Sete indígenas foram mortos em conflitos por terra nos últimos dez meses no sul da Bahia
As mortes de Nauí Brito de Jesus, 17 anos, e Samuel Cristiano do Amor Divino, 25, que foram perseguidos e baleados no distrito de São João do Monte, no extremo-sul da Bahia, na última terça-feira (17), entram como mais um capítulo de horror em uma série de assassinatos contra a população indígena na região.
De acordo com a Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá (FINPAT) do Extremo Sul da Bahia, com os dois, agora sobe para sete o número de pessoas indígenas mortas na região por conta dos conflitos de terras nos últimos dez meses. Seis deles foram vítimas de suspeitos em posse de arma de fogo – um não tem a causa da morte conhecida.
Para o Cacique Atxuab Pataxó, uma das lideranças indígenas da região, a situação é resultado de uma ação genocida. “Estamos perdendo os nossos parentes. Há um derramamento de sangue desde que invadiram o nosso território e que continua agora. […] Já tem meses que se acirra a questão do enfrentamento e o genocídio da população indígena na região”, fala.
Ainda de acordo com Atxuab, uma das principais causas das mortes é o armamento dos fazendeiros com quem os indígenas tem conflito por território. “No último governo, houve apoio e armamento dos latifundiários. […] A questão existe há décadas, mas nos últimos anos eles passaram a se sentir à vontade para perseguir e executar nosso povo”, destaca.
Vetor da violência
A questão a que Atxuab se refere é a luta indígena por territórios pertencentes aos povos originários que, segundo eles, foram doados a fazendeiros na época da Ditadura Militar. Cacique Aruã Pataxó, presidente da FINPAT do extremo-sul, dá mais detalhes do conflito pelas terras de Barra Velha, que ficam nas imediações de municípios como Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália, Itabela e Prado, onde as mortes ocorream.
“Há uma reivindicação pelo território de Barra Velha desde a década de 1990. Em 2013, vários fazendeiros entraram com mandado de segurança para não assinarem a portaria declaratória, que é o segundo ato oficial depois da aprovação do RTID da Funai em 2005”, explica
A sigla RTID significa Relatório Circunstancial de Identificação e Delimitação. Um documento que reconheceu as áreas como pertencentes aos indígenas, dando início ao processo de demarcação. A portaria declaratória, citada por Aruã, é a ação seguinte ao Rtid.
Depois dela, entre outros processos, vem a demarcação física das áreas e a idenização de quem as ocupa. Porém, nos últimos anos, essa portaria ficou travada, sem a assinatura do governo federal. O que fez os indígenas decidirem, no ano passado, passar a ocupar essas áreas, momento em que começaram as mortes.
Em março, o indígena Victor Braz de Souza, 22 anos, da etnia Pataxó, foi assassinado com um tiro no pescoço após reclamar de uma festa – promovida por não indígenas – dentro de um desses territórios. Um mês depois, o tio de Victor, Iris Braz dos Santos, 44 anos, foi baleado dentro de casa. Os dois eram da Aldeia Novos Guerreiros, na região de Porto Seguro.
Já em Prado, no mês de setembro, um menino de 14 anos identificado como Gustavo Conceição da Silva foi morto com disparos de arma de fogo em uma invasão ao Território Indígena Comexatibá. Os invasores eram pistoleiros que estavam com armas calibre 12, 32, fuzil ponto 40 e bombas de gás lacrimogêneo. Episódios que, de acordo com lideranças indígenas, são financiados por fazendeiros da região.
Segundo Aruã, ao passo que as comunidades resistem ao fazer suas reivindicações e retomadas de áreas por conta da demora do governo federal em garanti-las, o revide por parte de quem está nas terras desde a ditadura é ainda mais forte.
“Os fazendeiros e pistoleiros, fortemente armados, respondem a nossa ação legítima com extrema violência, perseguição e assassinatos. Eles contam ainda com o apoio de milicianos, policiais militares da Bahia que são pagos para promover o genocídio da nossa população”, denuncia o presidente da FINPAT do extremo-sul.
A Polícia Militar da Bahia (PM-BA) foi procurada para responder sobre a denúncia e informar se conduz investigações internas para identificar possíveis integrantes do grupo de pistoleiros que age em terras indígenas na corporação. No entanto, não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Mobilização estadual e federal
Como resposta aos acontecimentos recentes, a Secretaria de Segurança do Estado da Bahia (SSP-BA) informou que a Polícia Civil (PC) reforçou as equipes na região para acelerar a investigação das mortes de Nauí e Samuel. Ainda de acordo com a pasta, delegados e investigadores da 23ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin/Eunápolis) estão realizando levantamentos e ações de inteligência no extremo-sul da Bahia.
Titular da 23ª Coorpin, o delegado Moisés Damasceno, deu detalhes do reforço feito na área. “Todos os policiais estão em campo levantando informações e buscando possíveis testemunhas, além de imagens. Importante acrescentar que equipes do Grupo Especial de Mediação e Acompanhamento de Conflitos Agrários e Urbanos (Gemacau) da PC estão dando apoio na apuração”, informa.
Ele acrescenta ainda que informações sobre o caso podem ser enviadas, com total sigilo, através do telefone 181, o Disque Denúncia da SSP-BA. Enquanto as autoridades estaduais se movimentam, o Ministério dos Povos Originários também articula ações para dar fim ao genocídio.
