Empresário da área de mineração, João Cavalcanti já foi convidado a entrar para a política, mas acabou permanecendo como empreendedor. Nesta entrevista à Tribuna, ele faz críticas ao estado de abandono de Salvador e fala da necessidade de o próximo prefeito da capital buscar parcerias com a iniciativa privada para mudar a realidade da cidade, que, segundo ele, precisa mais de uma gestão empresarial do que política.
Ele admite ainda o interesse em assumir a construção do Hotel Hilton, no Comércio. JC fala também sobre a ruptura com Geddel Vieira Lima e a afinidade com o governador Jaques Wagner.
Tribuna da Bahia – Como cidadão, como o senhor vê o estado de degradação em que se encontram os principais cartões- postais de Salvador?
João Cavalcanti – Sinceramente, eu acho que a cidade de Salvador está completamente abandonada no que tange, principalmente, a sua parte turística. Dizia-se que Salvador era muito parecida com Lisboa, com Portugal. Eu faço escala algumas vezes por lá e vejo que Salvador, na situação atual, sobretudo do Centro Histórico, não tem nada a ver com a cidade de Lisboa. Salvador, em minha opinião, está precisando de uma gestão até mais empresarial do que política. Os empresários precisam
participar mais da gestão.
Tribuna – Qual a sua avaliação sobre a gestão do prefeito João Henrique?
JC – Eu tenho um bom relacionamento com o prefeito João Henrique, mas acho que falta à gestão dele um quadro mais técnico, ou seja, com perfil mais técnico do que político. Essa é uma mudança que está acontecendo em nível mundial. Podemos falar da própria presidente Dilma, ela está tentando tirar o aspecto político dos seus ministros e colocar profissionais mais voltados à gestão empresarial, técnica. Tanto é que ela convocou o grande empresário (Jorge) Gerdau para poder coordenar (a Câmara de Políticas de Gestão,
Desempenho e Competitividade do governo federal) e respaldar seus ministérios.
Tribuna – Dos pré-candidatos que estão colocados até agora para a prefeitura, qual o senhor acredita ser o que reúne melhores condições de agregar e começar a construir uma história diferente para Salvador?
JC – Olha, todos os nomes que postulam nesse momento a prefeitura demonstram interesse em ajudar a cidade, todos são profissionais, são pessoas extremamente qualificadas e podem dar uma gestão mais eficiente e mais técnica ao município. Agora, do ponto de vista político, de você pensar quem vai
ganhar essa eleição, se a oposição não se unir, não apresentar um projeto para Salvador, vai ficar difícil ganhar para o candidato do PT, o senhor Nelson Pelegrino, ao qual eu tenho grande apreço. Sem contar que o governador Jaques Wagner poderá ter força para eleger seu candidato.
Tribuna – Qual deve ser a prioridade da próxima administração de Salvador?
JC – Hoje eu moro entre São Paulo e Salvador, mas fico mais em São Paulo e no exterior, mas não abandono a minha terra. Pra mim, o que falta aqui é a questão do transporte de massa. Eu conheço essa história do metrô, que está sendo feito há quase 15 anos e a gente não deslancha porque faltou preocupação com a gestão técnica a todos os prefeitos que passaram por aqui. A China, país que visito muito, tem um bilhão e duzentos milhões de habitantes, e tem uma organização maravilhosa no transporte de massa. Inclusive, ao invés de o João Henrique e o João Leão irem para a Espanha ver o metrô, eles deveriam visitar cidades como Xangai e Pequim e ver que o transporte, numa população daquela, funciona. Então, aqui, qualquer prefeito que entrar tem que resolver o problema da mobilidade e do transporte de massa. Tem ainda o problema sério do Pelourinho, que está muito degradado, não é? Eu nunca vi o Centro Histórico na degradação que está. Eu acho que o único governo em que houve uma recuperação maior no Pelourinho foi com o senador Antonio Carlos Magalhães. Por isso, defendo que a iniciativa privada seja convocada, a Odebrecht, a OAS, Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez, empresas do Polo Petroquímico que têm interesse na Bahia, para que possam ajudar na recuperação do Centro Histórico.
