A discussão sobre o semipresidencialismo ganhou corpo recentemente com o apoio de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, e de políticos como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-presidente Michel Temer (MDB).
Uma proposta sobre o tema foi protocolada na Câmara no ano passado e poderia ser colocada em andamento por Lira, mas há inúmeras divergências quanto à aplicação do modelo ao Brasil.
Mas o que é o semipresidencialismo?
Nesse modelo, existe um presidente, eleito pelo voto popular, e um primeiro-ministro, escolhido pelo Parlamento. Os dois compartilham atribuições governamentais, afirma Sérgio Praça, cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
As tarefas de cada um deles variam e dependem das designações determinadas pelo Parlamento local ao implementar o sistema. França e Portugal estão entre os exemplos de nações que adotam o modelo.
“Existe uma variação grande de país para país sobre quais são essas tarefas “, diz Praça. Caso o sistema fosse implementado no Brasil, as tarefas atribuídas ao presidente e ao primeiro-ministro seriam determinadas pelo Congresso.
Defensores da proposta afirmam que o semipresidencialismo permitiria maior estabilidade política ao país. Já os críticos dizem que o modelo seria de difícil aplicação no Brasil e não traria os efeitos pretendidos.
O autor da PEC (proposta de emenda à Constituição), deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), protocolou o texto em agosto do ano passado e afirma ter procurado Lira para fazer o texto andar na Câmara.
Em entrevista à Folha em julho deste ano, Moreira argumentou que o semipresidencialismo não visa ser contra ou a favor de Jair Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e sim um sistema para melhorar a governabilidade do país.
Ele defende que a mudança deixaria mais clara a coalizão formada para dar sustentação a governos. “O semipresidencialismo é uma evolução do presidencialismo. Não é um novo regime, é um novo modelo de governança.”
A proposta é criticada pelo PT, que lidera as pesquisas de intenção de voto para 2022, e por partidos de oposição a Bolsonaro, que veem nela uma tentativa de Lira de se esquivar da análise dos pedidos de impeachment.
O semipresidencialismo, em que o presidente, eleito pelo voto direto, seria o chefe de Estado, e um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso seria o chefe de governo, já vem sendo tema de discussão há alguns anos.
Caso ele fosse implantado agora, Bolsonaro perderia poderes, bem como seu sucessor em 2022 ou ele próprio, caso seja reeleito. O ministro do STF Luís Roberto Barroso, por exemplo, defende que o sistema seja adotado apenas depois de 2026.
Para Praça, caso a proposta fosse implantada no Brasil, o modelo não surtiria o efeito imaginado pelos defensores. Ele dá como exemplo a grande quantidade de partidos por aqui, diferentemente de outros países que utilizam o modelo.
“O único efeito que a implementação do semipresidencialismo teria no Brasil é confundir as pessoas, e não aumentaria a governabilidade, não diminuiria o impeachment como problema político permanente do país, não fortaleceria os partidos do ponto de vista organizacional programático”, diz Praça.
Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, também não considera viável o modelo no Brasil. “Seria um sistema de difícil compreensão acerca dos limites de cada ator para a população e que poderia nos levar a impasses institucionais ainda mais complicados do que aqueles que temos hoje.”
“Vivemos uma crise de governo hoje que não pode ser confundida com uma crise de regime. Nesse sentido, é mais importante educar os brasileiros para a cidadania e a compreensão das instituições vigentes que pensar em amplas reformas a cada véspera de um processo eleitoral, como temos feito atualmente.”
Lira tem dito que o semipresidencialismo é uma maneira de combater a instabilidade e melhorar a gestão. Ele argumenta que todos os presidentes da República foram alvo de pedidos de abertura de impeachment. No caso dos mais de cem pedidos contra Bolsonaro, cabe justamente a Lira analisar se aceita ou não a peça.
O Brasil já teve um plebiscito sobre o tema. A consulta ocorreu em 1993, e a população brasileira rejeitou a implementação do parlamentarismo, preferindo permanecer com o modelo presidencialista.
