Jeremias Macário é jornalista
Confesso que errei no julgamento sobre o trabalho da força-tarefa do Ministério Público Estadual com relação às investigações da chacina no bairro Alto da Conquista, praticada por policiais embrutecidos entre os dias 28 e 29 de janeiro quando 11 pessoas foram barbaramente mortas e três adolescentes desaparecidos. Foi bom assim que eu tenha me enganado como muitos de nós que também não acreditaram em punição.
Diante de tanta impunidade neste nosso país, ficamos descrentes, principalmente diante de crimes que contam com a blindagem e a couraça do corporativismo. Sem rodeios, quero aqui elogiar a posição firme e corajosa da promotora Genísia Oliveira que tocou as apurações, mesmo diante de forte pressão. Isso nos faz acreditar que nem tudo está perdido neste país de tantas corrupções, desmandos e injustiças.
No exercício da minha profissão de quase quarenta anos, sei o que é sofrer ameaças quando você tem consciência de que está no caminho certo e não pode trair sua formação e seus princípios. O Ministério Público ainda é uma instituição que nos faz crer no sonho da esperança.
Critiquei aqui a morosidade, o sigilo e a sonolência das investigações, bem como o papel da imprensa que, sem informações, só registrava o factual. Agora o trabalho fluiu e a sociedade está tendo uma resposta mais concreta. No entanto, a prisão provisória de 10 policiais bandidos não é tudo porque sabemos que mais de 30 (fala-se em 35, 37 e até 50) subiram à Serra para invadir as casas, espancar, torturar e atirar friamente, como se tivessem permissão da rainha da Inglaterra para matar.
Por outro lado, esses policiais cometeram assassinatos e deviam ser julgados pela justiça comum, principalmente porque eles são funcionários públicos fardados incumbidos de proteger os cidadãos, respeitar as leis e não transgredir. Não é ainda tudo, mas a posição do Ministério Público, na pessoa da promotora Genísio Oliveira merece todo apoio da sociedade, como também o juiz que determinou a prisão.
Está na hora dos segmentos sociais, da turma dos intelectuais, dos sindicatos, da Igreja Católica, dos estudantes, dos partidos ditos de esquerda e das pessoas de bem em geral se levantarem para apoiar, sem pieguices, a ação corajosa da força-tarefa do Ministério Público. Conquista vai ficar calada?
O que mais incomoda e preocupa, neste momento, é o silêncio dos bons. Nada de “caminhada pela paz”, mas manifestação de solidariedade à promotora e contra a tortura que, infelizmente, não se acabou nos quartéis e nas cadeias com o fim da ditadura. Os policiais que invadiram as casas e usaram da força brutal sem respeitar as leis são bandidos. Somando à chacina do Pero Vaz em Salvador, a imagem da polícia só fez piorar.
Sou um cidadão que sempre cumpri com meus deveres, mas não sei o que é pior na situação atual, se um marginal apontando uma arma para mim ou um policial embrutecido me revistando com uma metralhadora, me chamando de bandido, sem que eu possa explicar e cobrar meus direitos. Esse comportamento precisa mudar urgentemente. Isso só é possível através de uma revisão no processo de treinamento da polícia.
Não basta ter hierarquia; aprender a marchar; e seguir normas rigorosas de disciplina. Na sua preparação, o policial precisa ter mais tempo para treinamento pessoal; receber aulas de formação humana, de relações públicas e conhecimentos gerais sobre como lidar com o público. Como está, parece que o policial recebe uma bronca do comandante e depois termina descontando no cidadão. Não se trata, especificamente, de questão salarial.
Essa discussão precisa ser mais aprofundada e analisada pelo Estado e pela sociedade. Sobre a chacina de Conquista ocorrida entre os dias 28 e 29 de janeiro, e não 29 de fevereiro como insiste o jornal A Tarde em suas últimas edições (não teve 29 de fevereiro neste ano como cita o repórter), existe muita coisa ainda a ser esclarecida e não foram somente 10 policiais responsáveis pela chacina.
Ainda não foi revelada a investigação propriamente dita sobre o policial assassinado Marcelo Marcio Silva e o que ele e seu colega estavam fazendo naquela noite de 28 de janeiro, subindo o Alto da Conquista. Simplesmente foram visitar um colega? E os traficantes foram ouvidos? As famílias que tiveram suas casas invadidas sem mandado judicial vão ser indenizadas pelo Estado?
Pelos fatos apurados até agora e pelo testemunho das vítimas, o mínimo que se espera é que esses policiais sejam punidos exemplarmente, e que a chacina de Conquista sirva de exemplo para que não se cometa mais matanças, invasão de casas e torturas. Foi uma noite de terror, e nem imagino estar no lugar daquelas famílias.
O atentado ao carro da promotora é mais uma prova de estupidez e insensatez que se somam à chacina e á violência generalizada em nosso meio. Nesta semana ouvi comentário de um cidadão dizendo que o Ministério Público havia desfalcado nossa segurança com a prisão de 10 soldados, tendo em vista que já temos pouco policiamento. Entendo, porém, que foi um benefício para a sociedade e para a corporação.
Infelizmente, nossa sociedade ainda imagina a polícia como uma força armada que chega em qualquer lugar batendo forte, espancando e torturando. Enquanto esse conceito não for mudado e não se fizer uma revisão na formação da polícia, inclusive no aspecto da seleção (sem apadrinhamento), a violência vai continuar e aumentar. É claro que junto a outros fatores econômicos e sociais, o Estado tem que oferecer educação de qualidade para todos.
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