Tribuna – O senhor acredita que o empresariado poderia ou deveria investir mais, dando sua contrapartida à cidade?
JC – Total. Eu acho que é isso que precisa acontecer, essa consciência do empresariado. Se o empresariado está aqui na Bahia, ele deve investir, dar sua contrapartida. Tem a rede hoteleira com seus hotéis de classe internacional, a rede de shopping centeres, da construção civil, de serviços, que deveriam administrar junto com a prefeitura. Fazer uma gestão compartilhada público-privada na recuperação da cidade. A Odebrecht, por exemplo, uma empresa que é baiana, que ganhou muito dinheiro no estado da Bahia, e a OAS deveriam assumir alguns compromissos. ‘Eu vou recuperar esse quarteirão, você vai recuperar aquele’. Eu acho que deveria haver esse compartilhamento e esse comprometimento.
Tribuna – O senhor anunciou certa vez aqui na TB o desejo de criar um fórum que reunisse o empresariado para ajudar o poder público através de parcerias público-privadas. Ainda é possível viabilizar isso? O que falta para colocar em prática?
JC – Essa iniciativa tinha que partir do próprio prefeito, da gestão municipal. Já que houve essa ideia de criar um fórum empresarial, convocar o empresariado para ajudar Salvador e a Bahia nessa recuperação, deveria partir da prefeitura, da Câmara de Vereadores, ver quais são, realmente, os empresários que demonstram interesse e convocar, constituir um fórum e traçar metas para resolver essa situação da cidade.
Tribuna – Falta na Bahia a atuação de empresários, como o Eike Batista, que dialoga com o poder público do Rio, que está preocupado em interferir no dia a dia da cidade e do estado?
JC – Falta sim. Eu, por exemplo, sou um exemplo típico. Falta ao empresariado baiano uma visão de médio e longo prazo. O empresariado daqui se acostumou muito. O da construção civil só investe praticamente na construção civil. Outro setor que o empresariado baiano investe é a pecuária, muito pouco na agricultura. Falta ao empresariado o sentido de longo prazo. Eu, por incrível que pareça, tenho procurado investir no estado da Bahia também em outros setores alem da mineração. Tenho investido em hotelaria muito fortemente na região do Baixo Sul, em Ilhéus e Itacaré, e estou analisando oportunidades de negócios aqui na Grande Salvador no setor de turismo.
Tribuna – Algo que possa adiantar para a gente?
JC – Eu estou estudando ainda. Foi-me ofertado ali na Cidade Baixa o Hotel Hilton. Estava nas mãos de uns portugueses e eles não fizeram nada com o projeto. Simplesmente colocaram tapume na frente. Na verdade, eles não gastaram nem um R$1 milhão e vieram me pedir R$19 milhões. Esse contato foi feito através de uma conversa que eu tive com João Leão. Eu tive interesse de partir para a implantação do Hilton no Mercado Modelo, mas os valores que pediram foram absurdos. Eu me interessaria se o governo estivesse disposto a abrir mão, se tirasse os portugueses do ar porque eles não fizeram nada. Aí eu toparia discutir o projeto e fazer algum investimento nessa área. Além disso, estou estudando a ampliação de um hotel boutique no Rio Vermelho, que já opera, mas teria que dobrar ou triplicar a oferta de apartamentos. Tem ainda uma casa na Graça também muito bonita, próxima a Igreja da Graça. Estou estudando a aquisição dela para fazer um investimento de alto luxo, pensando em 60 apartamentos voltados para o público AA internacional.
Tribuna – De que forma o senhor avalia a capacidade do estado, hoje, de se desenvolver?
JC – O estado, durante os governos anteriores, não teve foco muito industrial. A Bahia ficou muito concentrada nos investimentos de desenvolvimento na Grande Salvador, que é uma península e não tem mais como crescer. Mas a Bahia precisa se desenvolver. O governador Jaques Wagner quando assumiu a primeira vez até procurou dar uma interiorização mais agradável ao estado. O desenvolvimento da Bahia tem que ser à base dos corredores rodoviários, como é em São Paulo. A criação desses corredores aqui tornaria nosso estado o centro financeiro do Nordeste.
Tribuna – Quais os principais gargalos que travam o desenvolvimento da Bahia?
