Clériston Macedo –
por Cláudia Cardozo. Fotos: Vanda Amorim/ DP-BA
O novo defensor público geral da Bahia, Clériston Macêdo, que assumiu o cargo há pouco mais de um mês, conta, em entrevista ao Bahia Notícias, os desafios que encontrará para gerenciar a instituição nos próximos dois anos. Eleito em janeiro deste, após concorrer três vezes ao cargo, Clériston afirma que observou que a Defensoria nos últimos anos “estava se afastando um pouco dessa atuação junto às cidades do interior”. Com um quadro de 267 defensores e um déficit de 316 para atender todo o estado, o desafio será interiorizar as ações da instituição com o curto orçamento aprovado pela Assembleia Legislativa da Bahia, aprovado para o ano de 2015. c que estabelece a interiorização da Defensoria Pública em todo o país. Para tentar equilibrar as contas, o defensor geral adianta que publicou uma portaria para otimizar os custos da instituição, para se adequar a “realidade econômica financeira do Estado da Bahia, que atravessa um momento de fragilidade”. “A Defensoria Pública vai dar sua contribuição, porque a gente não está solto no sistema. É uma instituição pública, com dinheiro público e a gente precisa otimizar os gastos públicos”, explica. O gestor também afirma que está tomando conhecimento da situação da Defensoria no cargo. “Do período da eleição, da nomeação até a posse, foi um período muito curto. As coisas aconteceram muito rápidas e eu não tive acesso às informações que eu solicitei da anterior administração. Além de o tempo ser exíguo, a própria dinâmica da posse, isso fez também que eu não tivesse condição de me abarcar de todo a situação da Defensoria. Eu estou tendo conhecimento da situação no cargo”, pontua. Clériston Macêdo conta que, apesar da instituição estar em boa parte das grandes cidades do interior, é preocupante que ainda não tenha um defensor público no oeste baiano. Ainda há 20 aprovados no último concurso para defensores, realizado em 2010, para serem nomeados, entretanto, segundo Clériston, alguns já sinalizaram que não tem mais interesse no cargo. Outra preocupação do novo gestor do órgão é a criação de novas varas judiciais pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). “Toda vara que é instalada, em tese, precisa de no mínimo, um defensor público”, sinaliza.
O que te levou a sair candidato ao cargo de defensor público geral?
Eu comecei a carreira como defensor público em 2000, na comarca de Jaguaquara. Depois, fui promovido para a comarca de Mata de São João. E, por fim, vim promovido para Salvador. Aqui em Salvador, eu fui secretário da Associação dos Defensores Públicos da Bahia por quatro anos, depois eu assumi o cargo de subdefensor-geral por três anos e meio. Pedi para sair da subdefensoria e voltei para a minha área de atuação, que era a 3ª Vara de Família. Nesse ínterim, aí eu fui candidato por três vezes a defensor geral, sempre figurando com o segundo maior número de votos nas eleições. Essa eleição que eu ganhei, foi a quarta que eu participei. O que me motivou foi a vontade de fazer uma Defensoria Pública aproximada do cidadão, cumprindo a sua missão institucional, fazendo com que a Defensoria ficasse mais fortalecida nas cidades do interior – eu fiquei por quase cinco anos no interior por opção. Eu observei que a Defensoria estava se afastando um pouco dessa atuação junto às cidades do interior. Entendo que a Defensoria ainda é uma instituição nova, é a caçula do sistema de Justiça. Ainda existem vários conceitos que precisam ser solidificados com relação à Defensoria Pública, que precisam dar visibilidade ao trabalho que realiza, os serviços que são prestados, que a grande população ainda não tem conhecimento dos serviços prestados, que podem às vezes, causar um sentimento contraditório, porque ainda é uma instituição nova e não tem orçamento compatível com a missão constitucional de dar acesso à Justiça – não só ao Judiciário. Nessa gestão, queremos enfocar o trabalho da mediação, da solução alternativa de conflitos, extrajudicial. Um acordo de mediação, às vezes, não é tão bem construindo sem a presença de um defensor. A busca por um melhor orçamento para fazer um trabalho extrajudicial, isso é algo que vai fazer parte da minha gestão nesses dois anos. Mas para isso ser concretizado, eu preciso de mais defensores, eu preciso de servidores efetivos, de carreira, o que hoje nós não temos, a gente precisa de fortalecer a identidade institucional, e isso se faz com um conjunto de ações. Talvez o maior desafio desse ano seja compatibilizar o orçamento que foi aprovado com uma necessidade de fortalecimento institucional, que não necessariamente possa se dizer que é gasto. Com base nisso, eu já publiquei uma portaria otimizando os custos da conta pública, se adequando a realidade econômica financeira do Estado da Bahia, que atravessa um momento de fragilidade. A Defensoria Pública vai dar sua contribuição, porque a gente não está solto no sistema. É uma instituição pública, com dinheiro público e a gente precisa otimizar os gastos públicos. A gente ainda pretende encaminhar projetos de lei para dar uma modernizada na própria Defensoria Pública. Eu já convoquei um grupo para apresentar um anteprojeto de modificação da Lei Complementar 26/2006, que não representa mais uma Defensoria Pública moderna, porque de 2006 para cá já houve muita modificação legislativa, como a Emenda Constitucional 80, de maio do ano passado, que deixou de forma muito clara a necessidade da interiorização da Defensoria Pública, em oito anos – mas que em maio, teremos só sete anos. É importante que se faça essa atualização para que a gente faça frente às novas demandas e necessidades da instituição, que, por conseguinte, vai aproximar a instituição do público alvo.
