Papiro traz o seguinte trecho, em copta: “Jesus disse a eles: ‘Minha mulher…'”
Um pedaço de papiro de apenas quatro por oito centímetros pode reacender o debate — e as teorias da conspiração — sobre a vida de Jesus Cristo e, em especial, sobre a possibilidade de ele ter sido casado. Uma historiadora especializada nos primeiros anos do cristianismo recebeu um papiro, que seria fragmento de um evangelho apócrifo, com uma frase nunca antes vista em nenhuma documento antigo: “Jesus disse a eles, ‘Minha esposa(…)’.” Embora outros evangelhos apócrifos façam referência a um Jesus que teria se relacionado, em especial, com Maria Madalena, nunca nenhum deles trouxe a palavra ‘esposa’.O papiro é escrito em copta, um antigo idioma egípcio que usa caracteres gregos. A peça, trazida a público por Karen King, historiadora eclesiástica da Universidade Harvard, em um encontro de especialistas em copta em Roma, nesta terça-feira, teria sido escrita no século IV, mas provavelmente é uma cópia de um texto anterior feito por volta de 150 d.C.
Não é prova — Karen já se antecipou à principal discussão que seu estudo provocará: em um texto publicado no site de Harvard, ela afirma que a referência não constitui prova de que Jesus Cristo tinha uma esposa. No entanto, se de fato datar do século 2 d.C., o fragmento indica que o debate sobre se aquele que é considerado filho direto de Deus pela cristandade era ou não celibatário era uma realidade 150 anos após a sua morte.
No artigo publicado no site de Harvard, Karen King batizou o achado de The Gospel of Jesus’s Wife (O Evangelho da Mulher de Jesus, em tradução livre). O texto apócrifo, composto por oito linhas, está totalmente fragmentado, o que dificulta qualquer tentativa de interpretação, segundo a própria historiadora. Mas ela é enfática ao comentar a quarta – e mais importante – linha, na qual se lê claramente: “Jesus disse a eles: ‘Minha mulher’.”
“Essas palavras não podem significar nada diferente”, disse Karen King ao jornal The New York Times. A quinta linha prossegue: “Ela estará preparada para ser minha discípula”, mas é incerto se Jesus estaria se referindo àquela que seria sua esposa ou a outra mulher. A historiadora tampouco acredita na tese de que a esposa em questão fosse Maria Madalena.
Em entrevista publicada na Harvard Magazine, ela disse que nos textos antigos as mulheres eram sempre definidas pelo seu vínculo com homens (como na fórmula “Maria, esposa de José”). Jesus e Maria Madalena não são mencionados dessa forma em nenhum documento conhecido. “Toda a informação mais antiga e confiável sobre o Jesus histórico se cala a esse respeito”, diz a pesquisadora.
Celibatário — A Igreja Católica sustenta que Jesus Cristo era celibatário. Os quatro evangelhos que narram a vida de Jesus (Mateus, Marcos, Lucas e João) não fazem referência a qualquer companheira. Nos últimos anos, essa tese foi contestada em filmes e livros, a exemplo de A Última Tentação de Cristo, dirigido por Martin Scorsese, o que atraiu duras críticas da Igreja, e do livro O Código Da Vinci, de Dan Brow, inspirado no evangelho apócrifo de Felipe. Mas Karen King diz que seu trabalho não tem nada a ver com a trama. “Não me venha dizer que isso prova que Dan Brown estava certo”, disse ao The New York Times.
De táxi — Karen King conta no site da Harvard Magazine que tomou conhecimento do fragmento em 2010. Estava em poder de um colecionador de artefatos históricos, que não quer se identificar. A princípio, ela desconfiou da autenticidade do documento. O proprietário insistiu num segundo contato um ano depois. Ela concordou em encontrá-lo.
Já com o original em mãos, ela diz ter passado os últimos meses levando o papiro, cuidadosamente preservado entre duas lâminas de vidro, a diversos especialistas. O ceticismo morreu num encontro com Roger Begnall, diretor do Institute for the Study of the Ancient World (ISAW), da Universidade de Nova York, ao qual estavam presentes outros papirologistas. Afirma ter saído do encontro confiando que o fragmento era autêntico. “Não voltamos de metrô. O papiro merecia andar de táxi”, afirmou a historiadora ao site de Harvard. Ela também recebeu uma análise positiva de Ariel Shisha-Halevy, especialista em língua copta da Universidade Hebraica de Jerusalém.
O atual dono do papiro ofereceu doá-lo a Harvard caso a universidade compre uma parte de sua coleção. Segundo Karen King, a entidade está considerando a possibilidade.
Apesar da apresentação nesta terça-feira, ainda não foi realizado um teste com carbono-14 na tinta do fragmento, o que permitiria estimar com precisão o quão antigo é o documento. Segundo Karen King, isso poderia danificar o material. Ela planeja testar a idade do papiro por uma técnica conhecida por espectroscopia. (Veja)
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