DONA NENZINHA (1)


ANIVERSÁRIO BRUMADO E ALAB 153[1]

Senti a necessidade de escrever esse artigo em homenagem à minha mãe, a quem chamo de Dona Nenzinha, nome de família, pois o prenome, de batismo, ela não gosta – Benvinda. Preferiria chamar-se Rita que, segundo sua informação, é uma tradição da família. Trata-se de pessoa que amo incondicionalmente, do fundo do meu coração. A nossa relação além de filial é umbilical, por laços muito fortes que nos unem, numa convivência de amor recíproco.

Dona Nenzinha é uma mulher extraordinária, sempre foi trabalhadeira, honesta, eficiente e competente. Sofreu as agruras que a vida lhe impôs, deu a volta por cima e venceu. Criou os filhos sozinha e os encaminhou com a determinação de mãe dedicada e professora leiga, que via a educação como forma de crescimento humano. Aos netos dedicou atenção, carinho e compreensão, gesto de afetividade de avó, levando alguns deles para morar consigo por certo tempo, ou passear em sua residência, na cidade em que morava, fazendo revezamento entre eles.

Inicialmente, bem jovem, trabalhou como professora leiga em Contendas do Sincorá, em regime particular. Esforçada e dedicada à causa do ensino, demonstrou competência a ponto de ser escolhida pelos pais como professora de seus filhos em detrimento das formadas em magistério, criando descontentamento pelo fato. Certa professora, ao questionar uma aluna o motivo do não comparecimento às suas aulas, ouviu dela que preferia a professora leiga, o que a fez proclamar comentário maldoso, eivado de inveja: “Quanto menos somos, melhor passamos”.

Alguns dos seus alunos hoje são médicos, engenheiros e outros profissionais que reconhecem o amor e carinho com que receberam as primeiras lições.

Em Salvador, foi gerente de um hotel por algum tempo. Posteriormente, foi para São Félix, onde instalou uma pensão própria. A cidade escolhida servia de transbordo para as pessoas vindas de trem do interior com destino a Salvador, e utilizavam o vapor, em Cachoeira, como meio de transporte. De lá foi para a sua terra natal, João Amaro, onde por longos anos exerceu atividades como professora leiga do município de Iaçu. Com o tempo, deixou o magistério, adentrando no ramo comercial de confecções e afins, contando com a ajuda de sua nora Rosa, na escolha dos produtos de maior aceitação na região, atividade que exerceu até aposentar-se.

Após aposentar-se, foi morar com um dos filhos em Vitória da Conquista e, em seguida, em Brumado, onde residem até hoje. Com o tempo, chegou à provecta idade, e, acometida do mal da idade – a senilidade – passou a necessitar de cuidados especiais para a sua segurança e higienização: banho e troca de fraldas, remédios, alimentação nas horas certas e para as visitas ao hospital.

Certa feita, levou uma queda que precisou de sutura. A resistência para receber os procedimentos foi tamanha, que precisou de três pessoas para segurá-la, apesar da aparente fragilidade e de pesar apenas trinta quilos. O médico que a atendeu disse: “Se eu chegar nessa idade com essa força me dou por satisfeito. Com essa disposição viverá muito tempo”, acrescentou.

Irrequieta e com gastura arranca os pontos cirúrgicos e os curativos. Traquinas, mexe e remexe os objetos, no afã de arrumar, pelo menos, parece ser essa a intenção.

Pelo estado comum à velhice, apresentou quadro depressivo, perda de sono e desenvolveu medo de ficar sozinha, tal qual uma criança. Para dormir, somente mediante um sonífero, que também combate a depressão.

Os detalhes provenientes dessa situação, às vezes, são hilários. Um dia, chamou-me ao quarto e confidenciou-me que tinha muito dinheiro em sua casa e que mo daria, certamente em agradecimento aos cuidados que lhe dedicava. Outra feita, perguntou-me se eu era casado e se tinha filhos. Respondi que a minha mulher era sua nora e os meus filhos seus netos. Ah! Não sabia, não, respondeu.

