Artigo: O CANTO DA SEREIA NA LUA CHEIA

Mochilas carregadas de trapaças para fazer truques de magias. De quatro em quatro anos eles aparecem assim no período da grande lua cheia da política brasileira, como deuses da salvação para todos os males. Os papos e os discursos não mudam. Os bois nem trocam de pastos, mas, mesmo assim, o povo se encanta com o canto da sereia para depois pagar o pato das mazelas.

Lobos, ratos, antas, hienas, avestruzes, cobras e outros bichos se juntam num monte de siglas, e cada um faz a sua dança celta feiticeira diante da lua cheia, pedindo proteção para uma boa colheita. Eles levam os frutos e deixam os bagaços e sabugos. Ao contrário do que diz a superstição, nesta época não viram lobisomem, mula sem cabeça nem monstros de assombração da meia noite.

Por incrível que possa aparecer, com voz mansa e os disfarces de sempre continuam a enganar os incautos, apesar de bater firme que dessa vez não vão mais se iludir. Que nada, basta pintar a lua cheia que todos ficam eufóricos e hipnotizados com suas cores e luzes brilhantes nos céus! Terminada a festa orgística, tudo continua como dantes na casa de Abrantes. Todos dizem as mesmas coisas, mas fazem diferente.

Todos já devem estar sabendo dessa lua cheia a que me refiro. Ela é dividida em regiões, e cada um disputa o seu lote com unhas e dentes, fazendo suas armações e astúcias demagógicas, para atrair os habitantes que nelas habitam. Uma sempre foi a mais cobiçada e não é mais rica. Trata-se do Nordeste pobre atrasado que apresenta os priores índices de desenvolvimento humano. É um campo propício para suas manobras populistas e assistencialistas.

Eles são muitos, mas só os mesmos de sempre conseguem abocanhar sua fatia necessária para sair de barriga cheia. Por exemplo, para a Câmara Federal são 5.051 em todo Brasil, para 513 cadeiras. Somente na Bahia, são 417 candidatos a federal que vão disputar a preferência de mais de 10 milhões de eleitores. Da bancada baiana, 32 dos 39 querem a reeleição.

Para o legislativo estadual, 538 brigam por 63 vagas. Dos atuais, 52 vão usar suas máquinas para manutenção em seus mesmos lugares. Dos 11 restantes, oito figuram na lista para o planalto prateado, ou dourado. Nessa lua cheia, 11.478 correm para assumir ou renovar seus assentos nas câmaras estaduais. É muita gente, mas o pirão de mais quatro anos é bom demais! É recheado de benesses e mordomais, sem contar as gatunagens de muitos, que eles costumam chamar de “por fora”.

Para presidente são 13candidatos, número que nos faz lembrar o azar. Para fechar o filme de terror, bem que a data principal dessa lua cheia poderia cair na sexta-feira 13. Os caras são os mesmos conhecidos. Para não ser, e sendo tão enfadonho e repetitivo, com o mesmo lero-lero.

O mais irônico de tudo isso é que nesta lua cheia eles vão usar um monte de dinheiro extraído, compulsoriamente, dos bolsos da população dessa terra de famélicos, doentes, violentados, explorados, desempregados e injustiçados. Os bichos ainda acham que é pouco. Cada um pode gastar de um (estadual) a mais de 10 milhões, mas com as trambicagens, vão, além disso.

São os custos mais caros do planeta, mas isso não quer dizer que somos os mais bem dotados de poder aquisitivo. Muito pelo contrário, meus amigos! O povo daqui é massacrado em todos os setores. É ludibriado, enganado, humilhado e pena em filas de saúde, e muitas outras, para receber um remédio ou um pedaço de pão.

Aqui são 12 milhões de analfabetos, mais de 50 milhões que vivem em condições de pobreza, 14 milhões em pobreza extrema, 32 milhões de crianças passam necessidades, mais de 13 milhões de desempregados (os números são bem maiores que isso), mais de 60 milhões de homicídios por ano e mais um tanto desses por acidentes de trânsito.

O mais inusitado de tudo isso é que ainda essa gente não fez uma guerra civil. É um povo conformado, que pouco berra e grita. Já realizou alguns movimentos, mas logo caem no esquecimento e, cada um, vai cuidar de seus afazeres individuais. Essa gente daqui não tem indignação e vota por favor ou coisa semelhante. Não se revolta. Não há revolução.

Aproveitando o tema fiz esse poema, ou modesto verso:

“NAS CILADAS DA LUA CHEIA”.

Os lobos ficam moucos na lua cheia/Do Planalto prateado do céu colonial/Onde os bandos fazem a farta ceia/Vinda do arado suado do braço serviçal/

As hienas viram renas na lua cheia/Para a engorda gulosa do grande dia/Enchendo seus trenós em cada aldeia/Para mais quatro anos de sodomia.

 

Os ratos armam ciladas na lua cheia/Como satânicos vendem gato por lebre/A pobreza mental segue o canto da sereia/E quem sempre paga o pato é a plebe.

 

Depois dessa festa da lua cheia/O feixe da fé começa a minguar/Até a veia da esperança vai-se embora/Chora o velho, a senhora e a criança/Na falta da justiça, do remédio e do pão/E do direito digno de viver e sonhar/De não mais ser boiada de patrão.

 

No aboio, ou no rasgo da guitarra/Vamos embora, minha gente!/Esse tempo de espera nos devora!/Vamos embora gente forte valente,/Não mais no aguardo do Deus dará!/Vamos acabar de vez com a farra/Dessa bicharada em nosso luar.