por Cláudia Cardozo
“A violência doméstica é democrática. A violência pode acontecer no lar de qualquer um. A violência não escolhe classe social, não escolhe cor”, afirmou a juíza Ana Cláudia Souza, da 2ª Vara da Justiça pela Paz em Casa, durante um encontro realizado com 25 vítimas de violência doméstica. O evento aconteceu nesta sexta-feira (9), no auditório da Faculdade Ruy Barbosa, na Avenida Paralela. “Temos acusados que são pedreiros, pescadores, e temos acusados que são advogados, policiais”, completou. Prova disso foi o que aconteceu com uma advogada, que prefere não se identificar. Em dezembro de 2017, ela foi agredida pelo ex-namorado – um policial militar. “No meu caso, ele agiu de forma premeditada. Ele entrou no meu apartamento, ele esperou um tempo porque há muitas câmeras no prédio, para entrar no meu apartamento. Ainda no elevador, ele me fez carinho. Mas quando entrei no apartamento, recebi o primeiro tapa, fui jogada no chão, fui pisada, recebi murros. Ele só parou quando ele pegou a arma e eu fiz xixi de medo. Ele só parou nessa hora. Eu consegui ligar para a portaria para pedir a segurança e acionar a viatura. Foi feita uma ronda pelo bairro. Só que ele é PM. Ele disse que ia me bater de mão aberta, ia bater em alguns lugares porque sabia que não ia ficar marca. Eu não queria acreditar naquilo”, declarou a jovem. Ela diz que recebeu diversos sinais de que o companheiro era um agressor. “A gente que sofre violência sempre recebe um sinal. O primeiro sinal é um aperto no braço, um puxão mais forte no cabelo, você percebe a voz da pessoa fica mais alterada em uma briga. Você percebe o olhar da pessoa mais enfurecido. É como se fosse etapas. Sai de uma agressão leve, como foi o meu caso, para uma agressão mais grave”, conta.
O casal teve um relacionamento de sete meses. Eles já se conheciam da faculdade e ela tomou conhecimento de outros casos de agressões que o então companheiro praticava no trânsito e com o filho. Na época do relacionamento, o policial tomava medicamento de tarja preta para emagrecer, muitas vezes, junto com álcool, o que potencializava o seu lado agressivo. A grande preocupação dela é que ele anda armado por ser policial. “Graças a Deus, eu moro em um prédio que tem muitos recursos de segurança, eu tenho uma segurança maior que algumas mulheres, que infelizmente moram em comunidades e não têm os recursos que eu tenho. Diante de toda situação, de alguns casos que eu vi, eu me senti na obrigação de denunciar e de fazer justiça. Eu quis dar a cara a tapa. É sofrido? É. É doloroso? É”. Ela percebeu que precisava fazer a denúncia quando chegou a uma situação extrema. “Ele me jogou no chão diversas vezes. Ele não se contentou e ficou me ameaçando. Foi quando eu percebi que tinha que brecar esse marginal. Ele não respeita ninguém, ele é uma pessoa perigosa, que anda armado”, reforçou. As feridas do corpo foram cicatrizadas, mas o psicológico ficou abalado. “Teve em momentos em que eu fiquei em casa presa, eu não conseguia sair. Teve um dia que eu não conseguia me olhar no espelho. A dor física é grande. A psicológica é enorme. Você nunca mais vai esquecer. É muito doloroso. É muito triste”, diz. A Justiça decretou medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha para a advogada.
Foto: Nei Pinto/ TJ-BA
Foi para fortalecer e encorajar as mulheres que a juíza Ana Cláudia decidiu fazer o encontro com as vítimas. “Percebemos, no decorrer dos trabalhos, a necessidade de fazer esse encontro com as vítimas. Muitas delas se mostravam desinformadas acerca da Lei Maria da Penha, acerca de seus direitos, de como proceder, por exemplo. Vimos que precisava desse momento, delas serem acolhidas e de fazer esse trabalho de conscientização, de explicação, informação, pois muitas queriam desistir do processo, outras queriam outras medidas relacionadas aos filhos, patrimônio. Essa é uma oportunidade para fazermos isso”, explica a magistrada. No encontro, as participantes ainda foram maquiadas e fotografadas, como um processo de resgate de autoestima. “Com isso, elas participam do encontro com outra energia. A autoestima delas cai muito no decorrer do processo. Muitas vítimas são bem fragilizadas. É preciso resgatar esse lado feminino, que foi tão maltratado, para seguir adiante”, pontua.
Foto: Bahia Notícias
Passos do processo
Uma mulher vítima de violência doméstica precisa buscar ajuda imediatamente. Um dos primeiros lugares que deve ir é em uma Delegacia Especializada na Mulher (Deam). Em Salvador, há duas unidades: uma em Brotas e outra em Periperi. Durante o registro do Boletim de Ocorrências, o delegado ou delegada pode pedir à Justiça uma medida protetiva para a vítima. Caso essa autoridade não peça, a vítima ainda pode requerer a medida através da Defensoria Pública, do Ministério Público, ou por um advogado. O pedido é distribuído para uma das três unidades da Vara da Justiça pela Paz em Casa de Salvador. A 1ª Vara funciona nos Barris, a 2ª na Faculdade Ruy Barbosa, na Avenida Paralela, e a 3ª na Unijorge. A juíza de uma dessas unidades pode decretar uma medida protetiva mesmo sem provas, por ser uma medida de urgência. “O juiz não vai precisar de prova concreta que aquilo aconteceu só para depois conceder. Se alguém chegou à delegacia por uma violência, acende o sinal vermelho. A gente não vai pagar para ver”, explicou a magistrada para as vítimas. A medida pode ser revogada se a vítima tiver certeza que aquela situação de risco passou. Durante as audiências, a Justiça separa as oitivas, para evitar colocar frente a frente vítima e agressor. As Varas da Justiça pela Paz em Casa, segundo Ana Cláudia, recebem mais processos que as varas criminais. Cada uma tem, em média, 1,2 mil processos. As Varas ainda prestam um atendimento multidisciplinar para as vítimas e dão encaminhamento para atendimento com psicólogos, psiquiatras, para Centros de Referência que atendem as vítimas e para obterem benefícios sociais.
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