Contando a nossa históira – Conquista Primitiva / por Rui Medeiros

 

Vitória da Conquista Primitiva

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Ainda não foi encontrado documento anterior a 1.780 que especificamente fale do núcleo de população inicial que deu origem à cidade de Vitória da Conquista. Os velhos documentos falam seguramente do Sertão da Ressaca, vasto território entre os rios Pardo e de Contas, exceto na parte coberta pela mata grossa. O Sertão da Ressaca corresponde, grosso modo, o Planalto da Conquista. Mas, à falta de descoberta de uma fonte mais antiga, é daquela data o primeiro escrito a falar de um “rancho” com cerca de sessenta pessoas sob o comando de João Gonçalves da Costa, natural de Chaves, Trás-os- Montes, Portugal.

Tudo indica que referido rancho é o mesmo núcleo primitivo que passou a sede do Distrito da Vitória quando Caetité, elevada a Vila, dividiu seu território em distritos. Nada depõe ao contrário desse entendimento. Mas o nome que permaneceu, apesar de o distrito ter a denominação de Vitória, foi Conquista.

Maximiliano, príncipe de Wied-Neuwied, quando passou pelo Sertão da Ressaca, em sua memorável viagem pelo Brasil, em 1817 alcança o Arraial da Conquista e desse dá curiosa descrição que Vale a pena transcrever, pois muitos não têm acesso ao livro do Príncipe (“Viagem ao Brasil”), apesar de este já contar com três edições no Brasil. Diz Maximiliano de Wied-Neuwied:

“Arraial da Conquista, principal localidade do distrito, é quase tão importante como qualquer vila do litoral. Contam-se aí de trinta a quarenta casas baixas e uma igreja em construção. Os moradores são pobres; daí a razão por que os ricos proprietários das redondezas, as famílias do coronel João Gonçalves da Costa, o capitão-mor Miranda e algumas outras empreenderam a construção da igreja às suas expensas. Independentemente dos recursos que a cultura dos campos fornece para a subsistência dos habitantes, a venda do algodão e a passagem das boiadas, que vão para a Bahia, lhes proporcionam outros meios de vida. As boiadas que vêm do Rio São Francisco passam também por essa localidade, e algumas vezes vêem-se chegar, numa semana, para mais de mil bois, que se destinam à capital. O gado comumente emagrece, durante o longo trajeto que tem de percorrer, motivo pelo qual deixam-no descansar, aí, durante algum tempo, e mandam-no para se refazer nos pastos mais próximos.

“Grande parte dos moradores do Arraial compõe-se de trabalhadores e de rapazes desocupados, que ocasionam muitos distúrbios, pois ali não há polícia. A malandrice e uma inclinação imoderada para as bebidas fortes são traços distintivos do caráter desses homens; daí resultam disputas e excessos freqüentes, que tornam detestável esse lugar, de má fama para as pessoas mais sérias e consideradas, que vivem em suas fazendas, espalhadas em torno. Fomos muitas vezes incomodados por pessoas embriagadas e algumas vezes foi a grande custo que nos desembaraçamos dessa gente, que singularmente nos aborrecia. Trazendo cada um, como é perigoso costume da terra, um estilete ou um punhal na cintura, esses homens grosseiros e imorais, que nenhuma espécie de vigilância contém, cometem freqüentes assassínios e outras violências. Algumas semanas antes de nossa chegada, certo morador havia matado a tiros um outro. Eis porque nunca será demais recomendar aos viajantes que procedam com a máxima cautela em Arraial da Conquista, para evitarem, para si e para o seu pessoal, aborrecimentos muito sérios”.

Considerando o quantitativo, geralmente aceito pelos historiadores brasileiros para o Século XIX, de seis pessoas por casa, em 1817, a população do arraial da Conquista, seria entre 180 e 240 habitantes.

Maximiliano fala em Igreja em construção. Deve ter havido grande demora na edificação do templo católico dedicado a Nossa Senhora da Vitória, pois desde 1804 já a família de João Gonçalves da Costa estava autorizada a edificar a casa de Oração com um campo santo (cemitério) contíguo. A Igreja primitiva foi construída uns sessenta metros abaixo de onde hoje se encontra a atual Catedral de Nossa Senhora das Vitórias.

O arruamento primitivo seguia o curso do riacho da Vitória (Rio Verruga, ou Córrego do Poço Escuro), pois os quintais das casas davam para o referido riacho (que hoje passa por galeria, sob a rua Ernesto Dantas), por isso que não era retilíneo. Depois surgiram ruas do lado oposto, formando uma grande praça (rua Grande), que alcançava desde a Catedral de Nossa Senhora das Vitórias até o lugar onde hoje se encontra o prédio da Igreja Batista (o “miolo” de edificações onde se encontram prédios do Banco Bilbão, Credic, Hotel Albatroz e outros, só surgiu na década de 40 do Século XX).

Gradativamente, seguindo a direção do Rio Verruga (riacho da Vitória, ou córrego do Poço Escuro), as casas foram sendo edificadas. Eram casas de “enchimento” (barro batido). Mais tarde, em 1840, a administração da Vila cuidou de deixar ruas travessas para dar acesso ao riacho (atuais ruas do Lisboa e Ramiro Santos). O Distrito foi elevado a Vila (Município) em 1840.

Depois o arruamento passou a seguir caminhos (estradas) vicinais: Estrada de São Bernardo (ruas Elpídio Flores, antiga Coronel Roseira, e rua 10 de Novembro), rua da Muranga (ruas San Juan, Siqueira Campos), estrada dos Campinhos (Av. Fernando Spínola), etc. No final do Século XIX já havia o largo onde hoje está o prédio sede da Prefeitura Municipal (antigo Quartel da Polícia) e a Praça da Piedade (Praça 9 de Novembro). A Praça Sá Barreto foi aberta pela municipalidade em 1904.

No início do Século XX, a cidade era pequena (porém já uma das maiores da Bahia), e a República, em julho de 1891, oficialmente a denominava de Cidade da Conquista. O sítio urbano não ia além da Praça Sá Barreto (a Norte), Praça Vitor Brito (a Sul), Rua do Espinheiro (Pinheiros), a Oeste, ou, em outro ponto, o início da atual rua da Misericórdia, com alguns vazios e alguns prolongamentos sem maior significado de tamanho, em direção a caminhos.

Do rancho ao arraial, deste à Vila e da Vila à cidade, o caminho foi certamente longo e o espaço ocupado pela cidade hoje impressiona e desafia.