Hoje, um ano depois, [… ] no mesmo canto onde escrevi lamento dedicado ao meu amigo Cleziu BESSONY – “DIVAGO EM RECORDAÇÕES”. Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores.

Juliana_Flores

Por Valdir Gomes Barbosa –

                       

Como fizemos nesta sexta do agora, contando vantagens e mentiras perdoáveis, entre goles, risos, até pasteis queimados e trocados na pândega, para irritar o anfitrião, por nacos suculentos de fígado bem temperado, eu e meu jovem amigo, também compadre, Clésiu Bessony, ano passado, em igual canto, no bar do caro Nilton, figura marcante desta Conquista de açúcar, se não me falha a lembrança rodeados por alguns dos mesmos amigos, desanuviando as tensões de uma semana laborativa, fazendo planos frente a um sábado e domingo rapidamente se avizinhando, não podíamos adivinhar que na manhã seguinte, a vida nos pregaria uma de suas trágicas peças.

No dia posterior, depois de aviso que me parecia despropositado, corro à casa onde morava minha cara e dileta colega, mais que amiga, Juliana Flores, mãe de Solon e Mariana, filhos de Cleziu e os encontro despetalados. Um mal súbito fulminante leva, sem avisos, para longe de todos nós, aquela figura corajosa. Assisto zonzo sair em direção ao velório, o corpo da jovem mãe e esposa extremosa, colega de profissão sem reservas, com quem ainda pude sonhar sonhos de polícia, como tantos que conto, nas histórias agora narradas em meus relatos.

Gostava de se dizer neta do baluarte, Olívia Flores, exemplos ambas de criaturas fortes, valentes e decididas. Comentava-se dela, a primeira mulher Coordenadora de Polícia de Vitória da Conquista, ser a Katia Alves do interior. Fui assessor desta e sou, também, seu fraterno amigo, por isso posso aduzir que não seria despropositado dizer: Katia Alves é Juliana da capital.

Assim é o destino. Lágrimas sentidas que se superpõem a risos largos, quando menos esperamos e da forma mais inusitada, transformando em segundos o sucesso em insucesso, a esperança em dor, a alegria em martírio, a alegre e larga estrada da vida, em estreito calvário, o dia luminoso, em noite escura e tenebrosa, os jardins de flores, em densas montanhas de espinhos.

Sabemos que tudo passa, pois a dinâmica da vida tem o condão de repor coisas aos seus lugares, refazer das cinzas sítios arrasados, sonhos destruídos, verdades desditas. A mágica da existência soberana é capaz de apagar incêndios exteriores e intestinos, reestruturar florestas de verdes e de sonhos, recuperar enfermos, resgatar perdas, sufocar lágrimas, acender faróis apagados, prontos a reiluminar caminhos onde voltam a transitar velhas e novas convicções.

Mas a morte, esta verdade única, alameda de todos nós viventes, a despeito de se constituir numa porta aberta para um infinito que resgata tudo, deixa naqueles que irão depois uma lacuna imensa, quando partem nossos entes mais queridos, sobretudo se isto ocorre de forma prematura deixando, a nosso ver – porque as coisas do Divino estão além da compreensão dos míseros mortais – coisas por fazer, filhos por criar, amores por curtir, fazendo afloradas dores que sangram para sempre no coração daqueles que ficam.

Permito-me reprisar trecho do meu livro, Saques e Tiros na Noite, recém-publicado em Salvador e aqui, na terra do frio, escrito antes da passagem de Juliana, onde trato do assunto, quando fiz homenagem, na época, a amigos que se tinham ido.

…Aliás, creio que cada amigo que nos deixa, apesar da certeza quanto à inexorabilidade da vida, do respeito às leis indiscutíveis do Criador, posto que perfeitas, da convicção de que o espírito transcende à matéria, em nós fica um vazio impreenchível. Por mais que devamos entender que a vida continua, que não se caminha para trás, por mais que novos amigos surjam, muito embora saibamos que amigos são raros, digo que a lacuna de cada amigo que parte não pode ser reposta por quem quer que seja, na medida em que determinado lugar está reservado no nosso coração, na nossa alma, apenas e exclusivamente para aquele específico amigo, desde o ontem mais longínquo, ao hoje do presente, até o amanhã do eterno infinito.

Quem poderá refazer, no centro do meu peito, o espaço enorme que se formou em mim, quando se foi o maior amigo; meu pai? Quem substituirá o ambiente que pertencia exclusivamente a meu irmão Valney, no lado esquerdo deste mesmo peito? Quem ocupará as lacunas abertas por motivo das ausências de Maia; de Wilson, dono do Pisa na Fulô, restaurante em Conquista; de Dr. Brandão; de Renanzinho Sales; do magnífico policial Raimundo Nonato; de Luiz Almeida Filho? Luizinho, grande causídico, criminalista, colega de sala na faculdade de Direito, guru da nossa turma, por ser o mais experiente de todos na classe universitária quando estudávamos, ditava o tom, tendo sido, desde então, a bússola que nos orientou, tanto no tempo acadêmico, como no dia a dia do depois estudantil, até quando mudou em definitivo. Ninguém, absolutamente ninguém poderá dispor daquela gleba única e exclusiva que esteve, está e estará destinada a cada um dos verdadeiros amigos, no latifúndio etéreo que compõe este ser invisível de todos nós… .

Hoje, um ano depois, coincidentemente madrugo sentado no mesmo quarto da Pousada da Conquista, coração apertado, porta aberta, mirando serra abaixo a imensidão desta cidade que amo, vendo-lhe a luzes como se olhasse um presépio, no mesmo canto onde escrevi lamento dedicado ao meu amigo Cleziu – Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores – e volto a fazê-lo prestando a Juliana, sincera homenagem, por força desta data cheia de nostalgia. Faço minhas as palavras do velho A.C.M. quando disse: “Não existem pessoas insubstituíveis, existem pessoas insuperáveis”. Minha colega e amiga que se foi tão cedo era uma delas.

Espero que Deus conceda sempre a Cleziu, Solon e Mariana, como de resto àqueles que lhe amam, inclusive a mim, total resignação pela perda, lastreada no consolo por saber que ela está na plenitude do seu ínclito ser, em sua nova morada, enviando a todos, energias positivas e benfazejas. Repriso o último parágrafo daqueles citados escritos, na esperança de que, vez por outra, aquilo do quanto trato nele, se faça ocorrer.

Amigo Cleziu:

…Irás crer. Vaticino. Vez por outra uma abelha mansa roçara de leve seu rosto quando menos estiveres esperando, por força da lembrança doce. Cada vez que isto ocorra, mesmo que uma lagrima sentida role em sua face, estarás mais forte e resistente. Da mesma forma também seus frutos.

Valdir Barbosa, Vitória da Conquista, 27 de outubro de 2013.

fonte  blog resenha geral