PEC permite pagar auxílio sem corte de despesa e com aumento de dívida

O relatório da PEC Emergencial apresentado pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC) permite o pagamento do auxílio emergencial sem qualquer contrapartida de corte de gastos em 2021, mas preserva algumas medidas sugeridas pelo governo que podem melhorar a gestão fiscal e segurar o aumento de gastos no futuro.

Pelo menos 15 iniciativas sugeridas pelo ministro Paulo Guedes (Economia) dentro das propostas originais do Plano Mais Brasil ficaram de fora do texto publicado no site do Senado nesta terça-feira (23), que deve ser analisado pelo Congresso nos próximos dias.

Entre elas estão o fim do reajuste anual obrigatório dos servidores, a redução de jornada com redução de remuneração, a extinção de pequenos municípios e o fim de todas as vinculações entre receita e despesa existentes na legislação.

A Folha destaca os principais pontos, com base em análise realizada pelo pesquisador do Insper e colunista do jornal Marcos Mendes.

“Está sendo feito um auxílio emergencial que vai ser pago com dívida. Abriu-se mão de tomar medidas concretas e efetivas de redução de despesa para financiar o auxílio. Está sendo jogado tudo na dívida pública. Há algumas medidas não para reduzir despesa, mas para impedir que elas cresçam mais rápido no futuro, e não agora”, afirma Mendes.

ENTENDA AS MEDIDAS
1) Medida exclusiva para o pagamento do auxílio emergencial em 2021 (art. 3º da PEC)
Autorização para o pagamento do auxílio por crédito extraordinário neste ano. Não requer declaração de estado de calamidade. O governo poderá editar uma medida provisória para tratar do assunto.

Não há necessidade de qualquer corte de despesa ou aumento de receita para cobrir a despesa. Ou seja, será pago com aumento da dívida pública.

O pagamento fica de fora de todas as regras fiscais. Não será contabilizado no Teto de Gastos, nem na regra de ouro, nem na meta de deficit primário.

Não há fixação de valor, prazo, número de parcelas etc. Tudo será definido pelo governo federal e pelo Congresso.

​2) Regime extraordinário fiscal em caso de calamidade pública
O presidente da República poderá propor ao Congresso Nacional a decretação do estado de calamidade pública, que pode aprová-lo ou rejeitá-lo. Como isso não tem relação com o auxílio emergencial, governo poderá ou não usar esse dispositivo em 2021.

Decretada a calamidade, serão aplicadas as medidas para conter aumento de despesas previstas no teto de gastos durante três exercícios, como não contratar, não fazer concurso etc., para todos os níveis de governo.

Se o governo não acionar o dispositivo neste ano, não haverá medida nova de contenção de gastos. Lei aprovada em 2020 já proibiu reajustes até o final deste ano.

3) Mudanças no teto de gastos
União: As medidas que impedem aumento de gastos no caso de ameaça de rompimento do teto constitucional poderão ser aplicadas se, na aprovação da lei orçamentária, as despesas obrigatórias forem estimadas em 95% da despesa primária total. Atualmente, por uma falha de redação na emenda do teto, esses “gatilhos” não têm como ser acionados.

Se não houver risco de rompimento do teto, nenhuma medida será acionada. Para o Orçamento de 2022, por exemplo, Mendes estima uma folga de R$ 50 bilhões nas despesas, gerada pela diferença entre a inflação mais alta para corrigir o teto (12 meses encerrados em junho de 2021) e o aumento em despesas como o salário mínimo do próximo ano (12 meses encerrados em dezembro).

Estados e municípios: Todos os Poderes nessas esferas de governo poderão aplicar as medidas de ajuste fiscal previstas no teto de gastos, se no período de 12 meses a despesa corrente chegar a representar 95% da receita. A adoção das medidas é facultativa. Ou seja, não é obrigatória.

4) Benefícios tributários
Determina que o presidente da República, em até seis meses após a promulgação da Emenda Constitucional, terá que enviar ao Congresso Nacional plano de redução desses benefícios, que somam mais de R$ 300 bilhões por ano (uma década de Bolsa Família, superior ao valor do auxílio emergencial em 2020).

A proposta, no entanto, estabelece uma lista de benefícios que não podem ser revogados sem que haja mudança na Constituição, como Simples, Zona Franca de Manaus e desoneração da cesta básica. Para Mendes, a medida corre o risco de não sair do papel, além de constitucionalizar benefícios pouco efetivos. Alguns deles, na mira da Reforma Tributária.

5) Outras mudanças nas regras fiscais com impactos futuros incertos

Fim dos gastos mínimos com saúde e educação em todas as esferas de governo
Lei complementar pode tratar de sustentabilidade da dívida no futuro
Princípio de avaliação das políticas públicas (declaração de intenções)
Equilíbrio fiscal intergeracional como direito social (importante para disputas no STF)
Limitação de despesas das Câmaras de vereadores passa a incluir gasto com inativos
Constitucionalização do contingenciamento de gastos nos demais Poderes e esferas de governo
Acaba com repasses do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para o BNDES
Acaba com obrigação da União de financiar pagamento de precatórios dos estados
6) Algumas medidas do Ministério da Economia que ficaram fora do relatório

Não acaba com o reajuste anual obrigatório dos servidores
Não cria a possibilidade de redução de jornada com redução de remuneração
Não proíbe reajuste de remuneração pela via administrativa
Não limita correção de valores das emendas parlamentares
Não determina extinção e incorporação de municípios
Não cria o Conselho Fiscal da República
Não estabelece o TCU (Tribunal de Contas da União) como instância superior aos tribunais de contas estaduais e municipais
Não se revoga integralmente as vinculações existentes na legislação
Não se cria banco de projetos para melhorar qualidade do investimento público
Não há a extinção automática dos fundos públicos após dois anos
Não há a vedação permanente de concessão de garantias da União a estados e municípios
Não há a exigência de dotação orçamentária como condição prévia ao cumprimento de determinação judicial ou de lei que implique aumento de despesa
Não limita o uso de depósitos judiciais para custear despesa pública

Folhapress