– Caetano Veloso, Cesária Évora e nossa música longe
Ouço agora pela Sky uma canção do final dos anos 1960, autoria de Alcivando Luz e Carlos Coqueijo que tem como título: É preciso perdoar. O tema é linear, com variações harmônicas quase imperceptíveis. Todavia, há na canção uma beleza grandiosa porque, simples como foi construída, pode-se sentir o casamento perfeito da música com a letra, numa combinação inseparável do corpo com o espírito. Meus amigos Antônio Roberto e Clovis Bittencourt (este último vivendo muito tempo em salvador até concluir seu curso de Medicina), conhecem por demais a obra, até porque em 1973 João Gilberto a gravou na perspectiva do seu inconfundível estilo.
Gosto muito da interpretação de João, mas devo reconhecer que se Alcivando e Carlos Coqueijo estivessem vivos certamente aplaudiriam essa releitura feita por Caetano e a grande Cesária Évora. Mais ainda: Adorariam a mudança de ritmo que eles deram ao tema e ficariam fascinados pela inserção dos versos em inglês que o Caetano magistralmente soube colocar.
Caetano é baiano de Santo Amaro e Cesária nasceu cabo-verdiana (da cidade de Mindelo). Os dois cantam originalmente em português com leves diferenças no sotaque. Caetano está se aproximando dos 70 anos e Cesária completará os seus no próximo dia 27 de agosto. Ambos exibem pulmões de garotos. Caetano, que ao contrário de Gil, parece não ter nenhum problema com a voz, faz inflexões muito interessantes no seu canto. Cesária nem precisa, a voz da Diva dos Pés Descalços é garantia natural de coloridos vocais inesperados.
A impressão que fica ouvindo-os é que a música brasileira realmente é show de bola. O que não presta no País é a Mídia. Mídia pé de chinelo, cheia de jabá, comprometida até a medula com mediocridades.
A propósito, o maestro Julio Medaglia ao ser perguntado em recente entrevista sobre “o que está havendo com a música popular brasileira?” foi rápido e caceteiro. Respondeu: “Com a música popular brasileira não está havendo nada. Ela está muito boa. Está havendo problema é com a nossa Mídia. Essa sim está cheia de problemas”. Eu diria que o mais imoral relaciona-se à questão do Jabá. Jabá? Sim. Todos os músicos sabem o que significa o Jabá na música (dinheiro pago pelas gravadoras aos programadores para tocarem só as porqueiras que eles entendem que o Povo vai gostar).
Como o Povo não tem escolha, dana-se a ouvir obras discutíveis e de tanto ouvi-las fica condicionado igualzinho ao cachorro de Pavlov. Reflexo condicionado foi uma contribuição experimental feita pelo médico russo [Ivan Pavlov] e até hoje parece não haver contestação à sua tese. Com a música brasileira, ou melhor, com a música brasileira ouvida pelo Povo, ocorre o mesmo. De tanto empurrar “bombas” no ouvido do Povão, este se acostumou e o “uso do cachimbo fez a boca ficar torta”. Nossa Mídia não respeita o Povo.
Muita gente sabe que em diversas ocasiões música funciona como terapia. Quando vimos ou vemos pessoas ouvindo música de boa qualidade, podemos dizer que estão fazendo terapia de luxo (música de boa qualidade realmente é luxo). Mas, se ao contrário, encontrarmos pessoas ouvindo música de baixa qualidade, o que seria terapia de luxo, transforma-se em terapia de lixo. E é isso que está ocorrendo no Brasil. Não por falta de talentos. Mas por falta de caráter dos nossos Programadores, nossos homens de Mídia.
Há uma bela produção musical no Brasil. Curioso é que grandes artistas, excelentes compositores, vivam à margem dos veículos de comunicação (não se sabe até hoje, além do dinheiro, o que causa tanta ojeriza aos donos desses veículos), deixando o Povo brasileiro sem contato com obras que efetivamente revelem nosso ethos nos seus caracteres mais profundos. Esse espectro cultural maravilhoso, imprescindível fio condutor para compreendermos melhor o pathos de nossa existência deixa de mostrar o lado sublime de nossas inquietudes, porque o trocaram por expressões pseudo-estéticas que só fazem atoleimar nossas contradições e afirmações humanas. Não é difícil entender. Repugnante é ter que conviver com isso sem esboçar tons de revolta.
Dizia o bom poeta Thiago de Mello: “Faz escuro, mas eu canto”. Não adianta querer tapar o sol com peneiras. Ele nascerá de qualquer modo. Nesse dia, será possível cantar bem alto os inesquecíveis versos de Zé Kéti no show Opinião apresentado no Teatro de mesmo nome no Rio de Janeiro [1965]. Zé, Nara e João do Valle fazendo duras críticas ao Sistema, cantavam: “Podem me bater, me joguem no chão, mas eu não mudo de opinião”. É isso aí… Não adianta esconder. Mesmo na morte, o sol nascerá: Viva o grande Billy Blanco…
prof. Paulo Pires
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