Campanha da Fraternidade: 49 anos de amor ao próximo e referência democrática
Hoje (22), Quarta-feira de Cinzas, começa a Quaresma, tempo em que a liturgia da Igreja convida os fiéis a se prepararem para a Páscoa, mediante a conversão, com práticas de oração, jejum e esmola. E é justamente na Quarta-Feira de Cinzas, que acontece um dos principais eventos da Igreja Católica no Brasil, o lançamento da Campanha da Fraternidade. A CF, como é conhecida, está na sua 49ª edição, é realizada todos os anos e seu principal objetivo é despertar a solidariedade das pessoas em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos e apontando soluções. Neste ano de 2012 a Campanha da Fraternidade destaca a saúde pública e suas variantes. Com o tema “Fraternidade e Saúde Pública”, e o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra” (cf. Eclo 38,8); a CF de 2012 tentará refletir o cenário da saúde no Brasil, conscientizando o Governo da precarização de condições dos hospitais e mobilizando a sociedade civil para reivindicar melhorias.
A CF é uma campanha conhecida em todo o país e reconhecida internacionalmente. Mas você sabe quando ela começou? Quem foram os seus criadores? A primeira Campanha da Fraternidade foi idealizada no dia 26 de dezembro de 1963, sob influencia do espírito do Concílio Vaticano II.
Antes disso, o primeiro movimento regional, que foi uma espécie de embrião para a criação do atual modelo da “Campanha da Fraternidade”, foi realizado em Natal (RN), no dia 8 de abril de 1962, por iniciativa do então Administrador Apostólico da Natal, dom Eugênio de Araújo Sales, de seu irmão, à época padre, Heitor de Araújo Sales e de Otto Santana, também padre. Esta campanha tinha como objetivo fazer “uma coleta em favor das obras sociais e apostólicas da arquidiocese, aos moldes de campanhas promovidas pela instituição alemã Misereor”, explicou dom Eugênio Sales, em entrevista a arquidiocese de Natal, em 2009. A comunidade de Timbó, no Município de Nísia Floresta (RN), foi o lugar onde a campanha ocorreu pela primeira vez.
“Quando no começo de 1960, eu estava concluindo meu trabalho de doutorado em Direito Canônico na Universidade Lateranense, em Roma, fui para a Alemanha onde tinha mais tranquilidade para o que desejava. Ali pude acompanhar a Campanha Quaresmal daquele ano para recolher o fruto dos sacrifícios em benefício dos povos que sofriam fome, como eles mesmos tinham sofrido 15 anos antes, logo depois da Segunda Guerra Mundial. O material para informação (homilias, boletins paroquiais, etc.) continha reflexões muito profundas. Trouxe para o Brasil todo o material para que pudéssemos adaptar aqui.
Dom Eugenio Sales numa reunião do clero lançou a ideia. Foi feita uma lista e nomes, no fim venceu o nome “Campanha da Fraternidade”. Ficamos satisfeitos com o nome, mas nunca imaginávamos que aquela pequena semente se transformasse no que é hoje”, disse o arcebispo emérito de Natal, dom Heitor de Araújo Sales.
“Não vai lhe ser pedida uma esmola, mas uma coisa que lhe custe. Não se aceitará uma contribuição como favor, mas se espera uma característica do cumprimento do dever, um dever elementar do cristão. Aqui está lançada a Campanha em favor da grande coleta do dia 8 de abril, primeiro domingo da Paixão”, disse dom Eugênio Sales, no ato de lançamento da campanha, em Timbó (RN).
Segundo dom Heitor, o papa João XXIII tinha lançado a ideia de que católicos de países ricos pudessem dar um pouco de suas vidas para ajudar na evangelização de outras terras. Chamavam-se “Voluntários do Papa”. Assim vieram para cá missionários leigos dos Estados Unidos (EUA) e de outros lugares. Eles também ajudaram no começo da Campanha.
