Divórcios ultrapassam recorde no Brasil; Bahia tem 4.683 separações em dois anos de pandemia

Brasil teve 80.573 divórcios em 2021, segundo dados Colégio Notarial do Brasil, entidade que congrega os tabeliães de notas de todos os estados

Divórcios ultrapassam recorde no Brasil; Bahia tem 4.683 separações em dois anos de pandemia

Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 05 de Maio de 2022

A pandemia trouxe problemas que perpassam questões unicamente sanitárias. O isolamento social, tão necessário durante os períodos mais drásticos da crise do coronavírus, marcou o ano de 2021 com o recorde de 80.573 divórcios no país. O dado é do Colégio Notarial do Brasil, entidade que congrega os tabeliães de notas de todos os estados.

Na Bahia, os Cartórios de Notas (CNB-BA) registraram, no ano passado, 2.513 divórcios — um crescimento de 16% em relação a 2020, quando 2.170 casais deram entrada nos documentos pedindo a separação. O resultado consagrou o estado em décimo lugar no ranking de divórcios do país. São Paulo, Paraná e Minas lideram a lista. A dona de casa Rosana Silva, 51, faz parte das estatísticas. Em junho de 2021, quando passou a conviver mais próxima do marido, decretou o fim do seu casamento. O motivo soa até irônico.

Foi justamente neste momento que sentiu uma maior solidão. “Eu perdi a liberdade de sair. Tive que ficar em casa e ele também ficou muito em casa. Então, às vezes, a gente não se tolerava: eu falava uma coisa, ele entendia outra. Não tinha aquela cumplicidade de um conversar com o outro. Eu gosto de filme, ele de jornal. Eu assistia o jornal com ele, mas ele não assistia os filmes que eu gostava”, relembra.

A mudança nos hábitos, incentivada pela dificuldade do momento, também contribuiu com a separação, revela Rosana. “Antes, ele bebia somente aos domingos, mas ele começou a beber de segunda a segunda porque não tinha para onde ir, não tinha o que fazer. Comprava bebidas, cerveja, whisky, vinho… Então, foi se desgastando, porque você começa a ver o dinheiro sendo gasto em coisas fúteis… Aquilo me deixava frustrada”, lamenta.

A psicóloga Daniele Brandão vê uma “nítida influência” da pandemia no término das relações amorosas, por uma série de questões próprias deste período. “O mais nítido é a proximidade. Muitos casais usavam a distância física — seja no trabalho, estar com amigos — para fugir dos problemas em casa. Então, toda a poeira que foi jogada para debaixo do tapete, o coronavírus levantou. Também contribuiu o medo generalizado. Estava todo mundo querendo acolhimento, suporte do outro, só que o outro também precisava disso, então foi frustrante para muita gente”, considera a profissional, que ainda lista a excessiva relação com a tecnologia e a exaustão de tarefas domésticas como outros motivos fundamentais.

TRIBUNAIS

O aumento de divórcios nos últimos dois anos foi notado por profissionais que atuam diretamente nesta área. Segundo a advogada Nadialice Francischini, especializada em assuntos de família, a maior parte dos rompimentos foi traumática.

“Quando é uma coisa que se desgasta com o tempo, é mais fácil. Mas um rompimento por brigas, como foi a maioria dos casos na pandemia, é bastante traumático”.
O presidente do CNB-BA, Giovani Gianellini, também percebeu a pandemia como um fator que contribuiu para o crescimento dos registros. “Com a pandemia, as pessoas não estavam conseguindo resolver algumas questões particulares, o que explica o aumento de atos no ano seguinte”, avalia.

CONTRAPONTO

Advogada conheceu marido, casou e teve filho na pandemia

“Todo mundo separando, eu casei”, conta, entre risadas, a advogada Carolina Araújo, 36. Durante a pandemia, ela conheceu o atual marido, casou-se, engravidou e até já teve seu filho.
A intensidade da convivência exagerada trouxe, no seu caso, bons frutos. Solteira, Carolina resolveu baixar um aplicativo de namoro quando começou o isolamento. A partir dele, selou seu novo destino. No início, ela conta que eram apenas conversas, mas que, no intervalo entre ondas da Covid-19 e com a reabertura de bares e restaurantes em Salvador, em setembro de 2020, resolveu dar uma chance para o encontro presencial.

A partir daí, os dois não se desgrudaram mais. No retorno do isolamento, em fevereiro de 2021, eles resolveram ‘quarentenar’ juntos. Um mês depois, decidiram se mudar para o mesmo apartamento. E, em setembro do ano passado, um ano após terem se conhecido, se casaram, já à espera de um filho.

“A pandemia influenciou bastante: não tinham eventos, shows, nada, e os nossos amigos também estavam isolados, então a gente acabou ficando muito próximo. Tínhamos projetos de trabalho parecidos, queríamos ter filhos, em uma fase mais caseira… então bateu muito certo. E a pandemia, com certeza, ajudou muito a tornar tudo muito mais intenso. Se não fosse isso, talvez a gente demorasse a ter um segundo, terceiro, quarto encontro. E tem essa coisa da pandemia em si: é uma tragédia muito grande, então a gente passa, querendo ou não, a valorizar as coisas boas”, observa.

Foto: Agência Senado Por: Adele Robichez