Penas alternativas impedem sobrecarga de prisões na Bahia

Yuri Silva

A aplicação de penas alternativas a pessoas condenadas por crimes considerados médios – incluindo tráfico de drogas de pouco potencial ofensivo – tem impedido mais sobrecarga sobre o sistema prisional baiano.Dados atualizados em setembro pela Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas (Ceapa) mostram que, atualmente, 7.072 pessoas cumprem prestação de serviço à comunidade, prestação pecuniária (conhecida como pagamento de cestas básicas) ou comparecem periodicamente ao órgão, que tem status de superintendência na estrutura da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap).São essas as sanções que, conforme a coordenadora da Ceapa, Andréa Mércia, podem ser aplicadas às pessoas condenadas por crimes de médio e pequeno potencial ofensivo, sem violência ou grave ameaça às vítimas, sem reincidência e com penas de, no máximo, quatro anos.Esses critérios, apesar de previstos no trecho do Código de Processo Penal que trata do mecanismo, nem sempre são levados em conta pelos juízes, que podem, ainda assim, decidir pela prisão do sentenciado, detalha Mércia, que está à frente da Ceapa há 13 dos 15 anos de existência da entidade.”Tenho certeza que muita gente que está presa podia estar cumprindo pena alternativa, mas há outros critérios que acabam sendo usados, que são subjetivos, e que impedem as conversões das penas privativas de liberdade para as alternativas, que são restritivas de direito”, explicita a gestora, criticando o que chama de “punitivismo” da sociedade.

7.072

pessoas cumprem penas alternativas, de acordo com dados atualizados em setembro por órgão da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap)

Mércia explica que as três sanções valem também para cumpridores de medidas alternativas – neste caso, aplicadas a envolvidos em processos simples, movidos nos Juizados Especiais Criminais, como briga de vizinhos e uso de drogas.

Estatísticas

No caso de condenados, porém, é que o impacto é verificado de fato. Se todos estivessem presos, o excedente da capacidade dos presídios que, atualmente, atinge 2.796 vagas, seria 253% maior, chegando a 9.868.

Hoje, conforme dados atualizados da Seap de setembro, o sistema carcerário baiano possui 12.093 vagas disponíveis, mas abriga 14.889 condenados.

As penas alternativas, entretanto, tem crescido ano a ano. Dos 7.072 condenados que cumprem esse tipo de punição, 3.088 entraram no sistema este ano. Em 2016, foram 4.296 cumpridores novos. Já em 2002, quando a Ceapa foi criada, ainda como projeto do Ministério da Justiça (MJ), esse número foi de 340 pessoas acompanhadas pelo órgão, por determinação judicial.

A partir dali, o modelo atual começou a ser desenhado: psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais que compõem uma equipe multidisciplinar atendem o cumpridor em um primeiro momento.

Depois, ele continua sendo acompanhado por um técnico e comparece, mensalmente, à Ceapa, além de cumprir a medida imposta pelo juiz e enviada para pelo órgão para a Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas (Vepma).

“O mesmo tempo que passaria preso, ele cumpre em pena alternativa, só que em horas. Então, para cada dia de prisão, o cumpridor paga em uma hora de medida”, detalha Mércia.

Balanço

Desde o começo, já foram 33.370 pessoas atendidas, segundo balanço do órgão. Possíveis reincidências não são mapeadas pela Ceapa. Números divulgados em 2006 pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) falam, no entanto, em 0,7%.

Há critérios subjetivos que impedem as conversões das penas

Andréa Mércia, coord. da Ceapa

Já a reincidência entre condenados presos é de 70%, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do MJ.

Na Bahia, o Tribunal de Justiça (TJ-BA) também não possui dados disponíveis. A coordenadora da Ceapa, entretanto, defende que “o trabalho que é feito reduz drasticamente o risco de acesso ao crime”. Para ela, o maior uso da pena alternativa esbarra na opinião pública conservadora e na influência desses fatores sobre o Poder Judiciário.

“A gente tenta sensibilizar juízes para que cumpram o código de processo penal e aplique as penas alternativas, mas, apesar da prisão não ter dado certo ao longo dos anos, as pessoas continuam acreditando nela como solução”, afirma.

Procurado, o TJ-BA não disponibilizou ninguém para comentar o assunto. Presidente da Comissão de Sistema Prisional e Segurança Publica da seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), o advogado Marcos Melo defende como “positivo” o crescimento das penas alternativas.

Criticando “o punitivismo do Judiciário”, ele acredita que o Brasil vive uma “síndrome de carcereiro”. “Lamentavelmente a mídia fomenta isso e as pessoas aceitam sem refletir. Só querem prisão, prisão e prisão”, afirma o jurista. “Há pessoas que não podem cumprir pena em liberdade, mas não é a maioria”, avalia ele.

 fonte atarde.uol.com.br