“Na reunião com o Ministério dos Povos Indígenas, foi criado um Gabinete de Crise para um trabalho forte no combate à crimes aqui nas terras indígenas. A Polícia Federal já está agindo e estamos com a perspectiva da vinda da Força Nacional para identificar e prender os responsáveis”, conta o Cacique Aruã, que se reuniu com a Ministra Sônia Guajajara e demais lideranças indígenas nesta sexta-feira (20).
Em nota, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) confirmou a reunião e a criação do Gabinete de Crise. A fundação informou ainda que está acompanhando a questão junto à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Ministério Público Federal (MPF), tendo acionado a Polícia Federal (PF).
Em contato com um integrante do Ministério dos Povos Originários, a reportagem, porém, não conseguiu falar com uma representação sobre as próximas ações diante do atual cenário. Pelas redes sociais, contudo, Sônia Guajajara garantiu a dedicação total ao assunto.
“Acompanharei de perto o que vem acontecendo na região e irei requisitar ação imediata do Estado. […] Os povos indígenas continuam a enfrentar ameaças e a morte por defender seus direitos à terra. Requisitarei ações revigoradas do Estado para trazer justiça ao povo Pataxó pela morte desses dois jovens. Não haverá impunidade”, completa.
Relembre detalhes dos casos
13 de março, em Porto Seguro
O indígena Victor Braz de Souza, 22 anos, da etnia Pataxó, foi assassinado com um tiro no pescoço dentro da comunidade indígena Ponta Grande, na cidade de Porto Seguro, onde vivia com sua esposa e dois filhos. Vitor chegou em casa por volta das 23h e ouviu da esposa a dificuldade da criança em dormir por conta do volume do som de uma festa – feita por não indígenas – que acontecia dentro do território.
Depois de reclamar em um grupo de Whatsapp, o jovem decidiu ir até o local, onde fora recebido com hostilidade e atingido pelas costas após um convidado do evento disparar contra ele. Lideranças da Aldeia Novos Guerreiros, da qual Victor fazia parte, informaram à reportagem que a área onde ocorreu a festa está em processo de demarcação.
23 de abril, em Porto Seguro
Iris Braz dos Santos, 44 anos, da etnia pataxó, foi morto após ser atingido por tiros dentro de casa, na Aldeia Novos Guerreiros, na região de Porto Seguro, no Sul da Bahia. Iris era tio de Victor Braz, morto em março do mesmo ano após reclamar do barulho em uma festa dentro do território indígena. Nas redes sociais, a liderança indígena Thyara Pataxó lamentou o crime. “Em menos de dois meses do assassinato de Victor Bráz aqui na minha Aldeia, hj o tio dele será enterrado ao lado dele. Iris Braz, estava em sua casa trabalhando quando foi alvejado por 3 tiros. Ele foi socorrido, mas infelizmente faleceu após passar por uma cirurgia. Luto Pataxó!”, escreveu no Twitter.
4 de setembro, em Prado
Gustavo Conceição da Silva, de 14 anos, foi vítima de disparos de arma de fogo no fim da madrugada de 4 de setembro em uma fazenda no município do extremo sul da Bahia. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) indicou que a morte dele ocorreu durante uma invasão do Território Indígena Comexatibá por grupo de pistoleiros, com ao menos cinco homens armados com armas calibre 12, 32, fuzil ponto 40 e bomba de gás lacrimogêneo.
A invasão do Território Indígena Comexatibá aconteceu após retomada indígena de terras em 1º de setembro do ano passado. A situação se acirrou depois da iniciativa de reconquista de territórios originários. De acordo com a comunidade, aquela foi a quinta invasão registrada no território em menos de três meses. As outras, porém, não tinham culminando em mortes.
29 de setembro, em Santa Cruz Cabrália
Um indígena foi morto a tiros no fim de setembro do ano passado em Santa Cruz Cabrália, no extremo-sul da Bahia. Wellington Barreto de Jesus, 50 anos, que é Pataxó, foi baleado por um homem que chegou de bicicleta enquanto ele estava distraído conversando.
Segundo a Polícia Civil, o crime aconteceu na Rua Geraldo Scaramussa, no bairro do Campo Verde. Wellington estava na rua com outras pessoas quando o atirador se aproximou na bicicleta e atirou nele, fugindo em seguida.
13 de outubro, em Porto Seguro
Carlone Gonçalves da Silva, 26 anos, foi encontrado morto após ficar um mês desaparecido da Aldeia Boca da Mata, em Porto Seguro. De acordo com a comunidade, a vítima, que estava com um amigo, estava voltando de uma outra aldeia quando a moto em que estavam quebrou no meio do caminho.
Para não ficarem na estrada, o rapaz que estava com Carlone foi procurar por ajuda. Porém, quando retornou, o rapaz e a moto tinham desaparecido do local. Apesar de não revelada as causas da morte por conta do estado avançado de decomposição do corpo, a comunidade acredita que ele tenha sido vítimas de mais um assassinato decorrente do conflito pelos territórios demarcados
17 de janeiro, em São João do Monte
Dois jovens indígenas mortos a tiros, na terça-feira (17), no extremo sul da Bahia. Eles foram vítimas de disputas envolvendo a demarcação de terras que ocorre na região. Segundo o Cacique Renato Pataxó, o crime foi cometido por pistoleiros contratados por fazendeiros.
Os indígenas Pataxó Nauí Brito de Jesus, 17 anos, e Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25, foram baleados no distrito de São João do Monte, entre os municípios de Itabela e Itamaraju, segundo a Polícia Civil. Ainda de acordo com o cacique, os jovens eram membro da comunidade indígena de Barra Velha, em Porto Seguro.Conteúdo Correio da Bahia
segue documentário
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