Vazamento de informações sigilosas pode levar a seis anos de prisão; entenda
Nesta quarta (30), Jair Bolsonaro acusou Wilson Witzel de ter vazado detalhes da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). O governador fluminense negou e rebateu que, “se o processo está no Supremo Tribunal Federal, pode ter vazado ali dentro ou em qualquer outro órgão”.
Fato é que, se detalhes da apuração sigilosa foram divulgados, houve um crime. E no Código Penal ele pode ser enquadrado como “violação de sigilo funcional”, segundo juristas, com pena prevista de até seis anos de prisão e multa.
É o artigo 325, que pune o funcionário público que “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”, prejudicando a administração pública ou qualquer outra pessoa.
Mesmo que o servidor não dê, por exemplo, um documento na mão de um sujeito, se disser “olha ali naquela gaveta” já pode ser imputado pelo crime, explica o advogado Thiago Minagé, presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas do RJ (Abracrim-RJ).
Isso não vale, porém, para o jornalista que recebe a informação e a publica. Nesse caso, o profissional é protegido pelo artigo 5º da Constituição. “O repórter está no exercício da sua profissão, mas a pessoa que traz o dado tem acesso a ele por confiança legal ou autorização judicial”, diz Minagé.
Thales Arcoverde, defensor público da União, pondera que o artigo 325 não é tão específico quanto o que proíbe a divulgação de interceptações telefônicas. “Diferentemente do que ocorre na Lei das Interceptações Telefônicas, a quebra do sigilo das investigações não tem um tipo penal específico”, diz.
COMO UM INQUÉRITO SE TORNA SIGILOSO?
A princípio, todo inquérito policial é sigiloso (exceto para as partes), segundo o artigo 20 do Código de Processo Penal: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Esse sigilo, porém, pode ser “reforçado” por uma decisão judicial caso se entenda que a divulgação daquelas informações pode violar direitos individuais, como ocorrências envolvendo menores ou crimes sexuais, ou atrapalhar a apuração.
Já os processos judiciais são, via de regra, públicos, mas podem correr sob segredo de Justiça pelos mesmos motivos —que é o caso do assassinato de Marielle e seu motorista Anderson Gomes, cujo sigilo foi decretado pelo 4º Tribunal do Júri da capital fluminense.
Portanto, se um funcionário público vaza uma investigação, está violando a lei e, possivelmente, descumprindo uma decisão judicial, crime também previsto no Código Penal (desobediência) com pena de até seis meses de prisão e multa.
O advogado Antônio Santoro, professor de processo penal da UFRJ (Universidade Federal do RJ), porém, critica o fato de a investigação e punição desse tipo de vazamento ser rara e seletiva.
“É só ver as vezes em que colaborações premiadas são divulgadas pela imprensa, sem consequências, e lembrar de quando o [ministro da Justiça, Sergio] Moro divulgou áudios de Dilma e Lula, e o caso foi arquivado. É um claro uso da máquina investigativa de maneira pontual e pessoal”, afirma.
E WITZEL E BOLSONARO COM ISSO?
Se as acusações de Bolsonaro sobre Witzel realmente se provassem reais, criminalistas apontam que caberia ao Ministério Público (estadual ou federal, dependendo do caso) levar a denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), porque o governador tem foro especial.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro também poderia agir, alegando crime de responsabilidade, que pode ser a base para um impeachment.
E Bolsonaro, estaria cometendo um crime de prevaricação ao não denunciar Witzel quando este supostamente lhe deu detalhes da investigação?
As opiniões divergem, mas o entendimento geral é de que seria “forçação de barra”.
“No dia 9 de outubro, às 21 horas, eu estava no Clube Naval do Rio de Janeiro quando o governador Witzel chegou para mim e disse: o processo está no Supremo. Que processo? O que eu tenho a ver? E o Witzel disse que o porteiro citou meu nome. Ele sabia do processo que estava em segredo de Justiça”, disse o presidente nesta quarta.
“Não caberia a prevaricação. Porque ele não tem o dever de acusar um governador que sabe algo contra ele mesmo [Bolsonaro]. O direito de defesa prevalece sobre o direito estatal, revelar isso significaria fazer uma autoacusação”, argumenta Sérgio Shecaira, professor de direito da USP e conselheiro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
Para Santoro, da UFRJ, não poderia ser considerado “nem condescendência criminosa, que é quando uma autoridade não instaura procedimento contra um subordinado, porque o Witzel não é seu subordinado. Seria expandir o sistema penal para onde ele não pode expandir”, diz.
Folha de S.Paulo
Deixe seu comentário