As recentes mobilizações em diversas cidades do Brasil, com pessoas de diversos segmentos sociais e com reivindicações variadas, ocorrem em um país que já não é o mesmo de dez anos antes, e que justamente por seus inegáveis avanços estimula novas demandas e desejos de mudanças, legítimas e necessárias. A ascensão social no Brasil desde 2003 deslocou uma população similar à da Argentina para a classe C, com a constituição de uma nova classe trabalhadora no nosso país.
Houve a maior diminuição da pobreza extrema na estrutura social na história, devido ao estímulo à produção, à geração de 19 milhões de empregos e um aumento do salário mínimo que significou um ganho real no valor dos salários menores e um processo de crescimento que se baseou na distribuição de renda e no mercado de consumo interno. Ocorreu a mudança da política de crédito com o Programa da Agricultura Familiar e dos bancos oficiais através da diminuição de juros e aumento do crédito, ao lado de uma diminuição histórica dos juros do Banco Central.
A desoneração dos produtos da cesta básica indica um princípio de reforma tributária para diminuir os impostos indiretos sobre o consumo. As estatais passaram a ser vetores para o crescimento do país. O crescimento econômico passou a ser maior nas pequenas e médias cidades e mais intenso nas regiões periféricas do país, com intensa urbanização, mas com o crescimento dos problemas urbanos.
A montagem de programas de transferência de renda direta sem passar pelas estruturas de poder tradicionais desmontou o clientelismo. Esse foi o motivo de resistências conservadoras que taxavam esses programas de “esmolas”, pois essas forças perderam poder com essa nova dinâmica, que comprovadamente aumentou a escolaridade e diminuiu a mortalidade infantil em todo o país. Foram fortalecidas políticas públicas voltadas à promoção de direitos, através do Sistema Único de Saúde, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, que ampliou em mais de 1400% os recursos federais transferidos da União aos Estados e Municípios, da criação de 18 novas universidades federias e de mais de 300 campi de escolas de Educação profissional e da criação do Sistema Único da Assistência Social.
Mas essas transformações na economia e na Sociedade geraram estrangulamentos de infraestrutura, portos, aeroportos, escolas, hospitais, e o agravamento substancial dos problemas urbanos, incluindo os de mobilidade. Agora precisamos realizar as reformas necessárias para a superação das desigualdades e a consolidação de uma democracia com justiça social e crescimento com distribuição de riqueza, e assim viabilizar o projeto de um Brasil cidadão. Um novo ciclo de investimento é necessário, com a construção de infraestrutura para que o modelo continue viável.
As políticas públicas sociais precisam da consolidação e da elevação do financiamento e da qualidade das políticas de Educação, Saúde, assistência social e desenvolvimento urbano, e isso só será alcançado com uma redução maior dos juros da dívida pública e o aumento da capacidade de investimento do Estado. O aprofundamento das reformas iniciadas em 2003 depende de termos cada vez mais recursos e meios para ampliar a atuação do Estado na satisfação dessas demandas sociais. A proposta do novo Plano Nacional de Educação, na qual o governo federal assume o compromisso de investimento de 10% do PIB na Educação, é um passo nesse sentido, que precisa ser aprovado no Congresso.
O diálogo entre Estado e Sociedade nesse momento novo é rico e exercita a nascente democracia. A participação social não deve ser encarada como elemento de “risco Brasil”, como parte da imprensa apregoa, mas como elemento importante da cidadania. Nesse momento de mobilização, a pauta da garantia dos Direitos Humanos, defesa do Estado Laico e da necessidade de uma reforma política ganha relevância. Sem mudar o sistema político, para diminuir a influência do poder econômica na política, com o financiamento público de campanhas e o voto em legenda, será difícil aprofundar a Democracia no país.
*Professor da UFBA e doutor em Educação
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