Um tributo a Charles Muller. Artigo da Professora Maria José – Tia Zé – diretora da Escola Nossa Senhora de Fátima em Brumado, pela passagem do ex-aluno Charles.

 

    prof maria jose

Mensagem de Tia Zé pela passagem de Charles Muller

Charles Partiu. Mudou-se para o espaço de cima que naturalmente é mais acolhedor. Não posso queixar que ele partiu sem se despedir DE MIM; não. NA SEMANA QUE ANTECEDEU SUA PARTIDA, minha neta Aniê, foi portadora de um beijo que ele mandou pra mim. Ela passou momentos de alegria junto a Charles e trouxe-me informações de sua pureza, sua amizade, seu bom humor, sua educação.  Conversamos um pouco sobre ele e seu sorriso inocente veio à minha lembrança tão vivo, tão real, tão presente, dando origem a uma cascata de recordações que se fizeram presentes em minha mente, em meu coração. Aquele sorriso me perseguia, eu o encontrava na festinha da páscoa, ou no papai Noel; eu o via de chapéu de palha, vestido de caipira, dançando forró, ou na gincana correndo atrás das tarefas com muito entusiasmo, ou ainda na finalização de seu curso médio na ESCOLINHA e sua grande vitória final, aprovação no vestibular da Federal!

E comentávamos juntas, eu e Aniê, minha neta: Ele é tão lindo! Tão legal!  E uma sensação de que ainda existem pessoas boas no mundo nos invadiu.

Chegou a outra semana, eu convalescendo de um problema de saúde, encontro minha netinha Aniê entregue à tristeza. Encarregou sua mãe de me informar do triste acontecimento. Palavras foram escolhidas , tom de voz ameno, e um olhar de compaixão de antemão, me apontavam que a noticia teria uma gravidade. Paralisada, estarrecida escutei o triste fato e me veio a pergunta: por que tanta violência com alguém que só viveu na paz?

Sensação de total impotência! E a voz de Aniê, minha netinha, ecoando em meus ouvidos; “minha Vó, precisamos de fazer alguma coisa!”

Eu sei, mas não sei o que. Questionamentos mil invadem meu ser. Choro recordando-me de mais detalhes, lembro-me de seus pais, das reuniões de pais da escola, de tantos e tantos fatos…e Aniê volta da faculdade: Vó, precisamos fazer algo!

Respondo – FILHA, A VIOLÊNCIA QUE NOS CERCA É DESPROPORCIONAL AO NOSSO PODER DE AÇÃO. Portanto vamos fazer nossa parte, procurar seguir os ensinamentos de Jesus, amar ao nosso próximo mais próximo, respeitar a todos, procurar seguir o caminho de nosso Mestre maior, exercer o nosso papel de verdadeiro cidadão   e tentar contaminar a todos que nos cercam com nossa postura.  Nosso papel é esse! As palavras não traduzem todo o sentimento e sinto que, SÓ isso, ou isso tudo não   me satisfaz. Quero sim fazer algo! no entanto me sinto tão impotente diante da parafernália política que se instalou em nosso País! E embora esteja num momento frágil de saúde, uma vontade enorme de clamar por justiça surge dentro de meu ser. E percebo de maneira clara que não podemos nem devemos deixar de cobrar de nossos representantes; pois compete a eles, sim, se sensibilizarem com o problema da violência e da impunidade   que tem arrebatado vidas e deixado famílias inteiras destruídas pela tristeza, depressão sem esperança e uma sensação forte de que estamos sendo lesados.

É verdade. Lesados! Pois contribuímos com nossa cota que não é pouca! Os impostos que todos os brasileiros pagam são altíssimos e para isso não há perdão. No entanto eles servem para tudo! Principalmente para todos os desvios que tomamos conhecimento a todos os dias e para satisfazer os caprichos desonestos de outros tantos. Mas o povo brasileiro está maltratado! está acuado! E embora afirmemos para, os nossos alunos que o regime governamental é uma democracia, sabemos que isso não é verdade! Pois aprendemos que democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo!   Embora em nosso querido Pais o que está valendo menos é o povo. O que tem mais valor entre os responsáveis pelos poderes é a maledicência, a politicagem, as intrigas, com raras exceções, é claro. Assim , a educação, a saúde, a segurança são jogadas de lado para darem lugar ao pão e ao circo .Pois não falta dinheiro para o futebol , nem para o carnaval , mas falta para se implementar projetos sérios de tratamento de jovens dependentes; falta para  se investir em moradias , falta para se pagar um salário decente ao professor , ou para se construir uma faculdade ; falta verba e vontade política para se valorizar  com dignidade os responsáveis pela segurança , os responsáveis pela saúde , os assistentes sociais, os psicólogos e todos aqueles que seriam os construtores da paz .E quando falo deste tema não me refiro a nenhum partido politico especificamente, mas , refiro-me de sã consciência a todos aqueles que de livre e espontânea vontade  escolheram ser representantes do povo. Falta o que para se acabar com a violência       ?  EU OU QUALQUER PESSOA DO POVO SABE RESPONDER; FALTA SENSIBILIDADE, RELIGIOSIDADE, UNIÃO, FALTA AMOR AO PRÓXIMO. Pois só quem teve a vida de seu filho jovem, lindo, sadio, perfeito, Inteligente, bom, repito: quem teve a vida de um filho ceifada antes da hora, pode entender o que é pouco caso, o que significa lavar as mãos exatamente como fez Pilatos, entregar a vida do outro inocente para a turba assassiná-lo. É exatamente dessa forma que consigo ver.

Charles Muller não se ausentou desta vida porque era bom e Jesus o chamou, não. Charles se constitui em mais um na fila de jovens assassinados que partem antes da hora por falta de respeito ao ser humano, por falta de participação do povo no processo político, que por razões obvias tem medo de aparecer. No entanto, se não quisermos transformar esses momentos dolorosos em lições que podem transformar nossa história, ainda teremos que derramar muitas lágrimas e fazer de conta que depois da missa de 7º dia tudo se acalma. E sabemos que não é assim. A dor dos pais que perdem um filho é para sempre, não passa, é dor aguda que atravessa todo o ser, que destrói os sonhos, que paralisa o pensamento, que aniquila corpo e alma.

Que a partida precoce de Charles Muller se constitua no início de um movimento forte e corajoso em que o brumadense  brasileiro crie força  e chorando com os pais desse menino não fiquemos estacionados , esperando o próximo que pode ser qualquer um de nós , ou de nossos filhos se continuarmos com  essa postura de acomodação e medo, pois  o pior cego é aquele que não quer ver. Charles morreu em Salvador , mas não podemos e nem devemos ignorar o número de pessoas que já tiveram a vida arrebatada  ou desrespeitada em Brumado que não difere da mesma problemática de quase  TODO  NOSSO BRASIL, ou seja : falta segurança , saúde e educação.

Charles , aluno querido da ESCOLINHA , hoje estamos aqui para pedir a paz , sim , mas como Gandhi, estamos cientes que paz não é sinônimo de passividade , você  , filho , querido, desperta em nós um sentimento forte de que  a sua imolação não será esquecida , em seu nome , em nome de seus pais e de tantos outros pais  que viram seus filhos partirem de maneira trágica em nossa cidade ,daremos inicio  em Brumado a um movimento de conscientização  do verdadeiro papel do cidadão , para que nos tornemos mais informados , mais participativos , mais unidos, mais colaboradores  mais reivindicadores  na conquista de uma Brumado menos sofrida , mais segura , mais justa .

Saudades, Tia Zé