G1
Ordem teria partido de líderes do tráfico, encarcerados no presídio Ary Franco. Bombeiros e PMs seriam os assassinos de Patrícia Acioli.
As ameaças de morte à juíza Patrícia Acioli não eram um segredo. Dois dias antes do assassinato da magistrada – que aconteceu na última quinta-feira, quando ela chegava em sua casa, em Piratininga, na região oceânica de Niterói -, um policial civil da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod) esteve na Polícia Federal para informar que havia um plano para executar a juíza, considerada linha-dura nos julgamentos contra PMs da banda podre de São Gonçalo.
A própria Patrícia esteve, na semana anterior ao crime, na sede da Corregedoria da Polícia Militar, onde teria contado que estava sendo ameaçada por policiais do 7º BPM (São Gonçalo) e do 12º BPM (Niterói). O Disque-Denúncia recebeu, em 2009, duas informações de que ela corria risco. Na época, as denúncias foram repassadas para a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco). Patrícia foi morta na noite da última quinta-feira, na porta de sua casa, em Niterói, com 21 tiros.
Já uma informação recebida na segunda-feira pelo Disque-Denúncia (2253-1177) indica quatro detentos do presídio Ary Franco, em Água Santa, como os mandantes do assassinato da juíza. De acordo com o texto, presos da galeria C, ligados à exploração de máquinas de caça-níqueis em Niterói, São Gonçalo e Maricá, teriam planejado o crime. A denúncia ressalta ainda que o grupo teria como novos alvos um juiz federal de Niterói e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que presidiu a CPI das Milícias e divulgou o informe. O crime, segundo a denúncia, teria sido executado por dois bombeiros e por PMs do 7º BPM e do 12º BPM (Niterói). Até a noite de segunda-feira, o Disque-Denúcia recebeu 87 informações sobre o crime.
Churrasco teria comemorado morte
O teor da denúncia foi encaminhado aos setores de inteligência da Secretaria de Segurança, da Assembleia Legislativa (Alerj), do Tribunal de Justiça, do Tribunal Regional Federal, da PM e da Polícia Civil. Procurado pelo GLOBO, o juiz não foi localizado para comentar o suposto plano. Já o deputado Marcelo Freixo confirmou ter recebido uma cópia do documento, que cita a intenção do bando de usar até bazuca nos ataques:
– Esse é um assunto muito sério e o estado precisa atuar firmemente para evitar a repetição do que aconteceu com a juíza Patrícia Acioli. Sempre ouvi que esses bandos não teriam coragem para matar um juiz, mas isso aconteceu. É preciso tirar um aprendizado desse episódio lamentável em nome da memória de Patrícia – disse Freixo.
Primo da juíza, o jornalista Humberto Nascimento disse na segunda-feira que a família acredita que o assassinato tenha sido cometido por réus que ainda seriam julgados por Patrícia. Ele comentou ainda que a execução da juíza teria sido comemorada por policiais da banda podre com um churrasco em São Gonçalo no fim de semana.
– Creio que o autor do crime seja uma pessoa que ainda seria julgada por ela e não por alguém que já tenha sido condenado – disse Humberto.
Na segunda-feira, na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, uma audiência de réus acusados de extermínio foi adiada. Esta semana, outras quatro audiências estavam na pauta da juíza, todas contra grupos de extermínio.
Um manifesto silencioso reuniu na segunda-feira cerca de 50 pessoas usando mordaças pretas em frente ao Fórum de São Gonçalo, onde trabalhava a juíza. O ato foi promovido pela ONG Rio de Paz, que estendeu cartazes com a pergunta: “Quem silenciou a Justiça?”.
Durante a manifestação, rosas vermelhas foram jogadas no chão. Muito emocionado, o enteado da juíza, de 20 anos, não quis dar entrevistas. Humberto Nascimento ressaltou que a família está revoltada com o governo do estado, por ter recusado a ajuda da Polícia Federal para investigar o caso. Segundo ele qualquer ajuda seria bem-vinda para a rápida elucidação do crime e a prisão dos culpados.
– O governador entendeu que não precisa da ajuda. Mas esperamos uma resposta – disse ele.
Em nota, a Secretaria de Segurança informou que a “Divisão de Homicídios é bem equipada e tem policiais bem treinados”. A secretaria informou ainda que “não hesitará em aceitar ajuda do órgão quando julgar necessário”.
