por Fernando Duarte
O brasileiro gosta de sofrer. É trágico ler uma afirmação como essa, mas é verdade. Desde que me entendo por gente, fala-se que precisamos mudar o Brasil através do voto. E, eleição após eleição, tudo continua a mesma coisa. A novidade é que, ao que parece, o sadismo passou a fazer parte do cotidiano. A repercussão do tweet do presidente Jair Bolsonaro sobre obscenidades no Carnaval é uma prova de que o país deixou de ser um vídeo caseiro pornô para uma produção bem sofisticada de sadomasoquismo.
Bolsonaro generalizou uma cena constrangedora de um bloco de Carnaval como se fosse regra. Ao invés de defender a moral e os bons costumes, como pregava até chegar ao Palácio do Planalto, o paladino tornou público um vídeo abjeto. Até mesmo quem não usa o Twitter acabou sendo obrigado a ver a masturbação anal e o “golden shower”. Para não perder o costume, a assessoria do Planalto reformulou a intenção do presidente: a ideia não foi uma crítica ao Carnaval como um todo, mas aos excessos cometidos por uma minoria.
O estrago está feito. A liturgia do cargo já foi há muito tempo deixada de lado e sob aplausos de muitos eleitores. Para essa parcela do Brasil, pouco importa se Bolsonaro é presidente ou não. O que importa é essa suposta “simplicidade”, que está mais próxima de falta de senso do que de respeito pela responsabilidade de comandar uma nação. Agora, que Inês é morta, o jeito é juntar os cacos e esperar que o país não degringole ao ponto de que o dedo no ânus no vídeo ou a urina na cabeça não se torne rotina para quem não gosta das práticas.
Falar em impeachment de Bolsonaro é prematuro e inconsequente. Nem o mais otimista dos brasileiros achava que ele se adequaria ao cargo como tantos outros que o antecederam. Gostem ou não, ele foi eleito presidente da República e é preciso deixá-lo exercer a função, ainda que o faça mal e porcamente. O compartilhamento de um vídeo como aquele é ridículo, como também é ver um presidente com a camisa falsa de um time numa reunião protocolar. Ou saber que um filho cujos dotes intelectuais são questionados por aliados tem mais poder do que ministros. Ou até mesmo admitir que redes sociais fazem mais pressão sobre um chefe de Estado do que a maturidade de ter vozes dissonantes participando de um órgão consultivo.
O Carnaval é um momento propício para críticas. Qualquer pessoa que passou por uma esfera de poder público sabe disso. Bolsonaro não se acostumou ainda e preferiu desviar o foco para um vídeo escatológico, que o aproxima de parte do eleitorado dele e apenas afasta ainda mais os adversários. Como a proposta dele é unir o Brasil, talvez a união pela rejeição seja um viés a ser explorado.
Nada do que aconteceu até agora surpreende. Afinal havia um quê de masoquismo no movimento “quanto pior, melhor” que se pregava antes do impeachment de Dilma Rousseff ou após Michel Temer assumir o Planalto. Agora, mais do que nunca, está mais claro que há quem goste de sofrer. Quem diria que “Brasileirinhas” chegaria a ter um tom documental sobre o momento que vivemos. Em resumo, estamos lascados…
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