JC – O principal gargalo que estamos vivendo hoje é na questão do transporte e da logística de um modo geral. As estradas foram até bastante recuperadas pelo governador
Jaques Wagner. A obra da ferrovia (Oeste-Leste) está em plena ação, em pleno pique. O porto sul já é outra realidade, tem que sair. Até porque a Bahia tem a maior costa do Brasil e não tem porto decente. Você tem o porto de Salvador extremamente sucateado e superado. Não tem calado para navios de grande porte. Os navios ficam todos fundeados aí na baía porque não têm como encostar. O Porto de Aratu também está sucateado. A maneira de você dar um salto no desenvolvimento da Bahia é através da implantação do Porto Sul que, quer queira ou não, vai sair. A presidenta Dilma está bem consciente que o Porto Sul é uma realidade porque não vai atender só a Bahia. Esse projeto, aliado à Ferrovia Oeste-Leste, será fundamental para dar escoamento à produção de minérios, à produção agrícola, ao fluxo turístico.
Tribuna – O senhor acredita que esses dois projetos já são realidade ou ainda existe o risco de não serem viabilizados?
JC – São realidade total. Eu lhe diria que os “urubus” de plantão, as pessoa que não querem ver o bem da Bahia, ficam falando por aí que não existe, que não é realidade. A ferrovia é uma realidade e está aberta para quem quiser visitar. Eu fui homenageado outro dia em Brumado pelas construtoras e pela própria prefeitura porque, graças à descoberta da mineração, graças ao desenvolvimento do projeto de minério de ferro em Caetité, que foi uma descoberta nossa, da nossa equipe de geólogos, que se tornou viável a Ferrovia Oeste-Leste. Um projeto de 50 anos atrás do deputado Vasco Neto, que queria ligar o Atlântico ao Pacífico, saindo do porto de Campinas. Agora existe uma minoria que o governador tem que ter cuidado. Eu acredito que isso parta até de dirigentes do governo do Ceará, de Pernambuco, do Espírito Santo, do Rio e de São Paulo que não têm interesse que o porto saia.
Tribuna – Essa junção do Porto Sul com a Ferrovia Oeste-Leste vai mudar a realidade do desenvolvimento do estado?
JC – Isso com certeza. Hoje nós não temos um canal de escoamento para os nossos produtos minerais e nem os produtos agrícolas. Nós não temos calado nos portos atuais. As ferrovias que estão aí não suportam cargas desses volumes. Só com o projeto da Bahia Mineração vão ser escoadas 20 milhões de toneladas pela ferrovia. Só os grãos são mais quatro milhões de toneladas. E eu faço parte de uma empresa do Grupo Votorantim, que é a Sul Americana de Metais S/A, e nós vamos ter que sair pelo Porto Sul. Nossa jazida é em Minas Gerais, mas nós vamos trazer o nosso minério, vamos colocar mais 30 milhões de toneladas no Porto Sul. Só esses dois projetos da Votorantim e da Bahia Mineração são de 50 milhões de toneladas que vão ser exportados através do Porto Sul. Eu lhe diria, inaugurando o Porto Sul ele já começa com 100 milhões de toneladas de carga sendo movimentada. Então, ele já sai como o segundo maior porto do Brasil em movimentação de carga. Por aí você vê a importância dele.
Tribuna – Uma das secretarias que o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli está cotado para assumir é a de Indústria e Comércio. A vinda dele pode impulsionar o desenvolvimento do estado?
JC – Eu não tenho nenhuma intervenção na gestão do governador Jaques Wagner, mas diria a você que o senhor James Correia é um excelente secretário. Ele está, inclusive, à frente dos projetos do Porto Sul e da ferrovia juntamente com o chefe da Casa Civil, Rui Costa, que ficou no lugar da Eva Chiavon, que era a Dilma do Wagner. O Gabrielli é um cara competente, a gente vê pela Petrobras, mas ele poderia ir para outra secretaria. Eu não estou aqui para indicar qual, isso é uma escolha do governador, mas acho que não deveria mexer no James Correia.
Tribuna – Vamos falar um pouco sobre política. Já chegou a se filiar ao PT? Quais são seus planos futuros no ambiente político?
