Não dá para esquecer a primeira professora. Quando ainda menino e já labutava na roça com meus pais, lá pelos idos dos anos 50, Nina foi a minha primeira professora leiga, mas o que mais me marcou na vida foi sua penosa pobreza como agregada-escrava de um grande latifundiário. Aprendi com ela a escrever meu nome e a ler alguma coisa soletrando as palavras. Coube a esta personagem real privilegiar um dos capítulos do meu livro “Andanças” que ora, sem patrocínio, luta para ser lançado.
Os tempos se passaram e tive outros notáveis mestres até início da década de 70 quando ainda estes profissionais do ensino eram valorizados e respeitados por pais e toda sociedade. Os alunos aprendiam a lição e eram ávidos por estudar. Havia normas nas escolas que eram obedecidas, mas os travessos, como eu, recebiam castigos na frente dos outros colegas. A questão dos métodos é discutível, mas isso é outro assunto.
Regime disciplinar certo ou errado, a verdade é que até a década de 70, mais ou menos isso, o professor ainda era olhado com carinho, e sua pessoa era reverenciada por onde passava como autoridade intelectual da comunidade, no mesmo nível do juiz, do padre e do prefeito. O mestre, como era chamado, se sentia realizado, reconhecido e contente como o que fazia, distribuir seus conhecimentos para os outros.
Estourou a ditadura militar de 1964 e, em pouco tempo, o educador passou a ser olhado como um inimigo subversivo que poderia provocar uma rebelião entre os estudantes. Sua missão de ensinar começou a ser mutilada e vigiada dia e noite. O saber virou um perigo comunista e muitos foram torturados nos porões do regime. Outros foram banidos e exilados.
Apesar das condições adversas, a profissão de professor ainda continuava sendo digna, mas o cenário do estudo e da educação foi se deteriorando. Piorou ainda mais a partir do processo de redemocratização do país em fins dos anos 80, quando por lógica deveria ter melhorado, mas não, atingiu seu pico de degradação e humilhação nos dias de hoje, repudiado e visto como um “zé ninguém qualquer”, sem importância.
Até anos atrás imaginava que professor não ficava desempregado e teria mercado garantido porque sempre ia ter gente para aprender e mais escolas seriam abertas. Ledo engano, meu amigo, o que se vê hoje em nossa pátria é de cortar o coração e dói muito, basta ser humano e um pouco sensível. Não é somente a questão do desemprego que faz derramar lágrimas dos olhos dos professores, mas também as agressões violentas dos alunos, e os assédios morais de chefes e pais que aniquilam de vez a autoestima daqueles que continuam, a duras penas, nas degradantes salas de aulas.
Quase ninguém olha para eles, mas tenho ouvido muitos lamentos e choros de professores desiludidos com a profissão, inclusive vivendo em estado de depressão e ansiedade. Em seus cantos isolados, como se fossem renegados criminosos, muitos passam necessidades e até fome. Para sobreviver, recorrem à ajuda de parentes e perambulam pelas cidades atrás de um bico. Sujeitam-se até a trabalhos domésticos ou a vender bugigangas nas ruas.
Aos que ainda permanecem atuando, o poder público não os valoriza e nega qualquer pedido de aumento, alegando limite fiscal quando, no entanto, contempla outras categorias, as quais, o chefe do executivo considera serem mais fundamentais em termos socioeconômico e político. Afinal de contas, a educação nunca foi prioridade dos governantes.
Vivemos, infelizmente, numa sociedade fútil consumista e sem instrução que pouco liga pra greve de professores. Os chefes dos executivos que deviam dar bom exemplo, também não. Como não tem de imediato o mesmo impacto de uma paralisação de caminhoneiros, bancários e até mesmo de garis (sem desprestigiar a classe), deixam a coisa rolar por tempo indeterminado. Preferem manter as escolas fechadas, sem educação. Em suas contas retrógradas significa menos gastos.
Outros coitados, sem opção, se submetem à escravidão das escolas privadas do ensino básico e médio que pagam apenas 500 reais por mês pelos seus serviços. Os alunos mimados os tratam com grosserias numa relação de serviçais escravos entre a Senzala e a Casa Grande dos senhores de engenhos. Os donos humilham, exigem trabalho árduo, muita obediência e dedicação. Afinal, tem outros lá fora na fila de espera.
Quem olha para os professores? Diante das conquistas destroçadas e a fúria destruidora da categoria, como numa terra arrasada, nem eles mesmos recomendam aos jovens que sigam a carreira. De acordo com a pesquisa “Profissão Docente”, do Todos pela Educação e do Itaú Social, realizada pelo Ibope Inteligência, metade deles não aconselha que seus alunos se graduem na área.
Não são poucos os professores que testemunham os riscos que sofrem dentro das escolas, principalmente estaduais, onde alunos se drogam nos pátios, sem contar os baixos salários e as precárias condições de trabalho. Muitos escolheram a profissão por falta de opção. O emprego certo virou lenda. No estudo, que entrevistou mais de dois mil professores, 33% estão insatisfeitos com a atividade docente.
Milhões empunham as bandeiras de seus times, brigam e até se matam. Outros milhões invadem as ruas nos carnavais, no Dia do Samba, nas paradas Gays e nas marchas evangélicas, mas se incomodam e alegam o tal “direito de ir e vir” quando uma centena de professores faz manifestação exigindo o pouco que merecem. Deveríamos nos envergonhar disso.
Então, quem vai olhar para os professores? Os próximos candidatos que continuam fazendo parte das bancadas da bala, da Bíblia, dos “centrões” evangélicos e a rural? Dá para confiar nos eleitores e nas eleições que nunca resolveram nada? Olhem para eles! Milhares não têm mais lágrimas para derramar, mas ainda continuam lutando, esperando que alguém os olhe e estenda sua mão.
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