Artigo: A mídia e sua crise de identidade.

 

jereHoje no país só se fala de crise econômica, política e moral e se esquece de outros segmentos, instituições e até expressões artísticas da nossa sociedade que vivem no limite da decadência. A educação e a cultura não conseguem retomar o seu fio condutor de conteúdo e de qualidade que deram bons frutos no passado.
Vive-se em tempo de banalização da estética do inútil e do fútil. Trocou-se a ética pela inversão de valores, e o que era anormal virou normal. As famílias se desestruturaram e a disciplina foi banida do cardápio. O corpo aquece nas academias para se afinar, enquanto a mente se atrofia na ausência do pensar e refletir. A lógica racional cede espaço para a desvalorização do ser humano.
Bem, são temas que rendem boas discussões. No entanto, minha matéria-prima específica aqui é sobre a crise de identidade que sofre a nossa mídia, seja a escrita, falada, televisada e a “internetada” nas redes virtuais. Se me permitem fazer algumas classificações adjetivadas, a imprensa atual está desbotada, desfigurada, amassada e perdeu o fio da meada.
Ela também está atravessando momentos de crise ao se acomodar em ser mera repetidora de notícias, a maioria extraída do factual dos boletins oficiais de ocorrências. Sem entrar na questão do monopólio da informação por alguns poucos grupos, não estou me referindo apenas da mídia de papel que se baratinou com o surgimento da internet. Esta também anda desandada e ainda atordoada.
No âmbito da grande mídia, sem apontar os pequenos e alternativos veículos que lutam para sobreviver com parcos recursos humanos e financeiros, de uns tempos para cá foi-se esvaziando a principal função de caçadora, apuradora e investigadora dos fatos para se acomodar como simples repassadora de notícias oficiais.
Esquerdas e detentores do poder quando são ligados aos escândalos de corrupção costumam taxar a imprensa de elitista, fascista e perseguidora. Se esse poder fosse mais competente e apurasse os acontecimentos com maior rigor, as maracutaias tomariam proporções maiores. Exemplo é que pouco tem se cobrado sobre a cassação do presidente da Câmara diante dessa enxurrada de denúncias. Deveriam ficar calados, pois as feridas poderiam ser mais expostas.
O que quero dizer é que a nossa mídia perdeu o faro e ficou insossa, monótona e desmilinguida. Diante do espetáculo, banalizou-se e não teve cabeça para segurar a fama como ocorre com muitos “famosos” de sucesso de quinze segundos. Diria que o baixo nível é hoje o maior calcanhar de Aquiles da nossa mídia que deixa barrigadas e buracos por onde passa.
Até o caso do mensalão a imprensa nos deu material substancioso adquirido através do seu tino investigativo. No impeachment de Fernando Collor publicou matérias inéditas fora dos dossiês e das declarações aspeadas. Já no caso da “Operação Lava Jato” virou noticiário digitalizado de boletins repetitivos de ocorrências das delações, não passando muito disso.
O formato pouco muda nos jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão, incluindo sites e blogs, com raras exceções. Não incluo aqui as redes sociais, cujas fofocas, boatos e notas infundadas não podem ser considerados como jornalismo. Mesmo com todo avanço tecnológico, observo que nosso jornalismo definhou. Falta profissionalismo.
Por falar nisso, com conteúdo e qualidade que deixam a desejar, as reportagens jornalísticas são incompletas em termos de dados e referências e, consequentemente, pouco atrativas. A impressão que passa é que foram feitas às pressas e dentro das redações fechadas e frias diante da tela de um computador. Não passam inteligência e emoção para o leitor, ouvinte ou telespectador.
Outro ponto é a questão da suíte, ou seja, o seguimento do desenrolar da matéria. Cada um faz seu espetáculo no intuito de angariar audiência ou espaço e depois segue o silêncio. O assunto cai no esquecimento, sem contar a falta de aprofundamento. Até mesmo um leigo percebe que a matéria não foi bem trabalhada como devia e manda o bom jornalismo.
No Brasil, por exemplo, a “Operação Zelotes” que descobriu fraudes de bilhões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal não recebeu o devido acompanhamento da mídia. Ninguém fala mais nisso. Por sua vez, a morte tem hierarquia na grade dos grandes veículos de comunicação. A morte de duas ou três pessoas nos Estados Unidos, vítimas de atentado terrorista, tem mais repercussão que um massacre de 100 pessoas no Paquistão, ou mil no Bangladesch.
Não poderia deixar de abordar também o aspecto da liberdade de expressão tão reivindicada pela mídia, mas mal usada. Sempre digo que o direito à liberdade de imprensa acaba quando não se tem ética e responsabilidade. Quando o repórter, apresentador, locutor ou coisa que seja ultrapassa as linhas dessas fronteiras, cessa sua liberdade.
Lembra daquela cena dos refugiados na Hungria quando uma cinegrafista passa uma rasteira num senhor com uma criança nos braços? Pois é, aqui temos muitos “profissionais” passando rasteiras, não fisicamente, quando em programas de televisão ou nas rádios apoiam, aos berros, ações policiais truculentas, dizendo em viva voz que tem que dar porrada e matar mesmo.
Não interessa se é bandido, ou não. Quem faz isso não merece liberdade de expressão e não passa de um protótipo falsificado de jornalista. O pior é que parte da sociedade desinformada e inculta apoia o imbecil e diz que o cara é um “retado” e corajoso. Tanto nas emissoras abertas como fechadas por assinaturas, os programas em geral estão abaixo do nível. Nem com o controle remoto se salva da péssima qualidade.
Só para terminar meu modesto comentário, entendo que a mídia regional do interior não soube aproveitar o desenvolvimento tecnológico e tropeça nos mesmos vícios quando proliferavam por toda parte os impressos, ou jornais de papéis.
Talvez os erros maiores estejam nas empresas que se arvoram em dar notícias de fora que a internet e outros veículos grandes já divulgaram, ao invés de priorizar os fatos locais. Tem matérias que são bolorentas de tão desatualizadas. O que incomoda não é tanto a omissão, mas divulgar um fato capenga cheio de buracos por todo lado.

Jeremias Macário é jornalista e autor de importantes livros documentários