Falso cônsul de Guiné-Bissau, Adailton Maturino fez fortuna no Oeste da Bahia a partir de 2015, quando uma área de 366 mil hectares, equivalente a cinco vezes o tamanho de Salvador, foi passada ao borracheiro José Valter Dias e a esposa Ildenir Gonçalves Dias por meio de uma portaria administrativa do Tribunal de Justiça. A área era ocupada desde a década de 1980 por cerca de 300 produtores de soja, os quais, após a edição da portaria, passaram a ser prejudicados por uma série de decisões do Judiciário.
Valter Dias e a esposa entraram com ação judicial possessória em 1985, um ano após os produtores – a maioria do Paraná – chegarem à região, incentivados pelo Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados. Em 2017, uma liminar do juiz Sérgio Humberto Sampaio, emitida em plena colheita, forçou os agricultores a deixarem as terras, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Eles foram forçados a fechar acordos considerados extorsivos com os novos proprietários, pelos quais tinham que pagar parte de sua produção para que pudessem permanecer nas terras disputadas.
O valor cobrado variava entre 25 e 80 sacas de soja por hectare, parcelado em até seis anos. A investigação do MPF aponta que o valor total pago pelos agricultores chegou a R$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, José Dias criou uma holding, a JJF Investimentos, para administrar as terras e receber as sacas de soja. Seus sócios são o filho, Joilson Gonçalves Dias, e Geciane Maturino, esposa de Adailton.
O relatório sobre o fluxo financeiro de Maturino, informa a decisão do STJ, aponta que entre 1º de outubro de 2013 até hoje ele movimentou quase R$ 34 milhões entre créditos e débitos, dos quais R$ 14,5 milhões “não apresentam origem e destino”.
Com tamanha fortuna, vivia uma vida de festas e luxos: shows no Wet’n Wild com direito a pulseirinhas do “camarote do cônsul”, lanchas, carros importados, imóveis e avião também fazem parte da lista de ostentação.
Em outro flanco, o MPF aponta dois assassinatos como queima de arquivo. Tratam-se de pessoas que seriam testemunhas de acordos sobre pagamento de propinas a magistrados. “O responsável pela divulgação da negociação indicada, Genivaldo dos Santos Souza, foi executado em praça pública, com oito tiros, em 29 de julho de 2014. O guarda municipal Otieres Batista Alves, identificado como executor dos disparos contra Genivaldo, foi vítima de homicídio com características de execução em 3 de setembro de 2018”, diz o MPF, ao citar suposta propina de R$ 1,8 milhão para a desembargadora Maria da Graça.
Operação Faroeste
O processo conhecido como o maior caso de grilagem da história do país está no centro da Operação Faroeste, que levou ontem ao afastamento do presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ), Gesivaldo Britto, outros três desembargadores e dois juízes da Corte por suspeita de envolvimento em um esquema de venda de sentenças em ações sobre a posse de terras no Oeste baiano. Além dos seis magistrados, 16 pessoas também foram alvos de mandados de prisão temporária e de busca e apreensão autorizados pelo ministro Og ernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Além de Britto, os desembargadores Maria da Graça Osório Pimentel Leal, Maria do Socorro Barreto e José Olegário Caldas e os juízes Marivalda Almeida Moutinho e Sérgio Humberto Sampaio foram afastados do cargo pelo STJ. A medida, válida por 90 dias, foi determinada por Fernandes a pedido do Ministério Público Federal (MPF). O afastamento ocorreu durante a Operação Faroeste, realizada ontem pela Polícia Federal, que ainda prendeu quatro beneficiados do suposto esquema criminoso.
A investigação, antecipada em 14 de outubro pela coluna Satélite, do CORREIO, apontou, segundo o MPF, uma “teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ, bem como advogados, produtores rurais e outros atores do referido estado, em um esquema de venda de decisões para legitimação de terras no oeste baiano”. Entre os casos sob a mira da Faroeste, está a disputa por 366 mil hectares transferidos para o empresário José Valter Dias, um ex-borracheiro da cidade de Barreiras.
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) |
Presos
Os quatro presos, em caráter temporário de cinco dias, são Adailton Maturino; sua esposa, Geciane Maturino; Antônio Roque do Nascimento Neves, secretário judiciário do TJ e principal assessor de Gesivaldo Britto; Márcio Duarte Miranda, advogado e genro da desembargadora Maria do Socorro. A detenção, de acordo o STJ, foi decretada “porque, nas palavras do MPF, eles compõem o núcleo duro da dinâmica de avanço da corrupção sobre o Poder Judiciário baiano, bem como coordenação e materialização de todo o fluxo de recebimento e movimentação de recursos financeiros de origem criminosa, capitalizados pela organização”.
Adailton Maturino é apontado na investigação como idealizador e articulador de todo o esquema. Ele atuava como representante da Associação Profissional dos Trabalhadores na Corte e Tribunal de Mediação e Conciliação da Justiça Arbitral do Brasil, mesmo “sem qualificação técnica comprovada para atuar como mediador ou conciliador”. Além disso, apresentava-se falsamente como cônsul de Guiné-Bissau no Brasil (leia mais na página ao lado).
De acordo com o MPF, Maturino escorava-se “na atuação de advogados e servidores do TJ, com intermediadores de venda de decisões judiciais por desembargadores e juízes, a fim de realizar gigantesco processo de grilagem no Oeste baiano”. Os investigadores afirmaram ainda que o esquema era baseado no uso de “laranjas” e empresas criadas para “dissimulação dos ganhos ilicitamente auferidos” pelo grupo desbaratado pela operação.
Dono de 13 CPFs em seu nome, Maturino apresentava-se também como juiz aposentado e mediador, além de ser apontado como juiz arbitral pela esposa, segundo o MPF, “sem que, na verdade, tenha exercido ou possua qualificação profissional para exercer qualquer dessas funções e cargos”. Antes, ele foi preso no Piauí ao tentar furtar um processo no Tribunal de Justiça daquele estado.
Cerco
Na manhã de ontem, cerca de 200 policiais federais cumpriram 40 mandados de busca e apreensão em gabinetes do TJ, fóruns, escritórios de advocacia, empresas e residências dos investigados em Salvador, Barreiras, Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia, na Bahia, e em Brasília (DF). Na lista, estão o juiz do TJ Márcio Braga e a advogada Karla Janayna Leal Vieira, sobrinha da desembargadora Maria da Graça e suspeita de receber valores que seriam destinados à magistrada.
Em nota, o TJ declarou que “foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal” e que “ainda não teve acesso ao conteúdo do processo. “A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do TJ serão prestadas, posteriormente, com base nos princípios constitucionais”.
Já a Ordem dos Advogados na Bahia considerou “indispensável uma apuração profunda e rápida”, disse que vai pedir cópia e acompanhar o processo e que, como sempre defendeu a presunção de inocência, “não fará qualquer juízo acerca da culpabilidade de quem quer que seja, até a conclusão das investigações”.
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