A experiência foi adotada, logo em 1963, por 19 dioceses do Regional Nordeste 2 da CNBB (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte). Naquela época envolvidos pelo Concílio Vaticano II, os demais bispos brasileiros fizeram o lançamento do Projeto da Campanha da Fraternidade para todo o Brasil. Dessa forma, na Quaresma de 1964 foi realizada a primeira Campanha em âmbito nacional. Desde então, até os dias atuais, a CF é realizada em todos os recantos do Brasil.
Em 20 de dezembro de 1964, os bispos brasileiros que participavam do Concílio Ecumênico Vaticano II, em Roma, aprovaram o fundamento inicial da mesma, intitulado “Campanha da Fraternidade – Pontos Fundamentais apreciados pelo Episcopado em Roma”. Em 1965, tanto a Cáritas quanto Campanha da Fraternidade foram vinculadas diretamente ao Secretariado Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A partir de então que a Conferência dos Bispos Brasileiros passou a assumir a Campanha da Fraternidade. Nesta transição, foi estabelecida a estruturação básica da CF.
“Naquela época, a Igreja se voltava a si, preocupada com a implantação do Concílio Vaticano II e em renovar as suas estruturas conforme as indicações conciliares. Daí surgiu a Campanha da Fraternidade. Ela, inicialmente se prestou a este objetivo. No entanto, a CF contribuiu na superação da dicotomia ‘Fé e Vida’, que, imbuída do espírito Quaresmal quer modificar a situação do fiel, em prol da vida e da justiça”, explicou o atual secretário executivo da Campanha da Fraternidade da CNBB, padre Luiz Carlos Dias.
Em 1967, começou a ser redigido um subsídio para a CF auxiliando assim as dioceses e paróquias de todo o país. Nesse mesmo ano iniciaram também os encontros nacionais das Coordenações Nacional e Regionais da Campanha da Fraternidade.
Em 1970, a Campanha ganhou um especial e significativo apoio, uma mensagem do papa Paulo VI para o dia do lançamento da Campanha, o que virou uma tradição entre os papas.
A partir de uma análise dos temas abordados a cada ano, a história da Campanha da Fraternidade pode ser dividida em três fases distintas: de 1964 a 1972, os temas refletem um olhar voltado para a renovação interna da Igreja, provavelmente sob o influxo das reformas propostas pelo Concílio Vaticano II; de 1973 a 1984, aparece na Campanha a preocupação da Igreja com a realidade social do povo brasileiro, refletindo influências do Vaticano II e das Conferências Episcopais de Medelín e Puebla, sem deixar de lado a questão política nacional, que vivia uma de suas mais terríveis fases: a ditadura militar. A terceira fase, a partir de 1985, reflete situações existenciais dos brasileiros.
Ao longo da história, as Campanhas abordaram questões do compromisso cristão na sociedade. Em alguns casos, as essas questões discutidas geraram o surgimento de Pastorais ou serviços no seio da Igreja. Foram levantados e debatidos temas como, em 1985, a questão da fome; em 1986, o problema fundiário; em 1987, o tratamento do poder público para com o menor. Em 1988, a campanha apelou por uma adesão a Jesus Cristo; em 1989, conclamou o povo a assumir uma postura crítica frente aos meios de comunicação social; em 1990, abordou a questão do gênero, chamando a atenção para a igualdade do homem e da mulher, diante de Deus; em 1999, chamou a sociedade e o poder público para discutir o problema do desemprego; em 2000, convidou as igrejas cristãs e a sociedade a lutarem pela promoção de vida digna para todos. Em 2001, levantou o problema das drogas e as consequências na vida das pessoas; em 2008, propôs o debate sobre a defesa da vida; em 2011, falou sobre a vida no planeta.
Neste ano de 2012, a saúde pública será o foco das discussões. De acordo com o arcebispo de Ribeirão Preto, dom Joviano de Lima Junior, a saúde é “dom de Deus” e, enquanto tal é um direito que além de ser preservado, precisa ser conquistado. “Além disso, pensemos na importância da alimentação e da preservação do ambiente. Porém, não podemos nos esquecer das estruturas insuficientes dos hospitais e dos postos de saúde”, disse.
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