Como foi que o senhor recebeu a instituição da sua antecessora e quais são seus planos para melhorar a Defensoria Pública da Bahia?
Do período da eleição, da nomeação até a posse, foi um período muito curto. As coisas aconteceram muito rápidas e eu não tive acesso às informações que eu solicitei da anterior administração. Além de o tempo ser exíguo, a própria dinâmica da posse, isso fez também que eu não tivesse condição de me abarcar de todo a situação da Defensoria. Eu estou tendo conhecimento da situação no cargo. Solicitei algumas audiências para que eu pudesse demonstrar a situação que eu já identifiquei. Eu fui ao Tribunal de Contas [do Estado] e me encontrei com o presidente, para buscar uma forma de estreitar a relação entre a Defensoria e o Tribunal de Contas, responsável pela análise das contas da Defensoria Pública, através de pareceres técnicos, apontarem situações a serem corrigidas ou melhor implantadas. Ainda não tenho ideia completa do quadro que se encontra a Defensoria Pública. Já busquei um ajuda da auditoria do Estado para observar alguns contratados que eu tive conhecimento que estão necessitando de um olhar mais acurado. E isso não é uma auditoria – isso é apenas uma verificação, porque não houve tempo hábil de transição. Eu preciso, enquanto gestor, de me resguardar da situação que eu encontrei. De forma muito tranquila, cuidadosa e responsável, eu estou tentando colocar a situação que eu encontrei para o próprio órgão de auditoria. Não obstante a isso, peguei uma situação junto aos defensores do interior que houve uma modificação de lotação desses defensores na semana que antecedeu a minha posse. Algumas cidades que tinham defensores na área, principalmente de execução penal como em Valença, que tem um presídio, os defensores foram tirados e designados para comarcas que não tinham presídios. E eu tive que fazer essa reformulação, com uma portaria, designando outros colegas para suprir essas vagas deixadas, para reestabelecer a rotina de trabalho, como por exemplo em Simões Filho. Já sobre a minha relação com os Poderes, nesse momento é mostrar que existe um novo gestor, com novas ideias, com nova ideologia a ser implementada nesse biênio, demonstrar isso para aquelas secretarias do Estado e municipais. Para as instituições coirmãs, como Defensoria Pública da União e Ministério Público, a gente vai propor uma aproximação. No primeiro momento, a gente buscou conversas com as secretarias do Estado que tenham uma transversalidade de assuntos que possam convergir entre a secretaria e Defensoria, que possam beneficiar a população. Já estive com o secretário de Justiça, de Segurança Pública, de Assuntos Institucionais, Secretaria da Mulher, da Reparação Racial, para que a gente possa organizar a atuação. Primeiro, a gente quer mostrar que a Defensoria tem como atuar de forma conjunta em determinados temas, e vai atuar de forma autônoma, como a situação da paternidade responsável- que são exames de DNA gratuito para quem não tem condição de pagar. Eu pretendo implantar um projeto para estender essa atuação extrajudicial em cidades que não tem Defensoria Pública, através de centros sociais urbanos, de trabalho itinerante. Porque existe uma Defensoria Pública especifica de itinerância, que eu pretendo realizar, que nos últimos anos não estava sendo utilizados. E algumas ações, em parceria com a Defensoria Pública da União.
Quais são os desafios de sua gestão? Quais são suas propostas para contornar esses problemas, principalmente pela falta de servidores para atividade meio e defensores públicos? Mas antes, queria que contasse como é o quadro da Defensoria neste momento.