Dependente, apegou-se a mim de tal maneira que me acompanha aonde vou, quer seja no banheiro ou em qualquer outro lugar. Teimosa e resistente, nunca faz o que se manda, sempre tem uma resposta malcriada e jamais assume os erros que pratica. E, em função disso, é uma pessoa difícil de se cuidar e optamos em zelar pessoalmente desses problemas com a ajuda de familiares, que nos dão o suporte necessário.

Em razão desses fatos, fiquei tolhido de certas liberdades, preciso ficar mais tempo em casa para os cuidados que se fazem necessários e, ao sair, sempre peço a uma pessoa da família para olhar a idosa.

Outro dia, a faxineira que passava pano na casa solicitou: ─ Velha, “arribe as pernas” para passar o pano.

─ Velha não senhora, me respeite, eu tenho nome, repreendeu à servidora com veemência. Vaidade?

Fala em demasia, contando casos desconexos. Evoca pai, mãe e irmãos já falecidos, expressando o desejo de vê-los; esquece dos fatos recentes, às vezes, alega que não se lembra de ter se alimentado. Ao ser questionada sobre acontecimentos passados, não se lembra de nada ou não quer se manifestar. Há, entretanto, surtos de lucidez em determinadas ocasiões, contando histórias, inclusive, dos tempos de criança.

Em nenhum momento imaginei que o quadro chegasse a esse ponto; embora não fosse surpresa, tinha outra percepção dessa condição, sem os agravantes verificados. Não contava com toda essa labuta. Nesse particular, o apoio familiar tem sido de suma importância. Apesar de tudo, não tem diabetes nem pressão alta, os exames não dão resultados significativos de alteração, apresentando, apenas, quadro de bronquectasia – dilatação crônica dos brônquios. Nessa questão, está medicada.

Com relação ao comportamento, houve alteração em função mesmo da idade, o que nos leva, ocasionalmente, a perder a paciência. O cuidador do idoso necessita de tolerância, paciência, carinho e, acima de tudo, amor, além da compreensão de que a proteção faz parte de uma obrigação de reciprocidade da vida: Os pais cuidam dos filhos e estes, mais adiante, cuidam dos pais. É o ciclo da vida – a inversão dos fatos.

É importante dizer que esse compromisso afetivo é responsabilidade da família, como reza o art. 230 da Constituição Federal ao estabelecer que “… a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e o bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida” e também ressalta Fátima Teixeira, Mestre em Assistência Social pela USP[1] segundo a qual “… nessa fase da vida o que o idoso necessita é sentir-se valorizado, viver com dignidade, tranquilidade e receber atenção e o carinho da família”.

Nem sempre isso acontece, por razões diversas.

ORAÇÃO DO IDOSO

(Padre Eduardo Dougherty)

Bem-aventurados aqueles que compreendem meus passos vacilantes e minhas mãos trêmulas.

Bem-aventurados os que levam em conta que meus ouvidos captam as palavras com dificuldade e por isso, procuram falar mais alto e pausadamente.

Bem-aventurados os que percebem que meus olhos já estão nublados e minhas reações são lentas.

Bem-aventurados os que nunca me dizem: Você já me contou isso inúmeras vezes!

Bem-aventurados os que desviam o olhar, simulando não ter visto o café que por vezes derramo.

Bem-aventurados os que sorriem e conversam comigo.

Bem-aventurados os que sabem dirigir a conversa e as recordações para as coisas dos tempos passados.

Bem-aventurados todos aqueles que me dedicam afeto e carinho, fazendo-me assim pensar em Deus. Quando entrar na eternidade, lembrar-me-ei deles, junto ao Senhor.

Bem-aventurados os que me ajudam a atravessar a rua e não lamentam o tempo perdido que me dedicam.

Bem-aventurados os que me fazem sentir que sou amado e não estou abandonado, tratando-me com respeito.

Bem-aventurados os que compreendem quanto me custa encontrar forças para carregar a minha cruz.

Bem-aventurados os que amenizam os meus últimos anos sobre a terra.

Amém!

Antonio Novais Torres

[email protected]

Brumado em 23/04/2011.

R/NDC.


[1] Fátima Teixeira: O idoso e a família: os dois lados da mesma moeda. Artigo publicado na Revista Partes.