“Ao propor reunir Conselho da República, Bolsonaro tenta resolver entraves, construídos por apenas dois ministros que atuam STF”.’

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Até para os padrões usados rotineiramente por Jair Bolsonaro, seu discurso feito nesta terça-feira foi muito acima do tom. Com ataques e ameaças claríssimas aos outros Poderes, o presidente cruzou completamente o que costuma chamar de “quatro linhas da Constituição”. A pior de suas ameaças foi o anúncio de que pretende reunir o Conselho da República nesta quarta-feira, 8. Bolsonaro não acredita em nenhuma instituição, mas quer usar esse instrumento para fingir que pode existir uma espécie de “manto legal” para seu movimento completamente antidemocrático.

A carta do Conselho da República foi colocada por Bolsonaro na mesa de jogo como uma ameaça clara aos outros Poderes. “Amanhã, estarei no Conselho da República. Juntamente com os ministros. Para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos deveremos ir”, discursou o presidente.

Ou seja, Bolsonaro quer mostrar a “foto” da manifestação desta terça para dizer aos outros Poderes que, supostamente, tem o apoio do povo para ser absoluto no País e fazer o que bem entender.

Parece pouco provável que haja tal reunião do Conselho porque implicaria no endosso dos outros Poderes ao jogo político golpista do presidente. Ainda mais que ele deixou claro em seu discurso que seus termos iniciais incluem a entrega da cabeça de um ministro do Supremo Tribunal Federal — Bolsonaro não foi especifico no nome mas trata-se, obviamente, de Alexandre de Moraes, que preside o inquérito dos atos antidemocráticos.

No explícito ataque ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso – que tem a autonomia de decidir pelo impeachment de algum ministro da Corte – Bolsonaro cruzou com vontade as quatro linhas da Constituição.

“Não aceitaremos que qualquer autoridade usando a força do Poder passe por cima da Constituição. Não mais aceitaremos qualquer medida, qualquer ação, qualquer sentença que venha de fora das quatro linhas da Constituição. Nós também não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos três Poderes continue barbarizando nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil”, disse o presidente.

E foi mais além: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder vai sofrer aquilo que não queremos. Porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República. Nós todos aqui na praça dos Três Poderes juramos respeitar a nossa constituição. Quem era de fora dela ou se enquadra ou pede para sair”, ameaçou novamente, arrematando com “um ministro do Supremo Tribunal perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal”.

É razoável pensar que Bolsonaro não ignore que depois desse discurso os Poderes e outras instituições já começaram a discutir uma reação. É mais razoável ainda que se espere que ele saiba que essa reação passe pela retomada da discussão de seu impeachment pelo Congresso. Partidos como o PSDB, que vinham sendo cautelosos nessa discussão, começaram a mudar de direção. O presidente do partido, Bruno Araújo, já convocou reunião para amanhã para “discutir a posição do partido sobre abertura de de Impeachment e eventuais medidas legais” contra Bolsonaro.

O presidente do Supremo, Luiz Fux, também vai se reunir com os colegas do Judiciário para discutir a resposta legal que o Poder dará à ameaça feita pelo presidente.

Com reunião ou não do Conselho da República, Bolsonaro conta com esse esgarçamento das linhas democráticas do País para tentar permanecer na Presidência. Atrás nas pesquisas e desgastado politicamente, o presidente pode não ter mais votos para se reeleger, mas ainda conserva força suficiente para fazer barulho nas ruas. E o tamanho desse ruído vai depender muito da reação que o sistema de freios e contrapesos faça ao seu discurso.

Marcelo de Moraes, Estadão