A reação do ministro Alexandre de Moraes à invasão e ao vandalismo nas sedes dos três Poderes no dia 8 passado levantou mais debates sobre os limites da atuação do integrante do STF (Supremo Tribunal Federal).
O tema gera divergências entre especialistas sobre um paradoxo que cerca as decisões do magistrado: elas são necessárias para proteger a democracia ou são exageradas e criam precedentes perigosos para situações futuras?
Dentro do Supremo, a resposta majoritária é a primeira opção.
Em um dos mais recentes episódios, assim como em outros casos, a corte referendou a ordem judicial inédita do ministro de determinar de ofício, ou seja, sem provocação de órgãos de investigação ou parlamentares, o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
Os questionamentos envolvendo a atuação de Moraes incluem a concentração de casos em suas mãos, atropelo da PGR (Procuradoria-Geral da República), decisões de ofício (sem provocação), censura, veto ou demora para dar acesso aos autos por parte da defesa de investigados, uso excessivo de prisões em vez de medidas cautelares diversas, entre outros pontos.
Na última semana, em decisão incomum, ele mandou juízes de primeira instância realizarem audiência de custódia com cerca de 800 presos após os atos de vandalismo, mas não deu a eles o poder de definir o destino das pessoas que foram detidas.
O magistrado afirmou que apenas ele mesmo poderia decidir se eles deveriam ser soltos ou mantidos na prisão.
Outro ponto das decisões expedidas após os atos de domingo que têm potencial para gerar discussão é o enquadramento dos vândalos como terroristas. Moraes citou que há “indícios de materialidade e autoria” do crime de terrorismo. A legislação menciona, porém, que esse delito se caracteriza apenas em casos de “xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”.
Advogado criminalista e mestre em direito criminal, Ruiz Ritter diz que atentados contra a democracia demandam a devida responsabilização, mas pondera que isso não pode ser feito com atropelos às regras do devido processo legal.
“Prisões cautelares sem estrita necessidade, nos termos da lei, são práticas ilegais graves e que fragilizam a própria democracia no longo prazo, diante da perda de confiança da sociedade na correta administração da Justiça. O mesmo se pode dizer de atuações judiciais de ofício em investigações criminais”, afirma.
O professor e doutor em direito constitucional Ademar Borges diz que a gravidade e os “riscos antidemocráticos envolvidos” justificam “medidas enérgicas”.
“É bastante conhecida na literatura jurídica a ideia de que os tribunais constitucionais são especialmente vocacionados para a adoção de medidas típicas de democracia militante ou combativa.”
E completa: “Não por acaso, a concentração dessa competência no STF foi determinante para o sucesso das medidas de democracia combativa no campo penal até agora aplicadas”.
O professor da FGV Direito Rio Thomaz Pereira observa, em primeiro lugar, que grande parte das decisões de Moraes que se tornaram alvos de críticas foi referendada pelo plenário da corte.
Ele afirma que, caso a PGR denuncie os envolvidos na invasão e o Supremo venha a analisar o tema, a discussão sobre a tipificação do crime de terrorismo despertará um debate interessante.
Pereira cita a possibilidade de o Supremo entender que o fato de os vândalos terem agido para causar terror seja suficiente para caracterizar o crime de terrorismo.
“Seria uma interpretação ampliativa do texto literal da lei. Pode ser que o STF faça isso. E acho que, se fizer, vão ter pessoas que vão criticar por conta da importância da proteção, de interpretar tipos penais de maneira estrita.”
Algumas das decisões de Moraes também foram consideradas censura por alguns professores de direito. Entre elas, a que mandou bloquear em definitivo a conta do PCO (Partido da Causa Operária). O perfil da sigla de esquerda virou alvo após se referir ao ministro como “skinhead de toga” que tem “sanha por ditadura” e “retalha o direito de expressão”.
A discussão no caso era pelo fato de se tratar de um partido político que, a partir de então, não poderia mais se expressar. Os críticos da medida apontavam na época que a exclusão de posts criminosos seria um caminho menos polêmico.
Nos últimos dias, o jornalista americano Glenn Greenwald mostrou que Moraes deu ordem para redes bloquearem perfis, mas pedindo para que os alvos não fossem avisados —ou seja, também não puderam se defender.
Em postagem na qual listava o bloqueio entre outros, do influenciador Monark e do deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), o jornalista disse neste domingo (15) que suas objeções a Moraes “vão muito além da liberdade de expressão”. “Acho perigoso que um juiz tenha tanto poder: iniciar suas próprias acusações e depois declarar os acusados culpados sem julgamento ou aviso prévio.”
O chamado inquérito das fakes news está na origem das polêmicas decisões do ministro que fazem interpretação expansiva de leis e da Constituição.
O então presidente do STF, Dias Toffoli, determinou em 2019 a instauração da apuração sem provocação da PGR e escolheu Moraes como relator, sem a realização de sorteio, como ocorre em inquéritos abertos na corte.
Na época, a abertura da apuração sofreu grande resistência no meio jurídico e dentro do próprio STF. Prova disso é que Toffoli só submeteu a decisão ao plenário da corte mais de um ano depois, em junho de 2020.
Àquela altura, o cenário havia mudado. A ampliação dos ataques contra integrantes da corte pela militância bolsonarista e pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) mudou o humor da maioria dos ministros. Parte dos magistrados inicialmente era crítica ao inquérito, mas depois se tornou favorável por ver na atuação de Moraes um meio para proteger a instituição.
O julgamento representou o primeiro respaldo do conjunto da corte à atuação do ministro. A necessidade de proteger o STF e seus integrantes dos ataques da militância bolsonarista e das ameaças em redes sociais superou a avaliação crítica
Pesou na decisão também o comportamento do procurador-geral, Augusto Aras. A avaliação interna na corte é que o chefe da Procuradoria foi omisso em relação aos ataques ao STF, o que forçou o tribunal a adotar medidas incomuns para garantir a própria proteção.
A corte lançou mão de uma interpretação extensiva do regimento interno que prevê a abertura de inquérito de ofício quando ocorrer um crime nas dependências da corte para decidir que ameaças contra ministros na internet também autorizam a instauração de investigação sem prévia provocação da PGR.
Nos bastidores, os ministros afirmam que os atos de vandalismo no domingo acabaram por respaldar ainda mais o inquérito das fake news, uma vez que, desta vez, houve de fato o cometimento de crime na sede do STF, como prevê o regimento.
Outra decisão de Moraes respaldada pela maioria do tribunal e que se tornou alvo de críticas pela forma como ocorreu foi a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), em 2021.
De acordo com a Constituição Federal, um parlamentar pode ser preso em caso de flagrante de crime inafiançável. Moraes justificou esse flagrante pelo fato de as ofensas a integrantes do STF terem sido gravadas e disponibilizadas na internet pelo deputado.
Essa e outras no âmbito de inquéritos sob relatoria de Moraes ocorreram sem representação da PGR nesse sentido.
Outra ordem controversa do ministro foi a que autorizou busca e apreensão contra empresários bolsonaristas.
Como mostrou a Folha, Moraes atendeu a um pedido da PF que tinha como base somente uma reportagem sobre conversas de teor golpista, sem nenhuma outra diligência preliminar realizada para subsidiar o pedido.
Conteúdo Politicalivre Matheus Teixeira / Folha de São Paulo
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