A apenas 18 dias do fim do auxílio emergencial concedido durante a pandemia de covid-19, o clima na equipe econômica é de tensão e enfrentamento para impedir nova prorrogação do benefício – medida defendida por auxiliares do presidente Jair Bolsonaro e lideranças do Congresso, enquanto o governo não tira do papel o novo Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família.
Os principais auxiliares do ministro da Economia, Paulo Guedes, já avisaram em reuniões internas e com representantes do mercado financeiro que não assinam a prorrogação do auxílio por meio de novo crédito extraordinário, o que possibilitaria que as despesas ficassem fora do teto de gastos (a regra prevista na Constituição que fixa um limite anual de despesas com base na variação da inflação).
Um cenário de ruptura na equipe econômica não é improvável, e passou a ser incorporado por analistas do mercado financeiro depois que o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, em encontro fechado, deixou claro que não assinará uma prorrogação do auxílio. A sua assinatura é necessária para a edição do crédito extraordinário.
Como o auxílio ficaria fora do teto, a prorrogação do benefício, na prática, liberaria mais espaço no Orçamento para recursos destinados a emendas parlamentares. Em avaliação no Congresso, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera os pagamentos dos precatórios já aumenta em mais de R$ 50 bilhões o espaço para novos gastos em 2022, mas o Palácio do Planalto e lideranças do Centrão querem mais.
O quadro de forte pressão política por aumento de gastos com emendas parlamentares e obras consideradas eleitoreiras no ano que vem se soma às dificuldades do governo para sair do impasse e destravar cinco pontos que ainda bloqueiam o Orçamento de 2022. São eles: a PEC dos precatórios; a votação do projeto de reforma do Imposto de Renda; a definição da medida provisória com o valor do Auxílio Brasil; mensagem modificativa para alterar o projeto do Orçamento; e a concessão de um “vale-gás” para a população de baixa renda. Todos esses pontos estão amarrados entre si.
Neste contexto, técnicos da área fiscal do Ministério da Economia ouvidos pelo Estadão afirmam que a prorrogação do auxílio seria o cenário das “trevas”, que acabaria se voltando contra o próprio presidente, com uma guinada definitiva na direção do populismo fiscal e, como efeito, com um horizonte de mais inflação, dólar em alta e perda de credibilidade.
O desgaste de Guedes após a revelação de que mantém recursos em offshore em um paraíso fiscal acabou enfraquecendo a posição da equipe econômica na defesa do fim do auxílio e de uma solução fiscal para um novo programa dentro do teto de gastos.
“O cenário está muito difícil e, à medida que o tempo avança, esse embate vai ficando mais pesado. Porque, como não se consegue resolver pelos caminhos normais, vão tentando resolver pelos caminhos das brechas”, avalia Manoel Pires, coordenador do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas. Pires estima um buraco de no mínimo R$ 70 bilhões no Orçamento de 2022, que pode aumentar ainda mais caso haja a definição de um subsídio para bancar o “vale-gás” aos mais pobres.
Segundo ele, como não se decide nada com antecedência mínima, os riscos fiscais estão aumentando. Pires também não vê viabilidade técnica de se prorrogar o auxílio usando o mecanismo de crédito extraordinário, mas alerta que, diante dos efeitos da crise econômica, é preciso achar uma solução rápida para aumentar o valor do novo Auxílio Brasil e ampliar o público alvo. “O cabo de guerra é resolver esse impasse de dois meses para as pessoas não ficarem sofrendo muito.”
O governo já enviou uma medida provisória que acaba com o Bolsa Família e cria o Auxílio Brasil, mas o texto não definiu o valor do novo benefício. Se o governo quiser manter a ideia inicial de criar o Auxílio Brasil como um programa permanente, com a marca do governo Bolsonaro, precisa começar a pagar o benefício já em dezembro – uma exigência da lei eleitoral, que impede a criação de novos programas no próprio ano das eleições.
Uma das maiores incertezas para sair da paralisia atual é a votação no Senado do projeto de reforma do Imposto de Renda. Aprovado com ampla maioria na Câmara, o texto sofre resistência entre os senadores, inclusive do próprio relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), que tem sinalizado que não há pressa em colocá-lo em votação. Líderes governistas tentam um acordo para a aprovação, com o apoio do MDB, o maior partido no Senado.
O impasse em torno do projeto do IR se dá porque o governo atrelou a sua aprovação ao aumento de valores pagos pelo Auxílio Brasil. A compensação é uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Se o projeto não for aprovado, um “plano B” em discussão no Congresso seria a criação de um auxílio temporário com prazo de até dois anos, que não exigiria a compensação com aumento de receitas ou corte de despesas. O Ministério da Economia aprova a criação desse auxílio temporário, inclusive para incorporar o “vale-gás”, desde que as despesas fiquem dentro do teto de gastos.
Adriana Fernandes/Estadão Conteúdo
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