Amizade desfeita . É difícil de compreender a complexidade humana. Havia duas pessoas que
cultivavam uma grande amizade, fraternas, profundamente sinceras, a ponto de serem
confidentes de seus negócios e intimidades. Suas atitudes e o companheirismo eram
baseados na verdade e sinceridade, razão que as uniam. Eram vistas e consideradas –
grandes amigos.
Essa grande amizade foi abalada por motivos fúteis resultantes de divergências de
ideias e de pensamento político, entretanto, os envolvidos não se afastaram do convívio
social. Apesar da estima modificada pelo desentendimento, conservaram a civilidade do
relacionamento formal e cordialmente se cumprimentavam, sem maiores intimidades,
apenas uma formalidade tão verdadeira quanto hipócrita, por não representar a realidade
dos sentimentos − estranhos e contraditórios caminhos que a vida impõe aos atores.
Assim continuaram por muito tempo, até que um dia, num clima de
sentimentalismo e solidariedade pela passagem do Dia Internacional da Fraternidade, 01/
01, fato que toca a todos nós pela atitude dos fundamentos cristãos que ensina: Amarás a
Deus sobre todas as coisas e amarás o próximo como a ti mesmo (Mt, 22,37-39),
sintetizado nesses dois mandamentos toda a filosofia cristã.
Os protagonistas casualmente se encontraram no shopping e, um deles tomou a
iniciativa de reatar a amizade, pois não via motivo para continuarem fingindo. Entendia
que estavam apenas encenando um ato de capricho o qual não correspondia a vontade de
ambos − um relacionamento autêntico e verdadeiro. Remido de todo o ato que, por
ventura, tenha magoado o amigo desejava que a paz de Cristo estivesse entre eles.
O outro reagiu, inesperadamente, sarcástico e com desprezo, manifestou-se em
gargalhada: “Me engana que eu gosto”, lançando ao desafeto um olhar iracundo,
reprovador, deliberado. Os dois se encararam, parado cada um, sem saber o que mais
dizer. A violência da resposta fora como o coice de um cavalo indomado que o atingiu
profundamente, provocando-lhe angústia, desespero e humilhação. Finalmente, recobrando-
se do incidente perturbador, ainda teve a altivez de argumentar, arrostando o
provocador: “o juízo que faz de mim é-me indiferente, não me atinge. Deus sabe da minha
consciência e do meu propósito. Nunca o tive na conta do que é e se revela, jamais aduzi tal
comportamento”.
Esse fato nos leva à reflexão de que cada ser traz dentro de si − os componentes do
bem e do mal. Cada pessoa desenvolve em maior ou menor grau tais atributos. Nem
sempre a árvore frondosa é a que dá bons frutos (filosofia bíblica). Cada um, no momento
adequado, revela o que tem dentro de si, de forma que é difícil a compreensão do ser
humano. As aparências costumam nos enganar. A metamorfose dos seres humanos, às
vezes, surpreende-nos, ainda que saibamos que ninguém é capaz de enganar a si próprio,
porque sabe exatamente a formação do seu caráter, intrinsecamente ligado aos seus atos e
atitudes inevitáveis no convívio do sodalício.
Dessa forma, a arrogância, a prepotência, o orgulho, o ódio, as vaidades e todos os
vícios do comportamento humano fazem as pessoas vítimas desses preconceitos e que só
podem ser desfeitos pela imutável lei divina, igualando a todos, sem privilégios, distinção
e exprobração, nos mistérios insondáveis da morte, caminho e futuro da humanidade.
Antonio Novais Torres
[email protected]
Brumado em, 21/04/2003.
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