O que é o semipresidencialismo? É um sistema de governo em que existe um presidente, eleito por voto popular, e um primeiro-ministro, escolhido pelo Parlamento.
Quais as características desse modelo? As atribuições que ficam a cargo do presidente em um sistema presidencialista seriam divididas. Uma parte segue com ele, enquanto outra parcela passa a ser executada pelo primeiro-ministro. A forma como é feita essa divisão depende da formatação dada pelo Parlamento de cada país.
O que mudaria na eleição? A princípio, nada. O eleitor continuaria a escolher o presidente por meio do voto popular. Entretanto, as tarefas do presidente eleito seriam divididas com um primeiro-ministro, eleito pelos deputados federais.
Quem é o autor da PEC do semipresidencialismo? O deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).
O que prevê a proposta de emenda à Constituição? O texto estabelece que o primeiro-ministro seria preferencialmente um membro do Congresso, mas não exclusivamente. Também não existiria impedimento para que o cargo fosse ocupado por um parente do presidente que exerça atividade política.
Para o cargo de presidente da República segue valendo a mesma regra, eleito por voto popular. Já o primeiro-ministro seria indicado pelo presidente e, para ser chancelado pela Casa, teria que formar maioria no Congresso.
A Lei do Impeachment continuaria valendo para o presidente. No caso de uma crise, o primeiro-ministro poderia ser trocado diretamente pelo Parlamento. Depois de uma terceira troca, porém, o presidente tem a possibilidade de dissolver a Câmara. Neste caso, ocorreriam novas eleições para deputado federal.
Quando passaria a ter validade? A proposta é que o novo modelo, caso adotado, entrasse em vigor a partir das eleições de 2026.
Quem apoia uma mudança para o semipresidencialismo? A proposta tem apoio de ministros do Supremo como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso e de políticos como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-presidente Michel Temer (MDB).
Existem outros países que adotaram esse modelo? Cerca 50 países países no mundo utilizam esse modelo. Entre os de maior destaque estão Portugal e França. Entretanto, o formato de cada modelo varia de país para país e depende da formulação do projeto internamente.
Outros países podem servir de modelo para o Brasil? Especialistas apontam que o sistema político de cada local possui características próprias, por isso não seria possível simplesmente importar o modelo de outro país para o Brasil. Eles citam como exemplo o grande número de partidos brasileiros, o que não ocorre em outras nações semipresidencialistas.
O Brasil já teve algum modelo diferente do presidencialismo? A partir da Proclamação da República em 1889, o Brasil passou a ser um país presidencialista, ou seja, um presidente eleito pelo voto popular é o chefe do governo. O modelo durou até a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Com a saída dele do governo, quem deveria assumir o cargo era seu vice-presidente, João Goulart.
Por conta de divergências políticas e resistências ao nome do então vice por parte de alguns setores do país, o Congresso adotou o parlamentarismo, aproveitando que Goulart encontrava-se em viagem ao exterior.
Isso permitiu que Jango assumisse o cargo de presidente. Entretanto, as tensões políticas permaneceram. Meses depois, o Brasil voltaria ao presidencialismo. Com o golpe de 1964, o país passou a ser governado pelos militares pelas duas décadas seguintes.
Quais os argumentos dos defensores da proposta? A estabilidade é o principal. Quem defende o modelo afirma que ele evitará as instabilidades provocadas pela possibilidade de impeachment do presidente. Também argumentam que ficaria mais transparente para a população quais partidos realmente apoiam o governo, evitando negociações escondidas entre o presidente e partidos em busca de apoio no Congresso.
Quais os argumentos dos críticos? Um dos problemas apontados é que o semipresidencialismo confundiria os eleitores, dificultando a participação popular no processo político brasileiro.
Outro argumento está relacionado ao alto número de partidos existentes no Brasil. Isso poderia impedir a estabilidade almejada pela ideia.
Críticos também argumentam que ela tem sido defendida apenas como estratégia de Lira para se esquivar dos mais de cem pedidos de impeachment contra Bolsonaro que aguardam análise pelo presidente da Câmara.
Tayguara Ribeiro/Folhapress
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