Hoje, nós temos 267 servidores para toda a Bahia. A Lei de 2006, que já é uma lei ultrapassada, prevê o número de 583 defensores públicos para todo o estado. Portanto, de 2006 para 2015, nós chegamos há um pouco mais da metade do quadro, e ainda sim, esses 583, de acordo com um estudo do Ipea, representam a metade do que deveria ter de defensores públicos na Bahia, que seriam mais ou menos 1100 defensores. Nós estamos distribuídos hoje em 164 defensores públicos atuando em Salvador, 103 atuando no interior, e estamos presentes em 23 comarcas. Ainda é um número insuficiente e tímido de atuação da Defensoria Pública, apesar de estarmos presentes em grandes cidades como Itabuna, Ilhéus, Conquista, Juazeiro, Feira de Santana, Senhor do Bonfim e Santo Antônio de Jesus. Mas por outro lado, nós não estamos presentes em Barreiras, Luís Eduardo Magalhães. Não estamos presentes em uma comarca que tem um sistema prisional, que é Eunápolis, e isso acaba comprometendo o sistema prisional. Se a gente atua em determinado presídio, se aquele preso é transferido para Eunápolis, a gente não dá continuidade ao acompanhamento, porque lá não tem defensor público. A gente precisa de defensor público em Eunápolis, mas a gente não tem de onde tirar. Existe um concurso em vigência, que foi realizado em 2010, com término no início de junho desse ano. É termo final mesmo, e eu tenho ainda um saldo de 20 aprovados, que já não vão todos tomarem posse – e eu vou publicar o pedido de desistência de muitos, porque não tem mais interesse em assumir. Não sei quantos realmente tem interesse em assumir, mas imagino que sejam uns 15 aprovados que tomariam posse. Ainda que consigamos,e a gente vai lutar por isso, a situação no interior não vai estar resolvida. O maior desafio dessa gestão é realmente tornar efetiva a proposta de interiorizar os serviços da Defensoria Pública. Não existem mais cargos a serem providos na capital, apesar de que, a Defensoria Pública está a todo o momento sendo surpreendida com a criação de novas varas judiciais. Recentemente foi inaugurada a 2ª Vara da Violência Doméstica contra a Mulher, e é necessário colocar dois defensores públicos nessa unidade. Então, a gente tem uma demanda, e eu vou ter que buscar uma forma de resolver essa questão. E pelo que eu vi do presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, em entrevista, vai continuar existindo, porque ele pretende inaugurar algumas varas, descentralizando o Poder Judiciário. Mas para nós defensores públicos, que entendemos que é importante a descentralização, acaba chegando para nós como um problema a ser resolvido, quando não foi, de alguma forma, dialogado com a gente. Toda vara que é instalada, em tese, precisa de no mínimo, um defensor público. Nessa vara de Violência Doméstica, existe uma peculiaridade, porque a Defensoria Pública, na área de Violência Doméstica, através da Lei Maria da Penha, atua na defesa da vítima e na defesa do suposto agressor. Então, atua nos dois polos. Eu não posso nesse momento – e não devo – tirar defensores do interior, que já está sofrendo um êxodo de defensores para capital. Se eu fizer isso, estou indo contra a política de interiorização que eu defendo. Também foi instalada a Câmara do Oeste, e eu não tenho um defensor público em todo o oeste da Bahia. Não tenho defensor público de primeiro grau, muito menos de segundo grau. Existe uma situação que eu estou recebendo que eu preciso dialogar com todos os poderes, para mostrar a Defensoria. Esse sistema precisa funcionar de forma razoável com todos os atores. Quando um dos atores desse sistema não está funcionando devidamente, a gente precisa se reunir, para ver de que forma todos podem chegar a uma situação que não resolva de imediato, a curto e médio prazo, mas que seja de longo prazo. Nós precisamos fazer um planejamento. Por isso que eu defendo a interiorização de forma gradativa e por isso que temos esse anteprojeto de lei de modernização da Lei Orgânica da Defensoria, de vincular inicialmente a Defensoria nos 27 territórios de identidade. Hoje, nós não estamos presentes em todos os territórios de identidade. Também quero compatibilizar a atuação da Defensoria Pública, inicialmente, como forma de cumprir o que a Constituição determina, com relação à interiorização, inicialmente, provendo todos os territórios com defensores. Com relação à atividade meio, nós não temos servidores efetivos. Existe um projeto encaminhado, que está na Assembleia Legislativa, que a gente pretende futuramente dialogar de que forma a gente vai implementar, também de forma gradativa, porque eu entendo que o momento econômico do Estado não é o ideal, mas a gente precisa dentro do possível traçar determinadas prioridades. Na Defensoria, tudo é prioridade, e é por isso que eu estou buscando esses contatos com todos os Poderes, para em um segundo momento, apresentar as soluções para os problemas que eu tenho identificado.
A Defensoria sofreu um corte orçamentário quando o projeto de Lei do Orçamento de 2015 foi votado. Em entrevista com a presidente da Associação dos Defensores Públicos da Bahia (Adep), foi dito que haveria conversas para garantir uma suplementação do orçamento da Defensoria. Já há alguma conversa nesse sentido?
