Enchemos a terra de fronteiras e bandeiras, entretanto, temos duas nações: a dos vivos e a dos mortos – Mia Couto
A admiração intelectual ao filosofo-escritor Friedrich Nietzsche vem desde os tempos acadêmicos na UFBA, quando participava dos movimentos grevistas – assembleias gerais nas faculdades, os debates fervilhando argumentos políticos com menções literárias nietzschianas – na luta de resistência à ditadura nos anos setenta. Relembro que folheava livros ou artigos em revistas de filosofia, quando este prussiano-alemão nos encantava com as frases universais, sem vocabulário hermético, no estilo aforístico que atingia a poética; mas confesso que não apreendia as suas mensagens filosóficas na inteireza.
Depois do livro Quando Nietzsche chorou por I. Yalon, o interesse no alemão da Basiléia cresceu com leituras mais frequentes, ainda que assistemáticas. Passei a adotar uma tática de leitura para a minha iniciação em filosofia: contextualizar os textos e os princípios filosóficos do autor – igualmente noutros – com a sua biografia. A filosofia em Nietzsche tem um esteio existencialista muito marcada pelo seu contexto familiar; sua fragilidade física e psicossomática – portador de infecção com acometimento neurológico e crises de enxaqueca -, temperamento impulsivo, a misantropia e iconoclastia, configurando os pilares viscerais, cognitivos e afetivos da sua produção literária.
Os livros Assim falou Zaratustra e Humano, demasiado humano são paradigmáticos, nos remetendo a elucubrações que irrompem a cotidianice dos consensos sociais prevalentes à sua época. A tese do eterno retorno, o ubermensch transcendente e o anticristo, são vetores da ruptura na hegemônica estrutura política vigente, na moral e no devir existencial, no proselitismo das religiões, mormente o cristianismo católico. As suas citações são como pílulas concentradas de sabedoria, de iracundia, do sofrimento inconformado, de um pessimismo recriador para a transvalorização humana.
Os martelos filosóficos do Nietzsche comovem por sua inquietação e inteligência fecunda, dolorida mas transformadora, porque instigante para a ruptura da servidão humana até os nossos dias. Ademais da influência teleológica na psicanálise freudiana, assim na política, na literatura universal, postumamente. Os seus aforismos lidos e anotados pelos leitores também justificam a minha dedicação ao habito de escrever nesta tribuna jornalística, há mais de duas décadas. Estivesse vivo em nossos dias, o filosofo martelaria com veemência contra as guerras mundiais em curso; certamente a sua exortação soaria como um tambor contra essa estupidez, demasiadamente desumana!
Dr. Marcos Luna, médico escritor, pós-graduado na Harvard Medical School UFBA
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