Um homem faz um discurso diante de dezenas de pessoas quando repentinamente fica pálido, a voz falha e ele cai no chão.
Dois meses se passam e, no mesmo local, outro homem vai ao chão. Desta vez, um senhor de terno claro em convulsão.
“Eu quero o serviço médico! Serviço médico urgente!”, diz um grito de socorro.
Os dois casos, que felizmente acabaram bem e com as vítimas recuperadas, aconteceram no plenário do Senado e envolveram conhecidos parlamentares.
O primeiro episódio foi com o senador Cid Gomes (PDT-CE), hoje licenciado. O segundo, com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO).
O homem que gritou por socorro ao microfone era o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Em comum, as duas histórias têm o personagem que fez o atendimento emergencial dos pacientes, o também senador Otto Alencar (PSD-BA), um dos quatro médicos com mandato na Casa atualmente.
Ortopedista formato pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), Alencar é especialista em cirurgia de quadril, mas trabalhou em atendimento de urgência em pronto-socorro em seu estado por quase 20 anos.
“Quem trabalha em pronto-socorro, quando acontece um problema, é quase automático: você vai para salvar”, afirma o senador, que oficialmente deixou a medicina em 2004.
Ele diz que chegou a operar até quando era governador da Bahia, em 2002, quando uma antiga paciente o procurou.
Em atos políticos, lembra que a experiência médica já foi útil, como quando, graças a dois comprimidos de um vasodilatador que carregava na carteira, salvou um adversário que enfartava em sua frente.
Em maio, quando passava pelo interior da Bahia, viu um motociclista ser atropelado e mandou que seu motorista parasse o carro.
“Vi que estava com traumatismo craniencefálico, sem respirar direito. Fiz [respiração] boca a boca nele, botei dentro do carro e levei para Alagoinhas [município próximo]”, diz o médico senador.
No Congresso, leva para seu gabinete uma mala com medicamentos para uma eventual necessidade.
“Remédio que não acaba nunca: analgésico, anti-inflamatório, [medicação] para dormir… É para atender o pessoal.”
E os colegas o procuram. Ele lembra que passou a ser chamado de “meu médico” pela ex-senadora Lúcia Vânia depois que a tratou de uma fascite plantar, inflamação de uma membrana que recobre a musculatura da sola do pé.
No dia 3 de setembro, atendeu sua primeira emergência na Casa. Cid Gomes estava na tumultuada sessão em que se discutia a cessão onerosa.
Cid lia seu relatório quando começou a passar mal. Ele tem síncope vasovagal, que causa mudança abrupta de pressão.
Alencar estava sentado no plenário e correu até a tribuna. Ergueu as pernas de Cid e as apoiou sobre os próprios ombros, para que o sangue dos membros inferiores fosse para a cabeça. O colega cearense se recuperou.
Tempo depois, na sessão do dia 19 de novembro, se assustou ao ver Kajuru tendo uma convulsão.
“Ele ficava se debatendo todo, o olho virou. Quando vi, corri, meti a mão na boca. Botei o lenço para a língua dele não obstruir a traqueia e ele voltar a respirar.”
O serviço médico do Senado logo retirou Kajuru de maca de dentro do plenário. O senador precisou ser internado.
Boletim médico do hospital em que ficou informou que exames revelaram uma cicatriz no cérebro, provável resultado de uma infecção antiga já resolvida. Esta cicatriz, associada ao estresse, diz a nota, pode ter contribuído para a crise convulsiva.
O senador já recebeu alta e passou a chamar o colega médico de “Otto de Deus”. “Em medicina, 90% se resolve com boa vontade e aspirina”, diz o senador doutor.
Folha de S.Paulo
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