Nesse momento, ainda não tive nenhum contato, solicitando esse tipo de suplementação orçamentária. Até porque suplementação orçamentária no primeiro semestre é muito difícil de ser realizada, porque o ano orçamentário começa em fevereiro, e aí tem o carnaval, e o próprio calendário dificulta. Mas vou fazer, é fato, porque o orçamento aprovado não faz face a despesas para todo o ano da instituição. Darei conhecimento ao Executivo que o orçamento aprovado não é suficiente. Com relação ao orçamento, eu vou inovar, vou tornar público o orçamento, para se tornar um orçamento participativo, porque a gente percebe que as demandas da Defensoria são colocadas por nós defensores, talvez não tenha a ressonância que deveria ter. Eu vou chamar a população, a sociedade civil, o Poder Legislativo e o Executivo para também estarem presentes em algumas audiências públicas que eu vou convocar, para que a gente possa discutir o orçamento do ano que vem. Porque tudo é prioridade. A gente entende o momento econômico que o país passa, especificamente o Estado da Bahia também, mas enquanto gestor, não posso me furtar da obrigação de mostrar o que a Defensoria Pública precisa, do que precisa ser implementado. E isso pode e deve ser construído com toda sociedade. As audiências começarão em abril deste ano.
Como é que os serviços extrajudiciais de mediação e conciliação podem ser benéficos para o cidadão, desafogar o Judiciário e diminuir a demanda da Defensoria, em face de sua estrutura?
A gente conta com o apoio de estagiários de direito, que a gente capacita e estão sob uma coordenação de defensores públicos, que a gente faz esse trabalho de mediação, como uma forma também de diminuir o trabalho do defensor da unidade judiciária. É um sistema integrado. Quando a gente faz um trabalho de mediação, antes de ajuizar a ação, a gente também está ajudando o defensor, para que ele tenha audiências judiciais e processos que sejam efetivamente objetos de um trabalho judicial, não um trabalho que poderia ter sido feito previamente. Como a gente não tem essa estrutura, de um núcleo de mediação da forma ideal, a gente trabalha naquilo que é possível, de forma voluntariosa de alguns estagiários, com defensores que acumulam atuações, principalmente na mediação, e assim a gente consegue diminuir bastante a questão judicial da Defensoria. Isso precisa ser melhor implementado e fazer parte de uma política pública da Defensoria. É uma das missões institucionais, de acordo com a Lei 832 e a própria Lei 26 – Lei orgânica da Defensoria Pública. Nós, defensores públicos, temos muito cuidado na elaboração de acordos, para que eles não sejam futuramente descumpridos e aquilo que deveria ter sido resolvido melhor na mediação se faz, talvez, de uma forma rápida e gera uma necessidade de uma ação judicial para se fazer outro acordo. Se um problema não for bem trabalho no início, pode gerar dois problemas.
Deixamos o espaço aberto aqui para suas considerações finais.
Eu vou chamar o cidadão para construção de uma política de acesso à Justiça, através desse orçamento participativo. Por quê? Um orçamento participativo vai delimitar a atuação político-institucional para o ano que vem e para os próximos anos. Assim, a sociedade vai se empoderar também de uma instituição que foi idealizada pelo Poder Constituinte, como uma instituição cidadã, que tem dentro da sua missão essa razão de existir, que é o acesso das pessoas à Justiça, não só ao Judiciário. Eu vou buscar trazer para a administração o que fiz nesses 15 anos como defensor público, na área de família, que é a mediação. Eu preciso dialogar com todos, mostrar para todas e todos a instituição que foi criada com esse mister de dar voz a quem não tem voz, de buscar o direito daquele que, em tese, acha que não tem direito. Todas as instituições são importantes no Estado Democrático de Direito, e como nós fazemos parte de um todo, uma instituição enfraquecida compromete todo sistema democrático. A Defensoria faz parte desse todo. Ela precisa se fortalecer para que todo o Estado brasileiro seja fortalecido. Não passa por mim a solução solitária desse problema. Eu preciso ter parceiros e parceiras, sensibilizar as pessoas de que quando me cobram defensores públicos no interior – recebo diariamente solicitação. Quando eu nego, na realidade, é uma negativa com muita vontade de dizer sim, porque o que eles querem é o que a Defensoria quer, é o que eu quero, mas infelizmente, não tem como nesse momento. Por isso que eu preciso fazer esse trabalho de divulgação da situação que a Defensoria se encontra, para que todos saibam como é que a Defensoria está e de que forma a gente pode construir uma nova Defensoria. Afinal de contas, esse foi o lema da minha campanha: ‘uma nova história, uma nova Defensoria’.
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