romantismo fadado ao fracasso. No lugar de desistir de um jovem cheio de virtudes, capaz de jogar de costas para o gol como pivô, de infiltrar na área, de entender espaços, de chutar de fora da área, Diniz abraçou o atacante que voltava de um empréstimo à Ferroviária. O futebol costuma tratar jogadores piores como pessoas piores. Ou tratar jovens cujo talento se esconde atrás de realidades pessoais e sociais conturbadas, como irrecuperáveis. Pois foi de Kennedy um gol que, desde sábado, será cena obrigatória de qualquer antologia sobre a história tricolor.
A Libertadores não poderia terminar de outra forma. Fluminense campeão. Fonte G! Esporte
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