Policiais da Divisão de Homicídios estiveram na segunda-feira, das 16h30m às 19h30m, no gabinete da juíza, na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo. Eles levaram o HD do computador de Patrícia. Os investigadores buscavam novas pistas que possam ajudar a encontrar os assassinos da magistrada. Imagens de câmeras no interior do Fórum de São Gonçalo e na entrada também estão sendo analisadas pela polícia.
O presidente da OAB em São Gonçalo, João Luiz Muniz, disse na segunda-feira que espera que o crime seja rapidamente elucidado:
– Que não vire fato comum a pistolagem contra magistrados.
Mandado de prisão é enfim cumprido
Policiais da 75ª DP (Rio do Ouro) prenderam na segunda-feira um homem foragido que teve o mandado de prisão expedido pela juíza Patrícia Acioli em 2006. Segundo o chefe de investigações da delegacia, José Renato, embora não haja indícios da participação de Oziel Alves Teixeira, de 41 anos, no assassinato da juíza, informações sobre ele serão repassadas à Delegacia de Homicídios, que investiga o crime contra a magistrada.
Os policiais chegaram a Oziel devido a uma denúncia. Ele responde a um processo por homicídio desde 2002, mas, em 2006, faltou à audiência e nunca mais foi encontrado. A denúncia anônima contra Oziel diz que ele é responsável por outros quatro assassinatos e participa de grupos de extermínio de São Gonçalo. A polícia disse que vai investigar as suspeitas.
Patrícia Acioli condenou mais de 60 policiais militares em São Gonçalo nos últimos dez anos. Ele era conhecida por ser rigorosa em suas sentenças. Em 2002, após receber ameaças de morte, passou a andar com seguranças. Cinco anos depois, no entanto, o Tribunal de Justiça decidiu reduzir de três para um o número de seguranças, mas a juíza, irritada, não aceitou.
Horas antes de ser assassinada, a juíza havia decretado a prisão preventiva de dois policiais do 7º BPM (São Gonçalo). Carlos Adílio Maciel e Sammy dos Santos Quintanilha foram acusados de ter forjado um auto de resistência (registro de morte em confronto com a polícia) no dia 5 de junho, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo.
Agora, toda segurança para os substitutos
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, divulgou na segunda-feira que os três magistrados designados para assumir os processos da juíza Patrícia Acioli terão segurança reforçada e carros blindados. O desembargador disse ainda que os três vão priorizar os processos que tratam de grupos de extermínios e de milicianos que atuam em São Gonçalo. Os juízes – dois deles voluntários – devem começar a trabalhar nesta terça-feira.
O desembargador Manoel Alberto ressaltou, durante uma coletiva na sede do Tribunal de Justiça, que confia no trabalho da Polícia Civil para esclarecer o assassinato da juíza. Ele se reuniu com o diretor da Divisão de Homicídios, Felipe Ettore – que coordena as investigações -, e disse estar otimista:
– Eles (os criminosos que executaram a juíza) não vão conseguir intimidar a Justiça – disse o presidente do TJ.
Ele reforçou que, se necessário, pedirá ao governador Sérgio Cabral que sejam disponibilizados mais policiais para atuarem na segurança institucional do TJ. Manoel Alberto acrescentou que fará um pedido ao governo para que seja concedida a isenção de impostos aos juízes que quiserem comprar carros blindados por conta própria.
Também segunda-feira, durante reunião do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, o desembargador Antonio José Azevedo Pinto, atual corregedor-geral de Justiça, disse que encontrou a juíza Patrícia num shopping de Niterói, acompanhada de seguranças. O desembargador lembrou que foi contido ao se aproximar da juíza para abraçá-la. Os dois eram amigos e a juíza tratava carinhosamente o desembargador de “tio”. Ao GLOBO, Azevedo disse não lembrar quando ocorreu o fato.
– Eu não me recordo da data, mas fui abordado pelos seguranças ao me aproximar – contou o desembargador.
Em São Paulo, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, afirmou que o assassinato mostra a ousadia do crime organizado no país:
– Acho extremamente grave. Certamente isso sugere que o crime organizado está ficando muito mais ousado. Devemos ficar realmente muito preocupados
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