
Por Padre Carlos.
Há notícias que não podem ser tratadas como mero registro policial. Elas exigem reflexão pública, sobretudo quando envolvem figuras que, mesmo não residindo em Vitória da Conquista, conquistaram expressiva votação no município. A prisão do ex-deputado estadual Marcell Moraes, acusado de ameaçar a namorada em um condomínio de luxo em Salvador, não é apenas um fato policial: é um espelho incômodo das contradições morais que rondam parte da política brasileira.
Marcell Moraes construiu sua imagem pública como defensor incansável da proteção aos animais, bandeira nobre, legítima e necessária. Foi exatamente esse discurso que lhe garantiu votos em Vitória da Conquista, cidade sensível à causa animal e que acreditou estar elegendo alguém comprometido com a ética, o cuidado e o respeito à vida. O problema é que, ao que tudo indica, essa proteção parece ter limites bem definidos — e, ironicamente, não inclui os seres humanos mais próximos.
Segundo as informações divulgadas, o ex-parlamentar é acusado de ameaçar, xingar, danificar o veículo da namorada e arremessar o celular dela na praia. A cena, além de lamentável, desmonta qualquer narrativa de superioridade moral. Fica a pergunta inevitável: defender animais autoriza agredir, ameaçar ou intimidar pessoas? Ou a empatia vale apenas quando rende capital político e votos nas urnas?
A violência contra a mulher, tema central deste episódio, não pode ser relativizada por histórico político, por causas defendidas ou por popularidade eleitoral. Trata-se de um crime grave, estrutural, que corrói a sociedade brasileira e exige posicionamento claro. Não basta posar para fotos com cães resgatados enquanto, nos bastidores da vida privada, a agressividade e o descontrole falam mais alto.
Vitória da Conquista tem o direito — e o dever — de revisitar criticamente seus votos. O eleitor não escolhe apenas um discurso bonito, mas um conjunto de valores que devem se manifestar na vida pública e privada. Quando há uma ruptura tão evidente entre o que se prega e o que se pratica, a decepção se transforma em alerta democrático.
Este caso também escancara um vício recorrente da política contemporânea: a construção de personagens. Causas legítimas, como a defesa dos animais, são usadas como escudos simbólicos, capazes de anestesiar o senso crítico do eleitorado. Mas a ética não pode ser seletiva. Quem não respeita uma mulher não respeita a sociedade. Quem ameaça no âmbito privado compromete qualquer discurso público.
Que este episódio sirva menos para linchamentos morais e mais para reflexão coletiva. Proteção à vida não pode ser fragmentada. Ou se defende a dignidade em todas as suas formas, ou não se defende coisa alguma. Vitória da Conquista merece representantes que cuidem dos animais, sim, mas que, acima de tudo, saibam conviver com humanidade, equilíbrio e respeito — dentro e fora dos holofotes. conteúdo Por Política e Resenha










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