O grupo de juristas e representantes da sociedade civil que em setembro pediu ao Senado o impeachment do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) – formado pelos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, Sérgio Sérvulo da Cunha e Álvaro Augusto Ribeiro da Costa; a ativista de direitos humanos Eny Raymundo Moreira; e o ex-deputado e ex-presidente do PSB, Roberto Amaral – reforçou a medida, agora junto à própria Suprema Corte.
Na sexta-feira (13), o advogado que representa o grupo, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcello Lavenère, protocolou no STF um Mandado de Segurança contra o ato do presidente do Senado, Renan Calheiros, que negou o seguimento do pedido de impeachment e determinou seu arquivamento imediato. O pedido foi protocolado em 13 de setembro e arquivado já no dia 21.
Renan alegou que não caberia ao Senado processar e julgar um ministro do STF por condutas atinentes exclusivamente ao cargo, função que, argumenta, seria dos órgãos próprios de fiscalização do Judiciário, em observância ao princípio da separação e harmonia dos Poderes da República. Para os juristas, no entanto, o ato do presidente do Senado foi ilegal, pelo que o Mandado de Segurança pede a sua anulação ao Supremo Tribunal e a continuidade do processo no Senado.
Eles contestam a competência do presidente do Senado para, isoladamente, decidir sobre o pedido, sem submetê-lo à apreciação dos demais membros da Mesa Diretora da Casa. Levantam também a questão da suspeição de Renan, que por ser réu em processo no STF, não poderia decidir sobre algo que beneficia um dos ministros que deverá julgá-lo. Por fim, apontam falta de fundamentação jurídica para justificar o arquivamento da peça.
Os juristas pedem ao STF que declare a nulidade do ato de Renan Calheiros e determine o encaminhamento do pedido de impeachment de Gilmar Mendes à Mesa do Senado, para o devido seguimento do processo de acordo com o estabelecido no Regimento Interno da Casa. E que, caso não concorde, o STF ao menos reconheça o impedimento do senador no caso e determine o envio do pedido ao seu substituto legal. O Mandado de Segurança pede ainda que, caso não seja adotada essa alternativa, o Supremo Tribunal ordene a Renan que profira outra decisão devidamente fundamentada.
Fundamentos do Mandado de Segurança
O advogado Marcello Lavenère sustenta que a decisão de Renan Calheiros afrontou o direito líquido e certo dos juristas de oferecer denúncia contra ministros do STF no Senado, assegurado pela Constituição Federal (artigo 52), pela Lei 1079/1950 (artigos 38 e 44) e pelo próprio Regimento Interno do Senado Federal (artigos 377). Esse conjunto de legislação determina que compete privativamente ao Senado processar e julgar ministros do Supremo nos crimes de responsabilidade e estabelece normas para o processo e julgamento desses crimes (artigos 379, 380 e 382 do Regimento Interno do Senado), pelas quais é da competência legal da Mesa – e não do Presidente – receber ou não a denúncia ou pedido de impeachment.
“Essa competência específica da Mesa não pode ser usurpada pela Presidência do Senado, pois os dois órgãos são distintos e têm jurisdições próprias”, afirma Lavenère, que em 1992, junto com Barbosa Lima Sobrinho, assinou o pedido de impeachment contra Fernando Collor de Mello. Ele comprova no Mandado, pelos Diários do Senado, que não houve nenhuma consulta de Renan à Mesa Diretora sobre o pedido, bem como nenhuma manifestação desta no processo.
Outro vício legal apontado pelo Mandado de Segurança é a falta de imparcialidade de Renan Calheiros ao decidir sobre pedido de impeachment contra autoridade que está prestes a julgá-lo em processos no STF. Ele foi denunciado perante o Supremo Tribunal por crime de peculato bem antes do protocolo do pedido de impeachment dos juristas – Inquérito 2.593/DF, relator ministro Edson Fachin. E, após isso, vários outros pedidos de instauração de processo criminal contra ele, encaminhados pela Procuradoria Geral da República, foram admitidos pelo STF.
“O senador Renan Calheiros estava absolutamente impedido de despachar em processo de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes, pois tinha conhecimento da possibilidade de vir a ser julgado por ele em virtude desses processos e é inegável seu interesse em não contrariá-lo ao denegar o pedido”, afirma Lavenère no Mandado. A imparcialidade, destaca ele, é elemento nuclear do exercício das funções estatais, especialmente do devido processo legal. Por isso, a ausência de isenção é tratada nos Códigos de Processo Penal (CPP) e Civil (CPC), que determinam que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que ele próprio for diretamente interessado no feito. “Esta conjuminância de réu e juiz, juiz e réu, é inaceitável no sistema jurídico brasileiro”, resume o advogado.
O Mandado de Segurança também rebate os argumentos de Renan para negar o pedido de impeachment – de que não havia justa causa para embasar o processamento da denúncia e que esta havia sido amparada exclusivamente em matérias jornalísticas e supostas declarações do ministro Gilmar Mendes. Para os juristas, a fundamentação do presidente do Senado foi apenas aparente e tem omissões flagrantes sobre os pressupostos legais que justificariam a medida.
“Sobre a justa causa, ele usou tão somente uma petição de princípio, que não preenche a exigência jurisprudencial. E sobre o amparo em matérias jornalísticas, seu próprio despacho o contradisse ao mencionar, mais adiante, ‘o conjunto probatório carreado aos autos’ (sic)”, pontuou o advogado Marcello Lavenère. “A denúncia foi, sim, acompanhada de conjunto probatório: autos judiciais, atas e acórdãos do STF, além de arrolar testemunhas e protestar pela apresentação de outras. O farto material jornalístico referido foi anexado porque a conduta do ministro Gilmar Mendes contestada no pedido de impeachment consistiu precisamente no uso da imprensa para declarações partidárias, incompatíveis com a dignidade e o decoro de suas funções”.
Fundamentos do Pedido de Impechament
No pedido protocolado em setembro no Senado, o grupo de juristas acusa o ministro Gilmar Mendes de adotar “comportamento partidário”, mostrando-se leniente com relação a casos de interesse do PSDB e “extremamente rigoroso” no julgamento de casos de interesse do PT e de seus filiados, “nomeadamente o ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, não escondendo sua simpatia por aqueles e sua ojeriza por estes”.
Para os autores, o ministro tem ofendido a Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética da Magistratura ao não atuar com imparcialidade e conceder frequentes entrevistas nas quais antecipa seus votos e discute o mérito de questões sob julgamento do STF. Além disso, eles acusam Mendes de atuar de maneira desrespeitosa também durante julgamentos e utilizar o cargo a favor dos interesses do grupo político que defende.
O ministro, apontam os juristas, tenta ainda atuar como legislador ao sugerir e reclamar mudanças na legislação eleitoral, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criticando leis que “lhe cumpre aplicar”.
Fonte: Jornal do Brasil
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