Os acionistas de referência e a diretoria da Americanas são investigados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por omissão de informações relevantes no primeiro comunicado sobre o escândalo contábil que levou a empresa a pedir recuperação judicial na última quinta-feira (19).
Em documentos aos quais a Folha teve acesso após a queda do sigilo do processo, a autarquia questiona por que o comunicado não trazia detalhes que vieram à tona dois dias depois e apura divergências entre declarações dadas pela companhia no dia seguinte ao pedido de proteção judicial.
O processo é o primeiro na autarquia que inclui o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles entre os investigados pela crise. Eles negam ter conhecimento prévio de manobras ou dissimulações contábeis na companhia.
O anúncio da descoberta de “inconsistências” nos balanços da Americanas foi feito no dia 11 de janeiro. O documento falava de uma dívida não reconhecida de cerca de R$ 20 bilhões.
No dia 12, em teleconferência promovida pelo BTG Pactual, o então presidente da companhia, Sergio Rial, afirmou que a maior parte da dívida não estaria atrelada a “covenants financeiros”, cláusulas que impõem obrigações a tomadores de empréstimo, como o resgate antecipado dos valores.
No dia 13, a empresa foi à Justiça pedir proteção contra credores, alegando que cláusulas dos contratos de financiamento poderiam levar ao vencimento antecipado de cerca de R$ 40 bilhões em dívidas, inviabilizando suas operações.
Em ofícios enviados à direção da Americanas, a CVM questiona a demora no reconhecimento da real situação da empresa e o vazamento à imprensa de informações.
A autarquia lembra que é dever de acionistas e administradores “divulgar imediatamente o ato ou fato relevante pendente de divulgação, na hipótese de a informação escapar ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários”.
Em um dos ofícios, a CVM pergunta “por que foi alegado ao Poder Judiciário que ‘praticamente todos os contratos financeiros firmados pelo Grupo Empresarial possuem cláusulas de vencimento antecipado’, dado que o Sr. Sergio Rial chegou a declarar que a maior parte da dívida da companhia —cerca de 92%— não estaria atrelada a covenants”.
O mesmo ofício questiona ainda por que a informação sobre o risco de vencimento antecipado não havia sido incluída no comunicado divulgado no dia 11 de janeiro.
Em resposta, a Americanas diz que as duas afirmações não são divergentes, já que o vencimento antecipado pode ser determinado por ‘covenants’ e por outros tipos de cláusulas de contratos de financiamento.
“As cláusulas que autorizam o credor a declarar o vencimento antecipado de seu crédito podem ou não ter o descumprimento de ‘covenants’ financeiros como um dos eventos que geram o vencimento antecipado da dívida”, afirma.
A empresa afirma ainda que vinha mantendo o mercado informado sobre a situação, “não havendo que se falar em informação relevante contida no requerimento de Tutela de Urgência Cautelar que também não fosse de conhecimento do mercado”.
No mesmo processo, a CVM questiona ainda o vazamento de informações sobre o pedido de recuperação judicial, feito na última quinta-feira (19), e sobre a posição de caixa da empresa após o estouro da crise.
Sobre a recuperação, a Americanas responde que, no momento da publicação da reportagem pela Folha, “ainda avaliava a necessidade de, em caráter urgência, ajuizar pedido de recuperação judicial”.
Sobre a posição de caixa, diz que a reportagem foi publicada pelo jornal Valor Econômico pouco antes do fechamento do pregão do dia 18 e que o fato relevante sobre o tema foi divulgado antes da abertura do pregão do dia 19, quando a empresa confirmou o pedido de recuperação judicial.
Em nota divulgada no último domingo (22), os três acionistas de referência da companhia afirmaram, em nota conjunta, que jamais tiveram conhecimento e que nunca admitiriam quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia.
“Assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto”, disse o trio, que tem 30,1% das ações da companhia.
Conteúdo Pliticalivre Nicola Pamplona / Folha de São Paulo
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