Showrnalismo e o papa
“Showrnalismo em torno da escolha do novo presidente da Igreja Católica S.A. é impressionante. Não há qualquer discussão aprofundada sobre o significado real de tudo isso, sobre a trajetória histórica que traz até aqui. Nada é questionado. É só show, e esse show não aceita reflexão, apenas oba-oba.” (Alexandre Haubrich)
A eleição do papa, segundo a imprensa brasileira, é um momento de festa. Um momento de mudança sem que haja efetiva mudança, de coberturas especiais sobre cores de fumaça e previsões mirabolantes que sempre se mostram erradas. Quem será o novo papa? Qual o país do novo papa? Qual a roupa/comida/bebida favorita do novo papa? Mas as perguntas realmente pertinentes são deixadas de lado. Qual a ideologia do novo papa? Será que o novo papa será aberto ao diálogo e respeitará minorias? O novo papa possui ligações com grupos criminosos, com antigas ditaduras ou foi ele mesmo colaborador destas? Dentre tantas outras possíveis. Aliás, necessárias.
O papa recém-eleito, Francisco, ou Jorge Mario Bergoglio, argentino, é acusado de envolvimento com a ditadura local, com tortura e assassinato de militantes, inclusive de padres, com sequestro de bebês e foi, junto com Ratzinger (Bento 16), um dos responsáveis pela eliminação da Teologia da Libertação, ramo este responsável por aproximar a igreja dos pobres e necessitados, exatamente a camada social que é alvo preferencial (e é mais vulnerável) às investidas dos neopentecostais.
A eleição de Francisco é uma tentativa, talvez a derradeira, de aproximar a igreja dos pobres e reconquistá-los, ao mesmo tempo em que busca manter o “rebanho” atual, longe das hostes neopentecostais vorazes e que prometem facilidades mundanas e celestiais ao alcance de um cheque ou de um cartão de crédito.
“Bom velhinho”
Sejam ou não reais os crimes atribuídos a Bergoglio, o fato de existirem suspeitas já denuncia que a escolha, política e nada santa, não tem o poder de salvar a igreja católica e muito menos de renová-la. De qualquer forma, todo este debate, seja sobre o passado do papa, seja sobre sua ideologia e possíveis primeiras movimentações, acaba oculta em meio à inútil cobertura festiva do evento, como se fosse tudo uma imensa celebração, envolta em alegria e não uma decisão política e geopolítica que afeta milhões de pessoas, Estados e governos e que tem consequências reais.
Um papa não é apenas um “bom velhinho” que fala sobre Deus, mas é um líder político que celebra acordos com países e influencia diretamente – ainda – a vida de muita gente, que ainda é uma influência moral relevante e cuja opinião é ouvida e seguida.
Mas, para a grande mídia, ele é apenas o “bom velhinho”. Por que “torrar” a paciência da audiência com o passado do papa? Por que perder tempo discutindo algo real e efetivo sobre o poder papal se podemos apenas mostrar fumaça, festa e alegria? Somos ou não, afinal, a maior nação católica do mundo? Por que dizer algumas verdades ou mesmo fazer pensar tanta gente que, no fim, pode apenas mudar o canal ou comprar um jornal diferente?
A cada dia, mais irrelevante
Subestima-se, por um lado, as redes sociais, por onde milhões hoje se informam e por onde circulam informações sobre quem é o que pode fazer o papa Francisco, e por outro subestima-se a audiência, tratada como imbecil.
“A exemplo de quarta-feira, quando foi eleito o novo papa, o Jornal Nacional de ontem também foi quase todo dedicado ao assunto. Com a íntegra em mãos, planejava contar quantas vezes, em 33 minutos de noticiário, determinadas palavras apareceriam. Desisti após o primeiro bloco, quando já se somavam 23 ‘papas’, sete ‘Jesus Cristo’, seis ‘missa’ e uma pilha de ‘cardeais’, ‘igreja’, ‘basílica’, ‘deus’, ‘cúria’, ‘senhor’ etc.” (Lino Bocchini)
O jornalismo brasileiro a cada dia que passa se concentra na arte de falar sem dizer nada, escrever sem passar nada – não à toa, a Folha de S.Paulo, seguida por outros jornais, resolveu aumentar o espaço para imagens e reduzir o espaço para textos; afinal, ler cansa! – e não seria diferente na imensa festa que é o conclave e a escolha do novo papa.
Um jornalismo (sic)que não noticia, milita. Mas milita passando por cima da realidade e das obviedades, transformando a cobertura da eleição do papa em um show “imperdível”, mesmo que você não seja católico ou simplesmente não se importe. Quantos que se informam exclusivamente pela Globo ou pela Folha (ou qualquer outro grande veículo de mídia) sabem do escândalo do Vatileaks? Do escândalo envolvendo grupos religiosos diversos no seio do papado? Das saunas e da “máfia gay” denunciada no Vaticano?
Provavelmente poucos, talvez ninguém.
E é isto que agrada a mídia, que a cada dia se torna mais irrelevante. Chegaremos ao dia em que o Domingão do Faustão será mais relevante em termos de notícia que o Fantástico?
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Raphael Tsavkko Garcia é mestre em Comunicação
Por Raphael Tsavkko Garcia em 19/03/2013 na edição 738
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