“Difundiu-se entre nós a ideia de que a violência é um fenômeno quase natural, o que é um erro. Ela é um fenômeno determinado por fatores específicos que podem ser removidos”, diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz
O governo federal mantém certa distância do tema segurança pública no Brasil, uma vez que, por determinação constitucional, o controle das polícias militar e civil fica a cargo dos estados. Contudo, especialistas afirmam que caberá ao próximo presidente eleito combater ao menos dois gargalos que colocam o país entre os países mais violentos do planeta: impunidade e baixo investimento em inteligência.
Um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que o Brasil, com 2,8% da população mundial, registrou 11% das mortes por arma de fogo do planeta em 2004. Para especialistas, as diferenças regionais deveriam influir no tipo de combate à violência. As capitais e regiões metropolitanas ainda concentram a maior parte dos assassinatos, mas os índices apresentam queda nos últimos anos, graças a investimentos (ainda insuficientes) em programas como bancos de dados, combate à impunidade e construção de prisões. Essas regiões são afetadas especialmente pelo tráfico de drogas.
Nos últimos anos, o Brasil se tornou o segundo maior consumidor mundial e um dos maiores centros de movimentação de cocaína. Estima-se que o país consuma de 40 a 50 toneladas da droga por ano, exportando mais ou menos a mesma quantidade. A Polícia Federal e as polícias estaduais apreendem apenas 15% de toda a cocaína que circula pelo território nacional. Os principais fornecedores do Brasil são Bolívia, Colômbia e Peru.
Ineficiência – Para o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, “a precariedade de sistemas de seleção, formação, supervisão, disciplina, corregedoria ativa, controle externo e baixos salários têm incrementado excessivamente a vulnerabilidade das polícias não só à violência como à corrupção”. Ele aponta ainda ineficiência na investigação policial. “É uma regra nacional, confirmada pelas raras e pontuais exceções. Estima-se que a taxa de casos elucidados em inquéritos de homicídio – geralmente o tipo de crime que mais se esclarece – não chegue a 5%”, afirma.
Por esse motivo, Silva sugere o desenvolvimento de um Plano Nacional de Segurança Pública a partir de um retrato da violência pelo país, que ouviria governos, lideranças políticas e entidades. O ponto central, diz o coronel, é diminuir a impunidade. “O governo federal deve desenvolver iniciativas, através do Ministério da Justiça, para as mudanças legais e nos aparatos da Justiça e execução penal para reduzir as brechas da impunidade e assegurar a punição ágil dos criminosos como instrumento de dissuasão.”
Interiorização – A partir de 1999, as regiões metropolitanas receberam a maior parte dos recursos para o combate a violência. Foram canalizados recursos federais e estaduais para aparelhamento dos sistemas de segurança. Isso dificultou a ação da criminalidade organizada, que migrou para as áreas de menor risco, no interior dos estados. A taxa média de assassinatos nas capitais caiu de 45,7 para 36,6 a cada 100.000 habitantes, entre 1997 e 2007. Por outro lado, as ocorrências em municípios do interior subiram de 13,5 para 18,5 a cada 100.000 habitantes no mesmo período.
O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz é o responsável pela elaboração do Mapa da Violência no Brasil, um estudo detalhado sobre os índices de criminalidade em todos os municípios. Ele afirma que o governo federal deve ajudar a envolver municípios no combate à violência tomando a frente no trabalho de inteligência e mapeando os problemas regionais. “O combate tem que ser específico para cada tipo de região. Tem que haver diagnóstico. O primeiro passo da cura é a consciência da enfermidade. Difundiu-se entre nós a ideia de que a violência é um fenômeno quase natural, o que é um erro. Ela é um fenômeno determinado por fatores específicos que podem ser removidos”, diz Waiselfisz.
Segundo ele, três estados que canalizaram recursos para o combate à violência, São Paulo, Minas e Rio, apresentaram quedas nas taxas de homicídios em anos recentes. Porém, houve prioridade nas capitais, o que fez com que a violência se deslocasse ou diminuísse menos no interior. “Em São Paulo, os homicídios caíram 65% na capital e, no interior, apenas 27%. No Rio, a partir de 2004, a queda na capital e na região metropolitana foi de 39,8%, mas no interior houve aumento de 33,6%”, explica Waiselfisz.
Os dados mostram cinco tipos básicos de cidades violentas no interior, com uma característica em comum: “Há casos de conivência das forças publicas e locais que se beneficiam da economia da violência, algo que ocorre menos nas capitais e zonas metropolitanas”, diz Waiselfisz. Confira a classificação dos tipos de municípios violentos:
Municípios de zona de fronteira: são usados como porta de entrada de contrabando de armas, drogas e produtos piratas. Um exemplo é Coronel Sapucaia (MS), que faz fronteira com Paraguai e registra 103 assassinatos a cada 100.000 habitantes, o que a torna a quinta cidade mais violenta do país.
Arco do desmatamento amazônico: cidades que vivem do desmatamento ilegal, o que gera pistolagem e violência. Na média dos últimos cinco anos, Tailândia (PA) é o município mais violento do país, com mais de 130 assassinatos a cada 100.000 habitantes.
Zona de pistolagem tradicional: típica do Nordeste, onde o coronelismo prevalece. Exemplo clássico é o polígono da maconha, em Pernambuco. A cidade de Belém de São Francisco tem média de 43 assassinatos a cada 100.000 habitantes.
Novos municípios atrativos para investimentos e população: o crescimento de cidades no interior faz com que, muitas vezes, a criminalidade se organize antes do poder público. O polo de agricultura irrigada de Petrolina (PE) é um exemplo. A cidade tem 54,1 homicídios a cada 100.000 habitantes.
Turismo de fim de semana: em São Paulo, os últimos anos marcaram um aumento da violência em cidades litorâneas como Guarujá e Santos, que registram o dobro da média de assassinatos do estado (22,6 a cada 100.000 habitantes). Angra dos Reis (RJ) tem 24,4 a cada 100.000.
Fernando Mello
Deixe seu comentário