JC – Olha, a minha ligação com o governador Jaques Wagner é fraternal e sempre foi muito forte. Desde a primeira eleição, quando ele foi eleito, eu o apoiei. Como empresário eu o apoiei. Tenho uma admiração muito grande pela capacidade administrativa, de diálogo e gestão do Wagner. Em determinado momento fui convocado pelo PMDB para fazer parte da chapa do Geddel (Vieira Lima) quando os dois, PMDB e PT, ainda eram partidos aliados na Bahia. Infelizmente, naquele momento, eu pedi um tempo para dar a resposta. Filiei-me em uma mesa de restaurante, viajei para a Ilha e pedi um prazo à pessoa que me convidou para que aguardasse a minha volta para eu falar se queria realmente entrar na vida política como vice ou senador. Mas infelizmente o senhor Lúcio Vieira Lima declarou na imprensa, na própria Tribuna da Bahia, a conquista do PMDB, me chamando, inclusive, de coisas que eu não gosto, de bilionário. Eu detesto esse termo. Eu sou empreendedor, nem empresário eu sou. Empresário para mim é o Norberto Odebrecht, o Antônio Hermírio de Moraes, o Jorge Gerdau, que são pessoas que realmente têm um trabalho muito dedicado ao Brasil.
Tribuna – E a relação com o Geddel?
JC – Olha, eu convivi com o Geddel um período, admirei muito ele pela sua capacidade administrativa, tive no Ministério (da Integração Nacional) algumas vezes em Brasília, mas pensamos um pouco diferente. Temos metodologias de trabalho diferentes. Foi quando eu resolvi me afastar e aí, voltei aos meus amigos, ao Wagner. Ele e o Lula me convidaram para fazer parte do PT. Inclusive, houve um convite para a minha filiação. O detalhe é que não coincidiram as datas ainda. Quando o presidente Lula vem para cá, eu estou fora, quando eu estou aqui, ele não está. Então ainda não houve essa coincidência.
Tribuna – O senhor tem alguma pretensão política, alimenta algum desejo de se candidatar a um cargo eletivo?
JC – Não. Eu lhe diria que o meu foco é totalmente empresarial. Hoje eu não aceitaria, não entraria mais na situação que eu entrei. Inclusive, o governador Jaques Wagner me perguntou: o senhor tem algum interesse político? Eu falei: Wagner, não. Eu prefiro ajudar a Bahia como eu já venho ajudando, trazendo projetos para o estado. Ajudando como empreendedor, eu não sou empresário. Só a implantação da Ferrovia Oeste-Leste, mais o Porto Sul, mais os empreendimentos de mineração que estão sendo implantados, que eu trouxe para a Bahia, vão ser gerados nos próximos dois anos 100 mil empregos diretos e indiretos. Essa é a maior contribuição que eu posso dar para a Bahia. Agora, eu tenho a minha afinidade política com o governador Jaques Wagner, com o presidente Lula, com a Dilma e vou continuar contribuindo, dando a minha participação empresarial para que o Partido dos Trabalhadores faça um bom governo na Bahia e no Brasil.
Tribuna – A gente chegou a citar os irmãos Vieira Lima, o Geddel e o Lúcio. O que o fez, realmente, deixar o PMDB e como é a relação do senhor, hoje, com eles?
JC – Eu não tenho nenhuma consideração nem crítica a fazer sobre nossos relacionamentos. Acontecia que, por várias vezes, foram discutidas as chapas e eu participei ativamente da vinda do César Borges para a chapa do PMDB. O Geddel me pediu que eu atuasse firme para tirar Borges da candidatura que ele já estava acertando com o governador Jaques Wagner. Tive reuniões com Borges em São Paulo, participei até o penúltimo dia da vinda dele para a chapa do PMDB. Daí, de um domingo para a segunda recebi uma notícia através da imprensa que o Geddel disse que só tinha duas pessoas certas para a chapa. Era ele e o César Borges. Então, achei por bem, naquela hora, comunicar minha saída, de que não me interessava mais participar da chapa. E além disso eu não estava muito confortável, entendeu? Em função do meu relacionamento pessoal com o governador e o Lula. Colaborou: João Arthur Alves
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